“O governo não tem nenhuma noção do risco de sobrevivência que a indústria corre. Visitei quase todos os ministérios, conversei com os ministros e os secretários-gerais e vi claramente que a percepção desse risco não passa pela cabeça dos governantes. A única coisa que eles têm em mente é ajuste, ajuste, ajuste. Acho importante, mas a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. E o governo errou na dose. Esta é a situação. Vivemos a pior crise dos últimos 80 anos.”

A declaração é do empresário João Marchesan, presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), em entrevista ao jornalista Carlos Drummond, na revista Carta Capital, publicada em 22 de março. À frente de um amplo movimento de mobilização para reerguer a economia, a Abimaq enfrenta o grave quadro de recessão do País com uma verdadeira cruzada nacional. Reuniões e ações concretas com gestores públicos, parlamentares, representantes do setor industrial e da sociedade, entre outros segmentos, incluindo o Clube de Engenharia, buscam soluções urgentes em defesa de um projeto que garanta o desenvolvimento e que, ainda segundo Marchesan, impeça que o caos social que vemos hoje avance a um nível insustentável. Leia, a seguir, a entrevista de João Marchesan à Carta Capital.

 

O remédio virou veneno

A indústria corre risco de vida, o caos social é insustentável, mas o governo só pensa no ajuste, acusa João Marchesan, presidente da Abimaq

Carlos Drummond

Presidente do Conselho de Administração da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), o empresário João Marchesan fabrica bens de capital para o setor agrícola, que vai bem, mas a situação do País segue o rumo oposto. Após conversar com quase todos os ministros, garante que a situação de risco de sobrevivência do setor industrial, fundamental para o conjunto da economia, não passa pela cabeça dos governantes, que só pensam no ajuste e já erraram na dose. Considera "burra" a redução do conteúdo local mínimo exigido no setor de petróleo e gás, que só beneficia as grandes petroleiras. Aumentar a taxa de longo prazo do BNDES, diz, significa decretar que não haverá mais investimentos nem geração de empregos, apesar do caos social insustentável. Sem reduzir os juros e os spreads e desvalorizar o real, o Brasil não vai a lugar algum, como explica Marchesan na entrevista a seguir.

Carta Capital: Quais são as condições para o reerguimento da economia após a estagnação de 2014, seguida por dois anos de recessão?

João Marchesan: Nós estamos em queda livre há cinco anos. De 2013 a 2017, o mercado de máquinas e bens de capital caiu 50%. Isso dá uma ideia do estrago geral. Para produzir um impacto, uma injeção na veia da economia, é preciso, entre outras medidas, aumentar as exportações. Não temos um câmbio competitivo. Hoje, o dólar oscila entre 3,10 e 3,20 reais e o Banco Central freia a desvalorização, fazendo política monetária com o câmbio. Isso não existe em nenhum outro lugar do mundo. Todo país que conheço desvaloriza sua moeda para tornar as empresas competitivas no exterior.

CC: Como vê a decisão do governo de reduzir em 50%, em média, os porcentuais mínimos de equipamentos e serviços produzidos no País exigidos em licitações de exploração de petróleo e gás?

JM: A decisão é burra em relação à indústria brasileira, mas atende perfeitamente aos interesses das grandes companhias mundiais de petróleo. Elas fizeram forte pressão sobre o governo e agora participarão, ao lado da Petrobras, dos próximos leilões de blocos exploratórios de óleo e gás e poderão trazer de qualquer país equipamentos isentos, enquanto os fabricantes locais são tributados.

CC: Que consequências terá a redução das exigências de conteúdo?

JM: Precisamos decidir se queremos ser uma Nigéria, uma Venezuela, ou uma Inglaterra, uma Noruega. Os dois últimos, quando descobriram petróleo no Mar do Norte, deram força às suas empresas, criaram políticas de conteúdo local. As indústrias e os países se fortaleceram, com aumento do emprego e da renda, e hoje investem no Brasil. Na Nigéria e na Venezuela, que não têm exigências de conteúdo local, tudo vem de fora.

CC: Em quais condições seria admissível rever os porcentuais de conteúdo local obrigatório?

JM: Enquanto não forem corrigidas as assimetrias econômicas e financeiras £ das condições de operação das empresas brasileiras em relação às estrangeiras, não devem mexer nisso.

CC: Qual a importância específica da indústria em uma recuperação? 

