Seminário aprofunda debate sobre os 200 anos da ruptura com Portugal

Evento ‘Bicentenário da Independência: legado e desafios’ uniu o Clube de Engenharia, IBEP e Senado, com a presença dos senadores Randolfe Rodrigues e Jean Paul Prates

Neste dia 7 de setembro, comemoram-se os 200 anos do Grito da Independência. A autonomia do Brasil com relação a Portugal tem neste acontecimento um importante marco, mas a conquista da soberania nacional não se limita ao brado do imperador D. Pedro I às margens do Rio Ipiranga. As longas lutas por autodeterminação e para construção de uma nação de fato foram tema de um debate realizado na última segunda-feira (05/09) no Clube de Engenharia. O evento, intitulado “Bicentenário da Independência: legado e desafios”, contou com a participação dos senadores Randolfe Rodrigues e Jean Paul Prates, numa parceria com o Senado Federal e o Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (IBEP).

O tema da primeira mesa de um ciclo sobre o Bicentenário foi “A Independência na narrativa do poder” e lançou o desafio aos participantes de abordarem não só a importância de personalidades já tão laureadas e enaltecidas pela historiografia oficial. Foi a oportunidade de os palestrantes apresentarem fatos e aspectos do passado fundamentais, mas muitas vezes relegados, que envolvem vozes dissonantes e a participação popular. Após a execução do Hino da Independência, o presidente do Clube de Engenharia conclamou os participantes a realizarem essa reflexão histórica em vistas da busca de um futuro melhor para o país.

O presidente do IBEP, Francis Bogossian, também saudou os convidados e explicou o objetivo desse projeto, que contará ainda com mais dois eventos, marcados para novembro e dezembro deste ano. 

“Nós estamos assim abrindo um momento de revisão do nosso processo histórico. Estimular as interpretações a partir de um fato que nos diz respeito é dever da nossa cidadania. Entendemos que a Independência do Brasil se encontra em curso, se considerarmos que ela se esgota em sua plenitude quando alcançada a soberania nacional, sem a qual não há independência. Por isso, esse evento deve ser marcado pela busca da real emancipação do nosso povo”,  afirmou Bogossian.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que coordena a Comissão Curadora do Bicentenário do Senado, fez uma análise crítica sobre esses dois séculos. Apesar de ter ressaltado que o processo liderado por José Bonifácio e Dom Pedro I ter como virtude o legado a unidade territorial de um país de dimensões continentais, o parlamentar destacou também que essa conquista não ocorreu na base da unanimidade. 

O que nós refletimos sobre a história tem um papel sobretudo para nos ensinar o que temos que fazer hoje. Nós chegamos enquanto projeto de nação com todas as suas virtudes e com todas as suas vicissitudes. A história não existe para condenar personagens ou privilegiá-los e nem se limita a eles”, destacou o senador.

 Ele citou o exemplo da sangrenta Revolução de 1817,  em Pernambuco, que pretendia instaurar um governo republicando e federativo. Outras revoltas contra o autoritarismo do Império e contra o regime escravocrata também serviram para construir a democracia brasileira. No entanto, segundo ele, o regime democrático ainda vive sob ameaça e os símbolos nacionais e a ideia de pátria continuam sendo manipulados com intuitos fascistas.

 “A nação foi constituída e foi formada por diferentes brasileiros na sua diversidade, que pensavam projetos diferentes de Brasil e que no final se unificaram para a constituição da quarta geografia do planeta. O Brasil se forjou como nação não com divisões mas com união de brasileiros e é este o sentido de ser pátria, não é o sentido de divisão. Não é o sentido de armar uns contra os outros. Não é o sentido da apropriação indébita dos símbolos”, afirmou Rodrigues.

Os prós e contras da visão centralizadora adotada pela elite que realizou a Independência e construiu a estrutura do Estado brasileiro foram também analisados pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN). Sua palestra lembrou a contribuição de diversos historiados sobre o tema e avaliou o caráter ambíguo de personagens da história. Por isso, o Grito da Independência às margens do Rio Ipiranga não pode ser visto como um gesto isolado. Estava associado à grandeza de um país, que já tinha sido sede do Reino Unido de Portugal e Algaves, mas corria o risco de fragmentação.

José Bonifácio cristalizava esse temor. Para ele, a sorte da Independência dependia de se estabelecer o centro irradiador do processo no Rio de Janeiro e junto do futuro imperador. Isso era essencial”, explicou o senador potiguar.

Prates ressaltou que a discussão sobre independência não prescinde dos aspetos econômicos e sociais e defendeu uma maior autonomia do país para seu pleno desenvolvimento e maior garantia de direitos para a classe trabalhadora. 

Os nossos desafios são pegar esse processo todo não para cheirar mofo, olhar figuras antigas nem só resgatar a história mas para servir como ponto de alavanca para vislumbrarmos semelhanças e existem exemplos claros para projetar esse futuro de Brasil”, declarou o parlamentar.

O debate foi aberto para a participação do professor Manuel Domingos, que falou direto do Ceará. Ele criticou a manipulação de símbolos nacionais e da ideia de pátria com intuitos autoritários, que procuram excluir a população, principalmente mais pobre, o processo de desenvolvimento. Ele citou a violência contra negros e os povos originários como o lado mais nefasto da história nacional.

Se falarmos de pátria como sociedade, de nação como sociedade, falemos menos em grandes referenciais simbólicos, em grandes personalidades e falemos mais do povo, dos homens e mulheres que labutam, que garantem o sustento, que cultivam e produzem riquezas”, disse o professor.

Para o professor e vice-presidente do IBEP, Lincoln Penna, a participação dos palestrantes convidados serviu em muito para o debate sobre o significado de soberania.

Falamos muito de uma independência branca, europeia e ligada principalmente aos colonos dessa origem e esquecemos das resistências dos povos originários, muitas dessas nações foram simplesmente suprimidas e liquidadas além dos mocambos e quilombos que resistiram e não estão contemplados na nossa historiografia, é preciso que a gente incorpore essas formas de resistência”, ressaltou Penna.

O seminário contaria com a presença também do líder indígena Ailton Krenak e da historiadora Isabel Lustosa, que não puderam participar por conta de compromissos. Está prevista para início de novembro a segunda mesa sobre o Bicentenário intitulada “As dependências do Brasil” e um terceiro debate marcado para dezembro sobre “As perspectivas da Independência do Brasil na República”.

Receba nossos informes!

Cadastre seu e-mail para receber nossos informes eletrônicos.

O Clube de Engenharia não envia mensagens não solicitadas.
Pular para o conteúdo