Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação do Clube de Engenharia avalia o leilão do 5G

Por Marcio Patusco*, com contribuições da DETI

Em um país de evidentes desigualdades sociais e digitais, as frágeis políticas públicas implementadas não foram capazes de encontrar soluções para a inclusão plena das classes mais vulneráveis à internet. Dessa maneira, um edital não arrecadatório foi manifestação quase unânime da sociedade nas audiências e na consulta pública para o edital do 5G.

Diferentemente de certames anteriores, havia necessidade de vincular obrigações a uma recuperação de distorções anteriores com compromissos até mesmo na prestação do serviço 4G. Diversas localidades brasileiras ainda não possuíam cobertura do serviço, assim como a instalação de fibras óticas até as sedes de municípios e de sinal disponível em toda a extensão de estradas federais. Entretanto, na oportunidade da implantação de uma nova tecnologia, com toda a expectativa positiva transformadora que desperta, não temos visto movimentos para a articulação de uma política industrial e de inclusão digital.

Cadeia produtiva e irregularidades

Estabelecer um programa de P&D e de transferência de tecnologia, que possa resultar em uma cadeia produtiva nacional, seria medida importante para alavancar o país em diversos segmentos do seu desenvolvimento.

No passado, já tivemos uma indústria de telecomunicações que já chegou a atender cerca de 70% do mercado local. Não obstante, possuímos a quarta maior rede mundial de dispositivos móveis, e, portanto, uma demanda significativa de equipamentos e sistemas a ser atendida.

Na análise do edital realizada pelo Tribunal de Contas da União – TCU – para a validação das condições do edital e dos preços mínimos das frequências fixados pela Anatel, sua área técnica apontou uma série de irregularidades, corroboradas pelo relator de vistas, que levariam prejuízo ao erário da ordem de dezenas de bilhões de reais nessa precificação. No entanto, o plenário desta corte resolveu pela aprovação do edital para que não houvessem atrasos significativos na data do leilão, como era o interesse do Ministério das Comunicações – MCom –, muito mais preocupado com as repercussões políticas desse atraso.

"O que se viu no transcorrer do leilão foi a comprovação dos temores que alguns especialistas previam para a aquisição dos blocos de frequência ofertados: a predominância das grandes operadoras."

As irregularidades motivaram entidades da sociedade civil, reunidas na Coalizão Direitos na Rede, a interporem ação junto à Procuradoria Geral da República no sentido do esclarecimento dos principais pontos do edital. Da mesma forma, associações ligadas aos provedores regionais de internet também solicitaram impugnação do edital, de modo a “não colocar em vantagem as operadoras de grande porte, e também retirar diversas inconsistências técnicas”. Apesar disso, o leilão do 5G ocorreu nos dias 4 e 5 de novembro últimos sem levar esses pleitos em consideração.

O que se viu no transcorrer do leilão foi a comprovação dos temores que alguns especialistas previam para a aquisição dos blocos de frequência ofertados: a predominância das grandes operadoras, o não surgimento de novas prestadoras nacionais entrantes em nosso mercado para o 5G, a pouca participação efetiva de empresas na disputa, e blocos de frequência sem nenhum comprador, resultando em arrecadação menor do que se previa.

O fato é que o resultado, considerando as expectativas que vinham sendo colocadas, não parece ter sido tão favorável assim. Caracterizamos abaixo como se desenvolveram os arremates dos diversos blocos de frequência ofertados.

