Região Serrana

Na semana em que a tragédia da região serrana completou um mês, enquanto muitos ainda estavam desaparecidos, uma ação articulada entre as entidades de engenharia do estado mobilizou técnicos, autoridades e acadêmicos para debates sobre diversos aspectos da catástrofe. Entre os objetivos da proposta, somar informações, cruzar dados e dar início a união de esforços na formulação de políticas públicas que possam minimizar e, sempre que possível, erradicar o risco representado pelas chuvas de verão.

Exaustivamente debatido sob a ótica de técnicos e gestores público, o que aconteceu na região serrana não se tornou menos surpreendente. Segundo o professor Valdo Marques, da UENF, “no dia da tempestade havia excesso de umidade desde a baixa camada atmosférica até a alta, o que é raríssimo”. Valdo apontou, ainda, outros pontos extraordinários que convergiram na formação da tempestade. “Fui coordenador do Serviço de Metereologia do Rio de Janeiro por oito anos e raramente vi uma situação dessas. Quando vemos algo desse tipo, a primeira coisa que fazemos é verificar se está correto, de tão improvável o índice”, explicou. “A presença de uma zona de convergência trazendo umidade da Amazônia, reforçando uma massa de umidade vinda do nordeste e a presença de uma massa de ar altamente instável criaram todas as condições favoráveis à formação de uma grande tempestade”.

Embora pareça um evento ímpar, os estudos mostram que não é. Segundo a presidente do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) Marilene Ramos, estudos dos hidrólogos do Instituto Estadual do Ambiente (INEA) apontam que há um tempo de recorrência de aproximadamente 350 anos. “Não há dúvida de que essa tragédia foi causada por um fenômeno metereológico extremo. Se essa mesma chuva tivesse caído sobre o centro de Teresópolis ou Petrópolis, estaríamos certamente contando os mortos aos milhares”, declarou.

Uma das provas de que catástrofe parecida já aconteceu naquele mesmo local foi desenterrada pela força da correnteza. De acordo como professor Willy Lacerda, da COPPE/UFRJ, pedras gigantescas que muitos pensam ter sido arrastadas pela água foram, na verdade, exumadas. Elas já estavam ali, depositadas por tempestades anteriores perdidas no passado.

Correndo contra o tempo

Com a proximidade do fim de verão, ainda em alerta para as águas de março, as autoridades correm contra o tempo para que os acidentes não voltem a fazer vítimas. Segundo Flávio Erthal, presidente do Departamento de Recursos Minerais (DRM), o Núcleo de Análise e Diagnóstico de Escorregamentos, criado em junho de 2009, já conta com o mapeamento de risco de 30 municípios e atua em 4 frentes: prevenção, uso do solo e habitação, educação e atuação na crise. “Acabamos de imprimir 100mil exemplares da Cartilha de Risco do Serviço Geológico. Estamos trabalhando com educação ambiental, conscientização da população e assessorando as prefeituras na captação de recursos a serem investidos na defesa civil”, explicou Erthal.

Habitação e conscientização

A relação direta entre o crescimento desordenado das cidades e o tamanho do desastre foi muito discutida nos eventos. Marilene Ramos destacou a importância e as dificuldades da remoção de famílias em zonas de risco. “Tentamos retirar o máximo de famílias das margens dos rios e colocar ali equipamentos públicos, mas não é um trabalho simples. Há casos em que juízes dão liminar aos proprietários para que não saiam e ainda processam os técnicos que os notificaram informando que devem sair”.

Para Moacyr Duarte, da COPPE/UFRJ, essa e outras situações do cotidiano demonstram o quanto podemos identificar de comportamento inconsequente em nossa sociedade. “No caso da Serra do Mar, não podemos falar só em ocupação irregular, mas de uma ocupação historicamente equivocada”, ressaltou. “Mais que a realocação, falta informação. Há famílias que teriam sobrevivido se tivessem caminhado 30 metros em linha reta, mas elas não faziam ideia disso”.

O professor Humberto Kzure, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), destacou a necessidade de se entender as cidades de forma mais contínua, menos sujeitas à sucessão política. “Não podemos mais pensar em intervenções pontuais. Precisamos modernizar estruturas e também a nossa visão e nossa atuação como engenheiros e arquitetos. A infraestrutura precisa ser entendida de forma independente dos políticos, mas defendida como uma ação continuada de promoção e proteção à vida. O urbanismo precisa ser capaz de entende e lidar com os problemas das cidades e propor medidas absolutamente permanentes como prática de planejamento”, conclui.

Matéria publicada no jornal número 505 do Clube de Engenharia - março de 2011, página 12

Receba nossos informes!

Cadastre seu e-mail para receber nossos informes eletrônicos.

O Clube de Engenharia não envia mensagens não solicitadas.
Pular para o conteúdo