Política externa independente é fundamental para a retomada do desenvolvimento

Quarto painel de “Um Projeto para Reconstrução do Brasil”, do Clube de Engenharia, aborda a questão da soberania e da inserção internacional do Brasil e da postura autônoma do país no cenário internacional. 

Apesar de ter abdicado nos últimos anos, de exercer uma política externa, adotando uma postura submissa e alinhada com interesses que não os nossos, o Brasil tem todas as condições de, num novo governo, retomar de forma soberana, a praticar uma política externa altiva e afirmativa,  em conexão com seus interesses e parcerias.

Durante palestras realizadas no âmbito do evento “Um Projeto para Reconstrução do Brasil”, o diplomata Adhemar Bahadian e o professor Maurício Metri não deixaram de apontar reveses na linha de independência, que o Itamaraty demorou décadas para conquistar, mas ressaltaram também as oportunidades de recuperação que estão sendo criadas com o novo cenário multipolar internacional, ora em formação.  Foi realçado também o legado de protagonismo da diplomacia nacional em diversos episódios históricos.

O evento, intitulado: “Soberania e Inserção Internacional”, realizado na noite de segunda-feira (19/09), foi o 4° de uma série promovida pelo Clube de Engenharia para debater os problemas nacionais. O objetivo desse painel foi colocar em evidência a necessidade de um posicionamento soberano por parte do país, bem como suas relações com os demais países e blocos, na formalização de ações, para a adoção de uma política de desenvolvimento com estímulo à tecnologia própria e o pleno domínio da capacidade de defender o território e autonomia de governança, sem interferências externas.

Bahadian, que serviu no Itamaraty durante 45 anos, trouxe não só sua experiência e conhecimentos como apontou soluções para os impasses atuais da política externa brasileira. Ele fez um breve histórico da construção da reputação do Itamaraty e do reconhecimento internacional do Brasil como potência regional, na América Latina. Não foi tarefa fácil. Já no período pós-Independência, no século XIX, o país assinou acordos de comércio considerados lesivos. Foi principalmente a partir da atuação do Barão do Rio Branco que essa realidade mudou, a partir do processo de consolidação das fronteiras e da adoção de uma política externa calcada no direito internacional.

Nos primeiros anos da década de 1960, a política externa sofre um salto importantíssimo trazido pela chamada política externa independente, na qual houve um papel decisivo de formulador e expositor de Santiago Dantas. É, na minha opinião, é um dos maiores juristas brasileiros e um homem que teve uma enorme influência, inclusive sobre minha decisão de entrar para o Itamaraty. Depois do golpe de 64, durante o governo Geisel, houve uma retomada, sobretudo pela força e capacidade de coesão do embaixador Antônio Francisco da Silveira, que chamávamos de Silveirinha, que teve um papel importantíssimo de trazer o Itamaraty e a política externa brasileira de volta a uma perspectiva congelada de 1964”, ressaltou Bahadian.

O diplomata, que já representou o Brasil junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), explicou que os altos e baixos da postura de independência da política externa são fruto das disputadas econômicas que na maioria das vezes envolvem interesses de grandes potências. Nesse xadrez internacional, o país andou para trás nos últimos anos ao aceitar, por exemplo, alterar sua legislação interna para o reconhecimento de patentes, além de ter aceitado regras que limitam transferências de tecnologia. Foram imposições que reforçaram o caráter de fornecedor de commodities e importador de soluções e produtos de alto valor agregado. Ele também ressaltou limitações colocadas até para as compras governamentais.

Todas essas questões nos levaram a que nós tivéssemos hoje em dia uma situação em que estamos muito mais carentes de industrialização do que quando começamos a negociar com esses parâmetros. A soberania política e econômica foi profundamente perdida nos últimos quatro anos porque o nosso Itamaraty foi destruído. Se houver um governo novo, a primeira coisa que tem que ser feita é reconstituir as bases da política externa nos termos que estava nos anos 70, para retomarmos um pouco mais da nossa soberania”, avaliou o diplomata, destacando a questão ambiental como fundamental.

Se interesses econômicos são preponderantes na política internacional, a participação do professor da UFRJ Maurício Metri nessa mesa contribuiu ainda mais para esclarecer os problemas enfrentados pelo Brasil nesse campo nos últimos anos. Ele fez uma analogia do cenário diplomático a uma guerra, na qual o país chegou obter algumas vitórias em batalhas como a do pré-sal e de elaborado Política Nacional de Defesa, sobretudo com a redefinição do conceito de ameaça à segurança nacional. Alianças com outros países emergentes, como os do Brics e da Unasul, também foram importantes, mas geraram reações das grandes potências que procuraram tolher essa independência.

Efetivamente não foram pequenas as iniciativas no que toca às relações com as grandes potências. Por isso, o que ocorreu em 2016 foi algo cujas origens estão nos antagonismos geoestratégicos, geopolíticos e geoeconômicos com a maior potência do sistema. Esse antagonismo se sobrepôs a outros internos como a tensão capital-trabalho e a ampliação do combate à discriminação racial e de gênero. Esses antagonismos impeliram ao golpe contra a presidente Dilma Rousseff. A partir daí, foi inaugurada uma paz punitiva, com elementos do país sendo arbitrados pela potência vencedora", explica Metri, em referência a uma suposta interferência norte-americana no Brasil. 

Apesar desses contratempos vividos pelo país, novos acontecimentos no cenário internacional, em que se vê um confronto mais forte entre a Rússia e o Ocidente e a ascensão da China, abrem espaço para a retomada da independência externa brasileira, segundo Metri. Ele também ressalta como ponto positivo o fato de o país ainda contar com fartas reservas internacionais, como fator de autonomia.

Do ponto de vista histórico, não foram poucas as vezes em que potências intermediárias puderam jogar com as rivalidades entre as grandes potências, justamente se aproveitando dessas disputas para conseguir defender seu interesse nacional e galgar posições não tendo que se alinhar diretamente com ninguém. Isso pode ser bem explorado ou não. Mas qualquer passo mal dado pode significar o acirramento desses antagonismos”, destacou o professor.

O presidente do Clube de Engenharia, Márcio Girão, que fez a mediação do evento, questionou os palestrantes sobre a necessidade de maior apoio da opinião pública e do corpo diplomático com relação ao fortalecimento soberania nacional. Foi uma oportunidade para os especialistas aprofundarem suas análises sobre o quadro atual e defenderem o fortalecimento da democracia brasileira e a construção de uma sociedade mais justa. Também não foram descartadas reações violentas para barrarem uma possível tentativa de maior independência.

Os palestrantes também responderam perguntas do público, que tocou em questões relacionadas à multipolaridade da geopolítica internacional. Este painel veio a contribuir com o evento promovido pelo Clube, que desde julho já tinha discutido temas como “Educação e Ciência, Tecnologia & Inovação (CT&I)”, “Desenvolvimento Econômico-Industrial” e  A Reconstrução do Desenvolvimento e do Estado Democrático de Direito”. As propostas apresentadas serão reunidas em um documento que será entregue ao (à) candidato (a) que vencer as eleições de outubro para a Presidência da República.

 

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