Mudança no Código Florestal permite aos municípios liberarem ocupação de margens de rios

Alteração sancionada no fim de 2021 vem recebendo
críticas de especialistas e pode ser judicializada
 

 

No fim de 2021, foi sancionada lei que altera o Código Florestal brasileiro, permitindo a cada município estabelecer critérios próprios para a proteção de Áreas de Preservação Permanentes (APPs) nas margens de cursos d’água, como rios e córregos, no perímetro urbano. Anteriormente, vigorava limitação de no mínimo 30 metros a partir das margens. A alteração vem recebendo críticas de ambientalistas e pode ser judicializada, antes mesmo de as prefeituras iniciarem seus trabalhos de delimitação.   

Um sinal da insegurança jurídica trazida pela medida foi o parecer aprovado pela Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do Ministério Público Federal (4CCR/MPF). O estudo aprovado aponta inconstitucionalidade na alteração, em virtude da enorme disparidade de critérios de faixa marginal de proteção que podem ser adotados pelos distintos 5,5 mil municípios e pelo Distrito Federal.  

Além disso, os rios atravessam muitas vezes diferentes territórios municipais e até estaduais. Em caso de danos ambientais, as consequências não respeitam divisas. O documento foi encaminhado para o procurador-geral da República, Augusto Aras, para que decida que encaminhamento tomar. 

“Esse aspecto já permite visualizar fortes traços de inconstitucionalidade, uma vez que tais disposições violam a competência privativa da União no tocante à definição de normas gerais mais protetivas, que são de observância compulsória por todos os entes em matéria ambiental”, ressalta o estudo. 

Ignorando as mudanças climáticas

A secretária executiva do Observatório do Código Florestal, Roberta del Giudice, alerta para o fato de o país vir sofrendo cada vez mais com os efeitos das fortes chuvas, intensificadas com as mudanças climáticas. Segundo ela, em vez de desmatar terrenos nas margens dos rios, o país deveria estar fazendo um caminho inverso, reflorestando e preservando essas áreas para se evitar enchentes. A especialista em direito ambiental acredita que a pressão será grande para a liberação de grandes empreendimentos nesses locais, até pela necessidade que os municípios têm de atrair investimentos privados. 

“Aqueles municípios que não têm turismo nem pressão por expansão urbana vão provavelmente continuar seguindo o Código Florestal. Mas aqueles que sofram pressão para a ocupação dessas áreas tendem a elaborar normas para reduzir essas áreas de preservação permanente”, avalia Roberta, que defende um turismo mais sustentável integrado à natureza. 

De acordo com ela, a alteração na legislação vai ao encontro da Proposta de Emenda Constitucional 39 de 2011, que voltou a tramitar no Congresso, e que retira a propriedade exclusiva da União sobre terrenos de marinha.  A lógica é de dar aos municípios o controle sobre essas áreas, o que gera preocupações com relação à ocupação e construção em áreas de preservação ambiental. A PEC já foi aprovada em fevereiro pela Câmara dos Deputados em primeira votação e será examinada pelo Senado. 

Foto: Divulgação Secom Acre / Agência Brasil

Durante a tramitação do projeto que alterou o Código Florestal, outras entidades criticaram a flexibilização. O Senado chegou a incluir faixa mínima de 15 metros vigorando em todo o território nacional, mas essa proteção caiu no texto final aprovado pela Câmara.  

Kenzo Jucá, assessor do Instituto Socioambiental, aponta outros problemas jurídicos gerados pela alteração no Código. Segundo ele, a esfera federal é a mais adequada para o tratamento das questões de risco, como deslizamentos e inundações, e da proteção das faixas que margeiam os cursos d´água. Além disso, a maioria desses corpos hídricos são de domínio estadual ou federal.  

“Os impactos serão extremamente significativos, inclusive com capacidade de extinguir essa forma de proteção ambiental nas cidades brasileiras, caso não seja julgada a inconstitucionalidade dessa legislação. Com a descentralização aos municípios, a pressão dos interesses da especulação imobiliária sobre o poder local estabelecerá uma tendência de sobreposição das iniciativas privadas em torno de grandes empreendimentos sobre o planejamento público nas áreas de políticas públicas habitacionais e mesmo de urbanismo”, adverte Jucá. 

Mais pobres são os mais atingidos

O assessor também alerta para os problemas sociais que podem ser agravados, tendo em vista a maior vulnerabilidade e fragilidade das pessoas mais pobres que ocupem indevidamente áreas de risco, agora possíveis de serem regularizadas. De acordo com ele, as recentes tragédias causadas por chuvas na Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro podem se agravar. 

“ A eliminação de parâmetros nacionais de análise e da observância de princípios da prevenção e da precaução ambiental, submeterão continuamente um maior número de pessoas e maiores extensões territoriais a esses tipos de tragédias contra a vida e o patrimônio das pessoas”, alerta Jucá. 

Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil

A Confederação Nacional da Indústria (CNI) defende a alteração do Código, ressaltando que caberá aos municípios ouvir seus respectivos conselhos municipais de meio ambiente e adequar os novos limites ao plano diretor local. A entidade afirma que o critério anterior é que trazia insegurança jurídica à indústria da construção, colocando muitas construções e projetos em situação irregular.  

“A nova lei garante a conservação do meio ambiente ao estabelecer que municípios protejam áreas com risco de desastre e observem as diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico; e ao prever que atividades ou empreendimentos a serem instalados nas áreas de preservação permanente urbanas observem os casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental”, diz a CNI em nota. 

Autonomia municipal

A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) também defende a mudança feita na legislação por ampliar a autonomia municipal. A entidade elaborou e disponibilizou “Informativo - Orientações acerca da delimitação da metragem das faixas marginais dos cursos d’água naturais e faixas não edificáveis em Área de Preservação Permanente (APP)”, para auxiliar as autoridades locais sobre o novo dispositivo legal. 

Como o Poder Judiciário vai analisar a questão ainda é uma incógnita, bem como o tratamento que será dado por cada municípios. No entanto, quando se trata de danos ambientais, as consequências costumam ser irreversíveis. 

Foto em destaque: Divulgação/Secom Acre

 

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