Divisão Técnica de eletrônica e Tecnologia da Informação - DETI

Tem havido uma tendência recente de separar segmentos específicos das redes de telecomunicações e entregá-los a diferentes prestadores de serviços. Isto pode representar um estímulo a universalização destes serviços, uma melhor utilização dos recursos, tanto nos investimentos necessários como na supervisão e na manutenção, e uma forma do ente regulador exercer melhor sua função de estabelecer políticas públicas que fomentem o crescimento de utilização destas redes pela sociedade. Estas iniciativas têm partido dos próprios prestadores de serviços, antevendo possíveis reduções de custos, dos reguladores, motivados por incentivar a competição, e pelos usuários, desejosos de terem maior diversidade de soluções e tarifas mais ao seu alcance.

Nem é preciso ressaltar, que com estas considerações, num país como o nosso, onde as desigualdades digitais são tão acentuadas, que o tema venha ganhando destaque, e que implementações já estejam se efetivando. No entanto, os serviços que antes eram praticamente verticalizados em sua prestação por um único prestador de serviço, com esta separação estrutural, onde o serviço passa a ser prestado em seus diferentes segmentos por diferentes empresas, pode vir a ocorrer o risco de desfiguração das suas características, de diluição de responsabilidades e de dificuldades de gestão, com a consequente perda de qualidade e desempenho. Portanto, acentua-se a necessidade de um acompanhamento dessas implementações, e até mesmo o estabelecimento de regras mínimas que garantam a segurança dessas mudanças.

Vários países têm se preocupado na elaboração de uma regulamentação que possa ser utilizada. A Comunidade Europeia (EC) através do Bureau of European Regulators for Electronic Communications (BEREC) emitiu as bases para os diversos níveis de separação estrutural (1), e efetivamente seus países membros as estão implementando. Como é o caso notório do Reino Unido, que criou uma empresa específica, a Openreach, dentro do grupo do British Telecom, para prover infraestrutura de rede no atacado, para todos os prestadores de serviço de varejo (2), criando o conceito de “redes neutras”. Na Austrália houve a criação de uma empresa estatal, a NBN Co, para implantar a infraestrutura de fibras óticas em todo o país (3). Outras iniciativas de separação estrutural também prosperaram como são os casos de Itália, Polônia, Suécia, Chile, Eslovênia, Finlândia, Israel, Nova Zelândia, Estônia, Suíça, Japão (4), entre outros. Esse movimento vem se acentuando, inclusive com o advento da prestação da quinta geração dos sistemas móveis, o 5G, que por ser uma infraestrutura nova, facilita a possibilidade de sua implantação com a separação realizada desde seu início.

Historicamente, na Lei Geral de Telecomunicações (LGT), havia uma obrigação de compartilhamento de infraestrutura, que nunca foi cumprida pelas operadoras e nem fiscalizada pela Anatel. Na Conferência Nacional de Comunicações (Confecom) em 2009, o Clube de Engenharia, juntamente com diversas entidades da sociedade civil, apresentou proposta no sentido da operacionalização desse compartilhamento. Em 2013, entidades que compunham a campanha “Banda Larga É Um Direito Seu” apresentaram ao Minicom uma proposta de separação estrutural para o provimento de acessos banda larga em áreas de pouco retorno financeiro, com utilização do Fust – Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações. Em 2015, a pedido da Câmara de Universalização e Inclusão Digital do Comitê Gestor de Internet – CGI.br –, o Clube de Engenharia apresentou trabalho sobre separação estrutural para uma Consulta Pública do Minicom. Mas o fato é que nenhuma dessas iniciativas foi adotada e a desigualdade digital permanece até hoje sem uma solução adequada.

Com o transcorrer do tempo, no Brasil, todas as grandes operadoras (Claro, Oi, Tim e Vivo), e até operadoras regionais de menor porte (Algar, Brisanet, Sercomtel e outras) perceberam o potencial da separação estrutural e estão em fases de instalação ou preveem utilizar por iniciativa própria. A Oi foi mais longe. Vendeu 57 % de sua infraestrutura de fibras para outra empresa, a V.Tal (do grupo BTG Pactual), que com a separação estrutural está oferecendo ao mercado uma estrutura de redes neutras baseada nestas fibras para os prestadores de serviços no varejo.

O leilão do 5G evidenciou ainda mais a tendência do oferecimento de redes neutras por todos os seus vencedores, que não se limitaram às ofertas apenas para o 5G, mas também para os blocos de frequências do 4G que compuseram o leilão, como foi o caso da Winity para a faixa de 700 Mhz. O fatiamento de rede no caso do 5G é particularmente facilitado por ser uma estrutura nova e que permite uma maior segmentação das funções em parcelas de rede com funções específicas e do interesse de empresas dos diversos segmentos. Ou seja, passarão a compor a prestação do 5G, não só a prestadora principal do serviço no varejo, com seus sistemas de backoffice (tarifação, encaminhamento, gestão de clientes) mas também empresas de torres (que têm sido referidas como sendo as “torreiras”: American Tower, Highline entre outras), empresas de núcleo (core) de rede, empresas de nuvens (Microsoft, Google e outras), empresas de internet das coisas (IoT; Lora, Sigfox) e empresas de aplicações (Netflix, Spotify, streaming em geral).

Apesar de já termos desenvolvido um serviço com separação estrutural em camadas, por interesse do regulador, para atribuir regras a cada uma das camadas, o Serviço de Acesso Condicionado – SeAC, que veio se desenvolvendo, criando oportunidades de crescimento ao audiovisual nacional, até mais recentemente ao surgir a competição com os serviços de streaming de vídeo (vídeo via internet), não temos visto ações no sentido do estabelecimento de regulamentação que ofereçam segurança às implementações de separação estrutural e redes neutras, e no fomento da universalização dos acessos banda larga, neste cenário atual em que todas as operadoras de serviços partiram para implementações.

A preocupação que se coloca é a de estabelecer claramente as responsabilidades de cada um dos atores, de modo que esta evolução dos serviços de telecomunicações possa vir a acontecer sem afetar seus atributos e em benefício dos usuários e da sociedade como um todo.

 

 

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