Cooperação entre OCDE e Agência Nacional de Mineração causa polêmica

Organismo internacional propõe simplificação de processos de licença, gerando preocupação com danos ambientais e sociais

Uma cooperação técnica entre a Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Agência Nacional de Mineração (ANM) vem causando polêmica. O organismo internacional está avaliando a legislação e normas do setor no Brasil com a proposta de adequar a estrutura normativa nacional aos princípios de governança e de transparência vigentes nesse conjunto de países. No entanto, a proposta vem causando críticas de especialistas e ambientalistas com relação ao relaxamento das vistorias, perda de soberania e risco de aumento de impacto ambiental e social.

Apesar do enorme estrago causado à imagem do setor de mineração, em consequência dos destrates de Mariana e Brumadinho, ambos em Minas Gerais, a proposta da OCDE é de desregulamentar a mineração e acelerar os processos de licenciamento. As vistorias presenciais por parte de técnicos aos locais de pesquisa ou até para a liberação de lavra exploratória seriam dispensadas. A ideia é realizar esses processos de forma puramente online.

O diretor do Instituto de Geociências da UFRJ, Edson Farias Mello, avalia como grave e vergonhoso o Brasil ter que recorrer a organismos internacionais para tratar a regulação interna de uma atividade tão importante e estratégica como a mineração. Além da redução da soberania nacional sobre o setor, a cooperação implica o acesso a informações das empresas brasileiras num grau de transparência que normalmente não seria visto nos próprios países membros da organização. Segundo ele, na época em que atuou no Departamento de Desenvolvimento Sustentável da ANM, entre 2008 e 2016, já havia tratativas com a OCDE que não foram para frente, entre outros motivos, por oposição do Itamaraty.

É preciso preservar a soberania e as informações estratégicas do setor de mineração no Brasil. Se houvesse ao menos uma reciprocidade, mas não são cobrados esses mesmos relatórios de empresas inglesas, por exemplo”, alerta Mello.

Ele reconhece que há um grande número de processos no âmbito da ANM e que é preciso dar mais celeridade ao andamento, pois muitas licenças demoram até 10 anos para serem liberadas. No entanto, se as recomendações da OCDE forem acatadas há um risco de descontrole sobre os impactos ambientais, principalmente em virtude dos efeitos danosos que mesmo pequenas minas causam por suas cadeias produtivas.

O geólogo avalia como positiva a proposta de maior integração entre os órgãos ambientais nas três esferas de governo e é a favor de um processo de benchmark, em que são comparadas as melhores práticas internacionais para o aprimoramento interno. No entanto, defende o fim do contingenciamento das verbas da ANM e das indicações políticas no órgão como forma de melhorar o seu funcionamento.

Há cerca de 8.700 minas espalhadas pelo Brasil e a agência não tem pessoal de fato para fiscalizar presencialmente todas elas. Sabemos que 75% delas são pequenas, como as de extração de rochas ornamentais, mas no conjunto e em toda a cadeia produtiva há impactos que precisam ser avaliados e coibidos”, disse o especialista.

Sua preocupação também é com relação à instituição da chamada regra do “silêncio é consentimento”, segundo a qual atividades de baixo risco estariam livres de entraves por parte do governo. 

Por outro lado, há quem defenda os critérios da cooperação. O geólogo e advogado Luiz Maurício Azevedo, que também é empresário da mineração, acredita que a digitalização do sistema vai acelerar as autorizações e permitir um maior volume de investimentos na atividade, sem risco de maiores danos. Segundo ele, a análise de critérios ambientais deve ficar a cargo dos órgãos específicos. Isso estimularia a exploração formal da mineração, em detrimento do garimpo ilegal.

O risco da lavra mal pesquisada é do minerador. Ele que avalia melhor o risco, sua capacidade financeira e a coragem para enfrentá-lo”, defende Azevedo.

Ele argumenta que depois dos acidentes com barragens em Minas, o setor adotou medidas duras para dar mais segurança a essas estruturas e que a proposta da OCDE não torna o licenciamento dos grandes empreendimentos mais leniente. Para ele, a sociedade deveria pesar também a importância da mineração no processo de transição energética, em que se demanda cada vez mais minérios para a produção de baterias, usadas em veículos elétricos, por exemplo.

Por sua implicação econômica, social, ambiental e também geopolítica, a regulamentação da mineração merece maior debate. A participação, portanto, de uma gama maior de atores na discussão das propostas é o que falta para o processo de revisão ganhar em qualidade e legitimidade.

O Clube de Engenharia realizou nos últimos anos diversos debates sobre o setor da mineração, inclusive sobre a legislação responsável pelo advento da ANM, criada pela Medida Provisória 791/2017. Neste mesmo ano, foi realizado o evento “As mudanças propostas na legislação mineral e seus impactos aos profissionais e às empresas”. Em 2020, o Clube promoveu uma série de videoconferências sobre a exploração mineral no Brasil, incluindo propostas de modernização da governança da agência, que pode ser vista abaixo: 

 

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