  • Blocos nacionais da faixa de 3,5 GHz: na mais importante frequência para a implementação do 5G, não houve disputa. As atuais grandes operadoras nacionais, Claro, Vivo e Tim, cada uma garantiu o máximo de blocos de frequência (80 MHz + 20 MHz) sem concorrência, com lances mínimos, puxando a arrecadação para baixo.Esses lotes nacionais tiveram precificação extremamente baixa como ficará evidenciado em seguida. Com isso, a concentração do serviço cada vez mais se dará nestas operadoras, que já vêm com poder de mercado significativo histórico, inclusive com a aquisição que se avizinha de ser resolvida com a distribuição de todos os ativos móveis da Oi entre as três.
  • Blocos regionais da faixa de 3,5 GHz: não houve propostas para a região Norte, que ficou deserta, provavelmente evidenciando as incertezas das proponentes com relação ao projeto pouco detalhado da instalação de cabos de fibra ótica subfluviais na região amazônica.Na região Nordeste, a prestadora regional de internet Brisanet ofereceu, para um mesmo tamanho de bloco de 80 MHz nesta faixa ofertado nacionalmente, uma proposta vencedora de 1 bilhão e 290mil reais, quatro vezes mais que o preço mínimo para o bloco nacional, com ágio de cerca de 13.000 %! Ou seja, esta operadora regional julgou que apenas para o Nordeste, mesmo com esta oferta com ágio altíssimo, ela poderia ter resultados satisfatórios em seu modelo de negócio. Dessa maneira, dá para concluir que os blocos nacionais de 3,5 GHz, adquiridos pelas três grandes operadoras por valores individuas de cerca de 300 milhões de reais, teriam sido extremamente subavaliados.O fato de não haver atrativo na competição por blocos nacionais nesta faixa fez com que fosse conveniente para as grandes operadoras ofertarem preços mínimos sem se sentirem ameaçadas. E claro, a não fixação de valores maiores para estes blocos veio a significar perda de arrecadação no leilão.Nas outras regiões venceram mais prestadoras regionais de internet: Consórcio 5G Sul (estados de RS, SC, PR), Cloud2U (estados RJ, ES, MG), que juntamente com a Brisanet (estados do Nordeste e Centro Oeste) agora passarão a prestar também serviços moveis pessoais em suas regiões combinados aos serviços que já prestam de acesso à internet. Também nos blocos regionais desta faixa, as atuais prestadoras Algar (triangulo mineiro) e Sercomtel (área de Londrina, PR) adquiriram frequências.
  • Blocos da faixa de 26 GHz: a imensa oferta de blocos de 200 MHz não teve aceitação pelos proponentes. Na primeira rodada do leilão, com outorgas com prazo de 20 anos, dos blocos oferecidos, apenas cerca de 30 % foram arrematados, com grande quantidade de blocos desertos.Mais uma vez Vivo e Claro foram os vencedores nos blocos nacionais, seguidos pela Tim, esta com uma postura mais cautelosa, optando por blocos regionais, e um bloco nacional na segunda rodada com outorgas de 10 anos. Algar, Fly Link (pequeno provedor do triangulo mineiro), e Neko Serviços (de SPO e que usa facilidades da TIM) foram outras empresas que adquiriram blocos de 26 GHz regionais (a Fly Link veio a desistir posteriormente do bloco adquirido). O valor total dos blocos arrematados nesta faixa somou irrisórios 352 milhões de reais, muito abaixo do previsto.Um grande problema advindo dessa venda insuficiente foi não se ter alcançado o valor dos compromissos associados à implementação de banda larga nas escolas, orçado em cerca de 6 bilhões de reais e que só teve metade desse valor alocado pelo leilão. No momento, não se tem ideia de onde virão os restantes 3 bilhões de reais necessários ao cumprimento do compromisso ou se a obrigação ficará pelo caminho.
  • Blocos das faixas de 700 MHz e 2,3 GHz: mais destinados à utilização no 4G, mas que concentram grande parte dos compromissos de aumento de cobertura de sistemas móveis para dar ao país uma melhor infraestrutura para o 4G, teve como vencedora a Winity Telecom para um bloco nacional de 10 + 10 MHz na faixa de 700 MHz. Esta nova operadora nacional, aparentemente irá utilizar um modelo de negócios de suprir recursos de atacado para outros provedores.Na frequência de 2,3 GHz, com blocos regionais de 50 e 40 MHz, novamente uma predominância de Claro, Vivo e Tim, de acordo com os interesses de cada uma. Brisanet e Algar, em suas regiões de atuação, também conseguiram levar seus blocos nesta faixa.

Mercado brasileiro definido

Apesar da grande expectativa favorável que uma nova tecnologia desperta e dos benefícios advindos de um modelo de leilão baseado em compromissos aos vencedores e não em arrecadação, constata-se que não houve uma disputa que viesse a dar maior diversidade ao mercado nacional cada vez mais concentrado em três grandes operadoras.

Ao mesmo tempo, enfatiza-se a necessidade de políticas públicas que possam vir na diminuição das desigualdades digitais ainda existentes em nossa sociedade, e na alavancagem do país para uma cadeia produtiva nacional de equipamentos e sistemas.

Clique aqui para acessar o documento da Anatel com os resultados do leilão.

*Marcio Patusco é vice-presidente do Clube de Engenharia
e ex-presidente do Conselho Consultivo da Anatel.

Fotos: Rawpixel.com/Freepik, Anatel (reprodução).

 


O Clube de Engenharia vem acompanhando o processo de regulação da implementação do 5G há algum tempo. Em julho, Patusco participou do Encontros com Tecnologia falando sobre o tema. Confira.

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