País precisa corrigir modelos de negócios no setor de energia

O Brasil vai necessitar de novos significativos investimentos em energia e não pode almejar que eles sejam bem executados e cumpram seu papel se forem repetidos os mesmos modelos de negócio que tantas falhas apresentaram nos últimos anos. Foto: Pixabay

Por José Luís Alquéres
Publicado em Valor Econômico (04/01/2019)

As grandes obras de energia e de infraestrutura são essenciais para o desenvolvimento econômico, mas devem ser estudadas, planejadas, projetadas e construídas com extrema competência, combinando esforços conjuntos da área pública e da iniciativa privada.

A história nos aponta também algumas lições que vão além da abordagem puramente técnica do que deva ser feito e, da mesma forma, o que deve ser evitado.

Obras públicas traziam oportunidades de enriquecimento para muita gente nos governos e nos seus fornecedores. Abaixo segue narrativa de episódio que despertará no leitor brasileiro a sensação de familiaridade com o tema.

Um famoso construtor, então aclamado por seu esplêndido trabalho em um projeto anterior, anunciou a intenção de iniciar uma nova e gigantesca obra civil de infraestrutura. A boa fama o precedia e não faltaram investidores dispostos a apoiá-lo.

Excessivamente confiante no sucesso profissional, o construtor negligenciou o estudo aprofundado das características geográficas e climáticas do local onde se deu a obra e desenvolveu um projeto falho. Após o início promissor, ficou caracterizada a impossibilidade de realizar o projeto como pensado por causa dos mapeamentos incorretos do terreno. Os oito meses de chuva por ano modificavam completamente a salubridade do local com epidemias de febre amarela, malária e outras doenças. Muitos perderam lá suas vidas. A mudança inevitável do projeto resultou em grande aumento do orçamento, para o que socorro do governo à empresa construtora se tornou cada vez maior.

O impacto conjugado de tais dificuldades levou o empreendimento à falência. Verificada a omissão de informações importantes a investidores pequenos que tudo perderam e, ainda assim, o suporte governamental para o projeto, passaram a ser suspeitos cerca de 510 deputados e muitos ministros envolvidos no processo (inclusive um famoso ministro, político de expressão nacional), todos acusados de receber propinas e favorecimentos, fosse pelas mãos do famoso construtor ou, também, pelas de seu filho.

O escândalo político-financeiro explodiu e levou ao suicídio o diretor da construtora, responsável pelo interface com governo e investidores. Antes de dar cabo da própria vida, este deixou nas mãos de um jornalista da imprensa sensacionalista uma extensa lista de políticos, deputados e ministros implicados em vantagens indevidas.

Da noite para o dia o jornal se tornou um dos mais populares e influentes do país. A lista foi sendo publicada pouco a pouco criando um suspense em toda sociedade, que via a reputação de seus representantes políticos cair continuamente. Centenas de deputados viveram o receio de ler seus respectivos nomes como corruptos nas temidas manchetes do dia seguinte. No final, 104 deputados foram considerados culpados. Um dos ministros passou 3 anos na solitária.

Por mais atual que pareça, a situação narrada se refere à construção do Canal do Panamá e episódios ocorridos na França em torno de 1890. Além do pernicioso retrato da corrupção, vemos os perigos da falta de estudos e de bons projetos de engenharia. Fica clara a impropriedade de envolvimento de governos em assuntos que melhor cabem à instâncias privadas. Constatamos também a vulnerabilidade de formidáveis líderes quando expostos à situações complexas em ambiente de falta de governança.

O construtor é Ferdinand Lesseps, que antes conduziu com sucesso a construção do Canal de Suez. O engenheiro é Gustave Eiffel, o maior calculista de pontes e torres metálicas inclusive da que leva seu nome em Paris. O famoso ministro é George Clemenceau, herói da França; e o diretor é o Barão Jacques de Reinach.

Posteriormente à falência a obra foi retomada em 1904 por uma empresa americana e finalmente inaugurada em 1914.

Em nossos dias, onde o mote é a realização de obras de energia por empresas privadas, nunca é demais lembrar a importância de:

  • Um Estado forte, honesto e competente, comprometido com a sustentabilidade ambiental, econômica e social, investindo em estudos e engenharia para apontar e projetar as obras certas que resultem na implantação e operação futura de empreendimentos econômicos e seguros;
  • Agências reguladoras que fiscalizem o funcionamento dos projetos ao longo de sua vida, garantindo a boa gestão e impedindo abusos do poder econômico;
  • Primorosa governança que blinde das deletérias influências políticas as obras e projetos;
  • Empresas privadas fornecedoras de bens e serviços que além do domínio técnico compram os requisitos de compliance;
  • Equacionamento financeiro sólido com contratação de seguros de execução que assegurem a boa velocidade de implantação e a segurança do funcionamento da obra ao longo do seu ciclo de vida.

O Brasil vai necessitar de novos significativos investimentos em energia e não pode almejar que eles sejam bem executados e cumpram seu papel se forem repetidos os mesmos modelos de negócio que tantas falhas apresentaram nos últimos anos. O setor de energia elétrica brasileiro sofreu a degradação do seu planejamento, de concepções equivocadas em sua operação, da apropriação patrimonialista de suas empresas estatais. É também emblemática a lentidão na adoção de medidas que possam corrigir esta sucessão de erros em razão de ritos judiciais e fiscalizatórios que acabam beneficiando os inconsequentes e os incompetentes às custas dos consumidores.

O mundo está em meio a uma fundamental transição no modelo energético, talvez a maior dos últimos séculos, e precisamos que os futuros responsáveis pelo setor tenham respostas urgentes para os desafios aqui apontados.

*José Luís Alquéres é ex-presidente da Eletrobras e conselheiro do Clube de Engenharia

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