Minerodutos: graves riscos do aumento de produção de minério de ferro sem fiscalização

Nas cidades históricas do estado de Minas Gerais, maior produtor de minério do País, moradores e parlamentares que vêm se mobiliando para exercer algum tipo de controle social sobre as possíveis irregularidades da área de mineração têm esbarrado na força do poder local, em parceria com as empresas do setor. No entanto, as disputas políticas sobre o novo marco regulatório e a tragédia de Mariana provocaram o debate nacional e deram ao cenário local inesperada repercussão. Em conseqüência, fatos e informações da maior importância começam a vir à tona.

Em grande parte das coberturas jornalísticas de desastres semelhantes ficaram fora dos refletores midiáticos, e dos debates, os minerodutos, tubos que transportam uma lama viscosa com 35% de água e 65% de sólidos (minério de ferro), bombeada  por centenas de quilômetros até o processamento final. “Produzidos em larga escala, há séculos, a cada 100 toneladas de minério existem pelo menos 50 toneladas de resíduos sólidos estéril, com dificuldades crescentes para as empresas encontrarem um descarte seguro. Os rejeitos da mineração têm sido um problema crônico no mundo, sistematicamente escondido do público”, denuncia a revista Caros Amigos em reportagem intitulada Dutos da Devastação, veiculada na edição que circulou em dezembro último.

Foco na competitividade

É esclarecedor o depoimento do engenheiro de produção Bruno Milanez, ao descrever como as conseqüências do excessivo consumo chinês de minério de ferro pode alcançar comunidades tão distantes, como a pequena Conceição do Mato Dentro, sede de uma grande mina de ferro”. Milanez, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora, registra fatos como as oscilações do mercado internacional de minérios: de 2009 a 2013, na cotação do Banco Central, o preço do ferro subiu de US$ 40 para US$ 135 a tonelada. Nos últimos anos, em queda, o preço da tonelada chegou a US$ 57. O Brasil, com o preço mais baixo ainda, chegou a vender a tonelada de ferro a US$ 37,2. Resultado: para ganhar competitividade, com custos operacionais mais baixos, as mineradoras aumentaram a produção, investindo na expansão da lavra e na aceleração do transporte.

Embora a China seja o maior produtor de ferro do mundo, precisa importar muito desse minério, e os dois grandes fornecedores são Brasil e Austrália.  Com grande parte destinada à produção de automóveis, o forte processo de urbanização na China fez crescer significativamente a construção de moradias, o que levou a demanda a crescer praticamente na mesma proporção. Com isso, o valor da tonelada do ferro – minério que equivale a 70%, em valor, de todo minério produzido no Brasil –, descolou rapidamente da faixa entre US$ 40 e US$ 50, média histórica do século 20. A explosão aconteceu porque a demanda ficou maior do que a oferta no período.  “É assim desde sempre, mas a oscilação da última década foi a maior em cem anos”, constata Milanez.

Conflitos pelo uso da água

Foi neste contexto que, atraída para a extração mineral pela alta extraordinária de preços, a empresa Anglo American construiu, em 2008, o Mineroduto Minas-Rio em Conceição do Mato Dentro. Com investimentos de US$ 8,8 bilhões e capacidade para extrair 26,5 milhões de toneladas de ferro/ano, a mina funciona a céu aberto, de Conceição do Mato Dentro até o porto do Açu, no Rio de Janeiro. São 33 municípios impactados, localizados no trajeto de 529 quilômetros ao longo dos vales das serras do Espinhaço e do Cipó, interceptando trechos da histórica Estrada Real.

A antropóloga Maria Júlia Gomes de Andrade, do Movimento Nacional pela Soberania Popular Frente à Mineração, com a seca que afeta o Sudeste, denuncia: “os conflitos pelo uso da água crescem em número e gravidade e, em geral, a balança tem pendido para a mineração, em prejuízo ao abastecimento humano”. E mais: “as comunidades vizinhas hoje dependem da água do caminhão-pipa oferecida pela mineradora”, afirma o biólogo Luiz Paulo Guimarães de Siqueira. Os custos de operação dos minerodutos ganham de outros modais porque é a água, praticamente de graça, a energia que empurra o minério.

O processo de licença ambiental tem mais de 300 condicionantes (ajustes do projeto apontados na primeira fase do licenciamento e não cumpridos). Menos de um mês depois de obter a licença para operar, a empresa entrou com pedido de expansão, com previsão de produção de 90 milhões de toneladas por ano (ou 45 milhões de toneladas de rejeitos). Ações do Ministério Público embargando a obra, tentativas da Procuradoria da República para embargar o projeto se sucedem. Entre as denúncias a mais grave trata da liberação da licença ambiental do mineroduto pelo Ibama sem a definição do seu traçado. O órgão classificou o Minas-Rio como “acessório da mineração”e a licença prévia foi concedida com o compromisso do empreendedor alterar posteriormente o traçado original de modo a não afetar área de Mata Atlântica.

Mercado crescente

A produção mineral brasileira foi recorde em 2014, rendendo ao país US$ 40 bilhões, 5% do PIB industrial. As mineradoras extrativas contribuíram para a balança comercial com US$ 34 bilhões em exportações de minérios, sendo que US$25,8 bilhões vieram da exportação de ferro. A estimativa de investimentos no setor entre 2014 e 2018 é de US$ 53,6 bilhões.

O engenheiro de produção e professor Bruno Milanez explica que antes da Anglo American,  a Vale era a maior do setor. Com a alta apareceram a Ferrous Resources, a Sam e a MMX, do Eike Batista, comprada pela Anglo.  Todas organizaram suas plantas para a exportação.  “O transporte por mineroduto, além do custo menor, é a forma mais rápida para colocar o minério no navio.  A empresa controla a mina, o transporte e o porto.  Vendem essencialmente para o mercado asiático, e a Anglo também para o Oriente Médio”, explica.

Entre as concorrentes da Anglo está a Samarco, controlada pela BHP Billiton e Vale, que tem três minerodutos, entre eles o mais antigo do País. Em 2014, com capacidade para transportar 25 milhões de toneladas de minério por ano, foi realizada obra de expansão de um mineroduto da Samarco que elevou a produção anual da empresa para 30,5 milhões de toneladas de ferro/ano. Ou, como lembra a jornalista Lilian Primi, “15 milhões de toneladas/ano da mesma lama que hoje mata os vales férteis da região de Mariana”.

Fonte: Caros Amigos, edição n° 224/2015   

 

Receba nossos informes!

Cadastre seu e-mail para receber nossos informes eletrônicos.

O Clube de Engenharia não envia mensagens não solicitadas.
Pular para o conteúdo