Por Saturnino Braga

Escrevi faz mais de três anos um desses Correios sobre o Funk, no qual admitia sua importância como manifestação cultural, vinda do Hemisfério Norte mas afeiçoada às características brasileiras. Admitia essa importância porém declarava, em termos definitivos, minha incompatibilidade de gosto com os aficionados daquela nova música recheada de violência poética.

Hoje, não tenho nenhum motivo, nenhuma nova inclinação para refazer aquele juízo de três anos atrás: nada me agrada na música e na poesia do funk. Entretanto, o detestável baile funk gerou a dança do ”Passinho”, que entrou repentinamente na minha alma e envolveu meu coração. Eu vi o filme “A Batalha do Passinho”; gosto de acompanhar o desenvolvimento do cinema brasileiro, gostei de ver “O tempo e o vento”, rememorar o impacto que teve aquele monumento literário de Érico Veríssimo no gosto dos leitores brasileiros de então, cujo número parecia muito maior do que o de hoje; relembrar que meu sobrinho se chama Rodrigo em homenagem de meu irmão ao Capitão Rodrigo Cambará. Vi também, e gostei de ver, Serra Pelada, filme nacional bem concebido e bem feito, recomendável pelo retrato que traça de um ponto singular da nossa geografia e da nossa história.

Mas volto ao funk: vi A Batalha do Passinho com seus moleques sinistros, a confirmação cabal do talento brasileiro para as artes do corpo (incluindo o futebol-arte). Senti novamente o contágio da alegria passada pelos movimentos da dança brasileira; cheguei a me lembrar da cena de 60 anos atrás, que presenciei no Bolshoi em Moscou, a fascinação que fez a enorme plateia se levantar suspensa no ritmo dos passistas da Mangueira quando eles e elas entraram no palco dançando como os russos nunca antes tinham visto. Era o samba no pé, que não morreu, cujos passos eram o encanto de ontem e continuam sendo hoje; e que produziu essa derivada que se alastrou entre a juventude popular do Rio nos últimos anos, que é a dança do Passinho. Alastrou-se e constituiu uma enorme comunidade internauta ligada nas criações que vão aparecendo diariamente.

O filme é bem elaborado, faz a gente se mover na cadeira, agitado pela espantosa agilidade rítmica de meninos dançarinos, quase contorcionistas, e faz a gente pensar no ser humano, na sua estupenda capacidade de criar manifestações e habilidades artísticas, desde os mais remotos tempos da vida em cavernas, quando a palavra era ainda escassa, mas a dança, o ritmo e o desenho já mostravam seu esplendor.

Vi e gostei muito, principalmente porque gosto deste nosso povo, particularmente o do Rio, que é mais ligado nesta cultura. Conheço muita gente inteligente que não gosta dele, que preferiria ter nascido em outro país, para eles mais civilizado. Não são felizes, evidentemente, que pena, mas são brasileiros, têm todo o direito a falar e a votar.

O tema deste Correio é da cultura e aproveito, pedindo licença e pedindo desculpas, para convidar os amigos para o lançamento do meu novo romance “Retrato do Ser”, que será na próxima quarta-feira, 6 de novembro, a partir das 19 horas, na livraria Argumento da Rua Dias Ferreira no Leblon. Faço este convite para que amigos não se queixem depois de que não os avisei, mas peço por favor que ninguém se sinta constrangido ou obrigado a comparecer, e muito menos ainda a ler o livro, neste tempo de televisão, de velocidade, de internet e de fascinantes redes sociais.

 

Publicado no Artigo nº 279/2013 do Correio Saturnino.

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