JM: É total, pois a recuperação só vai acontecer através da indústria, é ela que vai puxar. O setor de fabricação de cimento está com 50% de ociosidade, a siderurgia com 50%, a produção de caminhões com 80% e bens de capital com 50%. Onde é que vamos parar?

CC: O governo e o BNDES querem igualar a Taxa de Juros de Longo Prazo, utilizada para financiar os investimentos, às taxas de mercado.

JM: Eles querem mudar a Taxa de Juros de Longo Prazo para indexá-la à rentabilidade das Notas do Tesouro Nacional série B, que é o IPCA mais 5%. Isso eleva o custo dos financiamentos para 18% a 20% ao ano. E o mesmo que declarar que ninguém mais vai fazer investimento. Hoje, a TJLP é de 7,5% ao ano, mas custa 14% para quem toma o dinheiro, ou seja, muito acima do lucro que as empresas obtêm para pagar esses empréstimos. O parque de máquinas da indústria no Brasil tem uma média de idade superior a 20 anos, em alguns casos chega a 30 anos. Na Alemanha, a média de idade do maquinário é de 5 anos. Propusemos ao governo que, em vez de subir a TJLP, faça o oposto, baixe a Selic para o nível da Taxa de Longo Prazo.

CC: Basta baixar o juro ou é preciso reduzir também o spread, o ganho dos bancos nas operações?

JM: Baixar o spread é imperioso para reduzir o custo do dinheiro. Os bancos alegam que o risco de emprestar é alto na situação atual, mas há de existir u m momento em que se atinge um equilíbrio. Chega de ganhar muito dinheiro.

CC: O senhor acha que o governo tem uma noção clara do risco de sobrevivência que a indústria corre?

JM: Não tem nenhuma noção. Visitei quase todos os ministérios, conversei com os ministros e os secretários-gerais e vi claramente que a percepção desse risco não passa pela cabeça dos governantes. A única coisa que eles têm em mente é ajuste, ajuste, ajuste. Acho importante, mas a diferença entre o remédio e o veneno é a dose. E o governo errou na dose. Esta é a situação. Vivemos a pior crise dos últimos 80 anos.

CC: O que leva o governo a empenhar-se tanto no controle de gastos e não mostrar a mesma dedicação em relação às medidas necessárias ao crescimento?

JM: Eles são míopes, não têm sensibilidade, estão fazendo o ajuste pelo ajuste. Tudo bem, temos de derrubar a inflação, melhorar o poder de ganho do trabalhador, mas como ficam aqueles que estão sem emprego? O País tem 13,9 milhões de desempregados. Somando-se aos 22 milhões de subempregados, são 22% da força ativa do País parada. A consequência é esse caos social que vemos hoje, e que está entrando num nível insustentável. O risco de cassação da chapa Dilma-Temer no TSE e as denúncias da Odebrecht aumentarão a fervura.

CC: A economia, neste ano, crescerá pouco ou nada e isso parece ser um consenso.

JM: Caso o agronegócio cresça entre 4,5% a 5%, conforme previsto, pode ser que o PIB aumente 0,5%, ou 1%, mas isso é nada, pois ocorrerá sobre uma base muito ruim. E preciso considerar a longa trajetória de declínio da economia.

CC: Quais outros problemas prejudicam a economia?

JM: Há uma situação tributária complexa no Brasil, um Frankenstein criado em 1968, com diversos acréscimos posteriores, que requer uma reforma abrangente. E preciso também estabelecer as parcerias público-privadas, que estão paradas no governo, para atrair capital interno e externo e fazer as grandes obras de infraestrutura do País. Veja a situação vergonhosa da Rodovia BR-163, que vai de Mato Grosso ao Pará, vital para escoar a safra até os portos do Arco Norte, a segunda maior saída das exportações de soja. Há centenas de caminhões parados por causa da chuva em um trecho de 100 quilômetros ainda sem asfalto. Outro problema é a estrada de ferro Ferrogrão, para ligar a região produtora ao porto de Miritituba, no Pará, que vai custar 12,6 bilhões de reais e até agora não saiu do papel. As obras dependem das parcerias de investimentos, as PPIs, que estão com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Moreira Franco, e até agora não andaram. Acrescente-se a necessidade de modernização da legislação trabalhista. Podemos oxigená-la, sem tirar os direitos dos trabalhadores, para os empresários terem segurança em investir.

 

Receba nossos informes!

Cadastre seu e-mail para receber nossos informes eletrônicos.

O Clube de Engenharia não envia mensagens não solicitadas.
Pular para o conteúdo