Soluções subterrâneas para as águas do Rio

O problema da drenagem urbana da cidade do Rio de Janeiro volta à cena. O Clube de Engenharia se mantém na defesa intransigente da retomada do projeto do túnel extravasor. Piscinões em construção, capitaneados pela Prefeitura do Rio, podem não ser su?cientes para evitar as enchentes nos próximos anos

Parte das soluções apresentadas pela prefeitura à Federação Internacional de Futebol (FIFA) e ao Comitê Olímpico Internacional (COI) para os problemas da cidade do Rio como contrapartida obrigatória para a realização dos megaeventos esportivos dos próximos anos, cinco reservatórios subterrâneos, os chamados "piscinões", já estão em construção, além do desvio dos rios Joana e Maracanã.

Orçadas em R$ 292 milhões, as obras, que devem ficar prontas até o primeiro semestre de 2014, são a solução defendida pelo prefeito para as enchentes na área. Em entrevista em janeiro para a rádio CBN, Eduardo Paes destacou que, por melhor que seja o sistema de drenagem, uma chuva muito forte causa problemas: "Áreas que sistematicamente apresentam problemas por de­ ciências estruturais de drenagem serão resolvidas com essas obras".

A opinião técnica sobre a capacidade dos piscinões no caso do Rio não é consenso e os motivos são óbvios. No subsolo da cidade, da rua Marques de São Vicente até o Costão do Vidigal, 1,5 quilômetro de túnel, com um diâmetro comparável ao túnel Rebouças, que poderia despejar em mar aberto uma vazão de 100 metros cúbicos por segundo, está abandonado. O projeto do túnel extravasor, de 1971, foi retomado em 1989, atualizado em 2010 por comissão especializada formada no Clube de Engenharia e, atualmente, foi descartado. O túnel não só contemplaria a Zona Norte da cidade, mas também a Zona Sul, abrangendo as áreas do Horto, Jardim Botânico, Lagoa e Gávea.

Ao comparar os projetos, o professor do Instituto Militar de Engenharia (IME), Francisco José d'Almeida Diogo, aponta prós e contras. "Uma vez alcançada a capacidade dos piscinões, eles são eliminados do processo. Se não for aliviado até a chuva seguinte, não tem uso. Eles também podem se tornar reservatórios de lixo e ambiente para a proliferação de insetos. Ao contrário do túnel, onde a gravidade faz todo o trabalho, os piscinões exigem o uso de bombas e mão de obra", explicou.

Francisco destacou, ainda, que os impactos sociais e ambientais são maiores que a retomada do projeto do túnel causaria. Os custos também são altos.  

Cada reservatório custará aos cofres públicos cerca de R$ 600 mil para a retirada de lixo e limpeza. São Paulo gasta hoje com os seus piscinões cerca de R$ 10 milhões. As obras dos piscinões, no entanto, têm um fator positivo: são executadas em 1/3 do tempo e ­ carão prontas para as Olimpíadas. É a melhor saída para os jogos, mas há dúvida se é a melhor escolha para a cidade.

Debate técnico

Contando com a presença de membros da comissão que atualizou o projeto do túnel extravasor em 2010, a divisão técnica de Transporte e Logística (DTRL) do Clube de Engenharia promoveu mesa redonda para aprofundar o debate.

Os especialistas se reuniram para pensar e discutir a drenagem na cidade do Rio com forte caráter técnico e evidenciaram a importância de levar em consideração as peculiaridades da cidade e as necessidades da população na escolha dos projetos a serem implantados pela prefeitura.

"O projeto da Rio Águas", a­ rma o professor do IME, "imita uma solução paulista que não tem mar. Não é o caso do Rio. O túnel em rocha, apesar de caro, facilita muito as obras e os impactos são muito menores. É preciso pensar se estamos empregando bem o dinheiro público ao ignorar nossa proximidade com o mar, uma solução natural para a cidade."

O professor Jorge Paes Rios, chefe da divisão técnica de Recursos Hídricos e Saneamento (DRHS), atentou para a necessidade de se continuar discutindo o projeto, ainda que a implantação da solução paliativa esteja em andamento.

"As obras já estão em andamento, mas é importante lembrar que um projeto calculado para um tempo de recorrência de 25 anos não é su­ ciente. Independente dos piscinões, o túnel é inevitável. Uma solução não invalida a outra", explicou.

Sobre a pressa que pode ter determinado a escolha do projeto, Jorge Rios lembrou que em junho, julho, agosto, meses em que a cidade viverá em função dos Jogos Olímpicos, não chove o su­ ciente para causar inundações no Rio. "É bom deixar claro, também, que não gastaremos pouca energia para bombear a água para fora dos piscinões. Os gastos com limpeza se somam aos de energia e de manutenção com o maquinário.”

Cultura do engano

"O Brasil é um país abençoado: não temos vulcões, terremotos, maremotos ou furacões." O dito popular é bastante conhecido, parte de uma cultura que exalta a natureza privilegiada do país. É essa mesma cultura que, segundo Francisco, impede o brasileiro de enxergar seus problemas em sua real dimensão, com a seriedade necessária e os prejuízos gerados por eles.

Estudos da Universidade de São Paulo (USP) informam que um ponto de alagamento na cidade de São Paulo causa o prejuízo de R$ 1 milhão por dia. As enchentes na cidade causam, por ano, a perda de R$ 336 milhões. Se colocado em perspectiva nacional, o efeito em escala reverbera país afora, custando, por ano, cerca de R$ 762 milhões.

Essa conta não promete diminuir. "A evolução dos desastres naturais no mundo mostra que os hidrometereológicos estão crescendo em comparação com os geológicos e biológicos", alerta o professor.

Quando comparadas às tragédias vividas por outros países, o Brasil não ­fica atrás não só nos prejuízos financeiros, mas também naquele impossível de mensurar: a perda de vidas. Na primeira década do milênio, foram 594 vidas perdidas. "Em 2011 morreram 900 pessoas e 137 desaparecidos no Brasil em tragédias causadas pelas chuvas e alagamentos. Mais ou menos na mesma época, houve um terremoto que assolou o Chile, de escala 8.8 (a escala Richter vai de 2 a 10), onde morreram 501 pessoas e 56 desaparecidos. É quase metade do que vivemos no Estado do Rio de Janeiro", ressaltou Francisco.

Falta de integração

As verbas para desastres naturais no Brasil em 2012 tiveram R$ 3,50 bilhões disponíveis, mas apenas R$ 0,45 bilhão foram aplicadas, o equivalente a menos de 13% do valor total. Gasta-se em média R$ 1,37 bilhão para remediar os danos. Parte da ine­ ciência nas ações está na confusão legal que rege a área. Em seu artigo 21, a Constituição determina que compete à União instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano e saneamento básico. No artigo 23, determina que é competência da União, estados e municípios promover a melhoria do saneamento básico, responsabilizando as três instâncias governamentais.

Já a Lei de Águas, de 1997, estabeleceu uma estrutura que conta com um Conselho Nacional, a Agência Nacional de Águas, os comitês de bacias hidrográ­ficas, entre outros. O Ministério das Cidades coordena a política nacional de saneamento ambiental, mas são, ao todo, sete ministérios, a Caixa (Programa Saneamento para Todos) e o BNDES, que fomentam e coordenam as ações de saneamento. Para o professor José d'Almeida, falta articulação e integração. "Não há um planejamento setorial integrado entre todos os envolvidos. Há uma superposição de competências e os órgãos competem pelos recursos e atribuições, além de serem muitos os agentes intervenientes", alerta.

Matéria publicada nas páginas 4 e 5 do jornal número 531 do Clube de Engenharia.

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