“A Engenharia é, sem dúvida, uma bela profissão, sentimento proveniente da consciência de seu papel na evolução civilizatória. A palavra mais simples que resulta da simbiose de sua beleza com seu papel é responsabilidade. Exemplo marcante é a propalada aventura da ida à Lua. Foi, de fato, uma experiência objetiva: o homem sabia que lá chegaria e que de lá voltaria. Promoveu este feito com responsabilidade, avaliou seus riscos, preparou-se profissionalmente para alcançá-lo e vitoriou-se por ciência, respeitando as leis naturais – a Física – e a precisão dos cálculos – a  Matemática. É daí que surge a beleza da Engenharia, uma profissão arrojada, jamais aventureira, segura pelos conhecimentos da natureza e dos infalíveis números,” afirma, com inquestionável orgulho, o professor Edson Monteiro, membro do Conselho Editorial do Clube de Engenharia.

Lamentavelmente – e parece ser praticamente impossível mudar este cenário – as obras e serviços de engenharia, no caso das intervenções infraestruturais do poder público brasileiro, fazem com que a responsabilidade inerente à engenharia seja sobreposta por outros interesses de caráter político variado. “É por consequência disto – e a sociedade precisa saber – que as tampas de bueiro voam, que os prédios desabam, que depósitos de combustíveis explodem ao lado de residências, que boates incendeiam e que estádios de futebol recém-construídos são interditados”, alerta o professor.

O grave neste processo é a tendência a penalizar a engenharia por conta de tais acontecimentos quando se sabe que os governantes não planejam, tecnicamente falando, e veem nos prazos eleitoreiros o paradigma de suas decisões.

Para o chefe da Divisão Técnica de Construção do Clube de Engenharia, engenheiro civil Ricardo Khichly, “a boa técnica construtiva, com real planejamento e integração  de equipes que atuem de forma rápida e eficiente acabam ficando em segundo plano quando as obras são usadas como promoção política”. É ridículo, para dizer o mínimo, que a autoridade governamental venha a público afirmar que certo estádio de futebol recém-construído e já interditado “foi feito nas c.”, demonstrando ignorar por completo sua responsabilidade na manutenção do aparelho público, procedimento obrigatório à autoridade municipal.

“A razão da negligência no Brasil é ambiência viciada de erros, de conduta reprovável de muitas autoridades, e a Engenharia nacional, apesar de ser atividade eminentemente técnica, muitas vezes se contamina no meio desse ambiente desolador e se desqualifica nos espetáculos de desastres quase que previamente anunciados”, explica Ricardo Khichly.

Ainda que a Engenharia traga na modernidade brasileira lapsos de má formação – outra consequência dos desgovernos que sucatearam a infraestrutura urbana, por exemplo –, é criminoso deixar de respeitar um segmento da sociedade que foi capaz de produzir uma “Itaipu”, uma “Ponte Rio-Niterói”, a pujança de uma “Petrobras” e de uma “Embraer”. Todos esses eventos, independentemente do orgulho nacional que  desper-tam, obedeceram a um planejamento técnico, a projetos de concepção básica, estudos de

viabilidades de caráter social e projetos executivos. Terão sido levados em conta tais atributos indispensáveis à responsável engenharia nas decisões da “linha 4 do metrô do Rio”, da “construção lúdica dos piscinões do Rio”? Afora os desenhos impressionantes expostos pela mídia, quais projetos executivos ligados a tais obras compuseram as especificações das licitações? Onde a concretização da responsabilidade dos engenheiros? Para o engenheiro civil Antonio Eulálio, conselheiro do CREA-RJ, “o gerenciamento de grandes obras é cargo que exige engenheiro experiente e é comum que isso não esteja acontecendo. É preciso que o poder público traga de volta os engenheiros seniores”.

Enfim, a qualidade dos produtos da engenharia fica discutível por decorrência de falhas da governança constituída. O programa “Minha Casa, Minha Vida” que abrigaria os remanescentes do colapso do Morro do Bumba, em Niterói, não dispôs de tempo (!) para avaliação das condições do solo do terreno, tudo foi construído como um castelo erguido na praia, ou melhor, na areia da praia. Resultado: vergonha, demolições, nova construção, dinheiro jogado fora e desesperança das vítimas.

“A Engenharia brasileira não pode ter sua qualidade colocada na balança como um espécime desnutrido em sua massa cinzenta e em sua ética profissional. É forçoso reagir dizendo à população a verdade. A megalomania decorrente de interesses difusos acobertados por imagens sedutoras não pode sobrepujar o conhecimento de uma massa expressiva de profissionais competentes que se esforçam por tentar garantir a qualidade de vida das cidades brasileiras”, conclui Edson Monteiro.

Matéria publicada na página 12 do Jornal número 530 do Clube de Engenharia.

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