Editorial Petronotícias - 01/02/2017

Quem vive no mundo da indústria de petróleo brasileira conhece bem a Petrobrás, tanto nas suas vitórias como nas suas derrotas. Para o País, para si e para a sociedade, a empresa que carrega as cores da bandeira nacional têm diversas faces e muitas vezes suas feições mudam à serventia do dono da cadeira de presidente. O comandante da vez é Pedro Parente, um executivo de renome na história brasileira, com passagens pelos principais ministérios do Governo Fernando Henrique Cardoso, inclusive com atuação na área energética. É, portanto, alguém que já tinha vasta compreensão do alcance das ações da Petrobrás e suas repercussões no mercado. Agora, então, como presidente da companhia, certamente conhece mais detalhadamente o funcionamento da empresa e seu emaranhado de contradições. Pois é justamente baseado nisso que cai por terra a falácia da empresa e de Parente em relação ao conteúdo local e à defesa das empresas nacionais.

Quando a indústria – e a imprensa, como é o caso do Petronotícias – se coloca na posição de crítica da decisão da Petrobrás de excluir as companhias brasileiras e privilegiar as estrangeiras, há um equívoco de interpretação por parte do executivo. Não há ranço ideológico ou aversão a investimentos estrangeiros. Não há uma diretriz dicotômica de estatismo x liberalismo. Pelo contrário, toda a indústria é claramente a favor do maior volume de investimentos possível que possa impulsionar a economia do País. Seja estrangeiro ou nacional, o maior objetivo é desenvolver o mercado do Brasil, criar empregos e garantir um futuro mais digno exatamente para os mais de 12 milhões de desempregados espalhados pelas diversas regiões brasileiras. Se alguém fosse contra isso, seria contra a nação. Essa é a falácia que Parente tenta impingir aos seus críticos por má vontade ou desinteresse em ouvir os argumentos que lhe são colocados. Como ele mesmo diz, em seu artigo publicado na Folha de São Paulo desta quarta-feira (1), “ideologias, quando levadas ao extremo, tornam as pessoas impermeáveis a argumentos”.

A justificativa dada pela Petrobrás para que as empresas brasileiras fossem excluídas da concorrência no Comperj era a de que estavam bloqueadas do cadastro da estatal por questões relativas à Lava Jato. É fato que as maiores empreiteiras do País se afundaram em meio a esquemas de corrupção e precisam ser passadas a limpo – como está sendo feito –, mas há certamente um enorme contingente de engenheiros capacitados e gabaritados para assumirem essas responsabilidades, neste processo de renovação dos quadros delas e da abertura de espaço para outras empresas que vinham crescendo à margem desse grupo nos últimos anos. Bastava à Petrobrás abrir mais o leque e se tornar mais transparente na escolha e no convite dos concorrentes, assim como assegurar que as novas regras de compliance fossem cumpridas à risca no trato com as epecistas que têm se dobrado para reconquistar alguma confiança e poderem sobreviver a este processo. Uma outra alternativa sugerida pelo próprio mercado é fatiar a obra. No momento atual, quase nenhuma poderia assumir sozinha uma obra orçada inicialmente em 2 bilhões de reais. Isso daria chance para empresas de médio porte participarem do empreendimento. Se a Petrobrás não aceita os acordos judiciais como prova dessa tentativa de correção interna delas, se não acredita em regeneração e não confia totalmente em seus novos critérios de governança e de combate à corrupção, então por que convidar 21 empresas estrangeiras – das 30 da lista – que se envolveram em casos de desvios e de ilegalidades nos últimos anos pelo mundo? É um contrassenso e segue o mesmo caminho tortuoso das alegações de que não há competitividade na indústria brasileira.

A começar pela dupla personalidade da Petrobrás na hora de fiscalizar as obras que contrata no Brasil e as que contrata no exterior. No Brasil, as empresas precisam construir extensas instalações para dezenas de fiscais da estatal, com critérios rigorosos de padronização das salas a serem oferecidas aos funcionários, como detalhes específicos para a localização das lixeiras, distâncias entre janelas e portas, número de cadeiras e uma infinidade de exigências de QSMS (Qualidade, Segurança, Meio Ambiente e Saúde) que precisam ser somadas aos custos. Já no exterior, como em alguns projetos de grande porte enviados para a China, a companhia manda pouquíssimos fiscais para trabalhos do mesmo nível de complexidade, demandando estruturas muito mais enxutas e sem o mesmo rigor na padronização.

Um dos resultados disso é uma atuação esquizofrênica, já ocorrida em alguns casos nestes últimos anos, em que as plataformas vêm da Ásia com diversos problemas a serem consertados. As empresas brasileiras com histórico de sucesso, em termos de preço, prazo e qualidade – que são muitas –, acabam chamadas para socorrer a Petrobrás, revisando e refazendo o que ficou mal feito.

O presidente da Petrobrás em alguns momentos usou a licitação da plataforma de Libra como exemplo negativo do que seria a indústria brasileira. Alegou um sobrepreço de 40% para se construir no Brasil. Seria um escárnio defender que a empresa pagasse esse valor a mais para fazer obras em seu próprio quintal. Com certeza não é o que se defende quando surgem as críticas à postura da empresa frente à política de conteúdo local. O problema é que os dados que embasam essa afirmação de Parente nunca foram detalhados para o público e para o mercado nacional, que está ávido por oportunidades e tem se mostrado cada vez mais competitivo, com muitas empresas exportando para outros países – tanto estrangeiras a partir de instalações brasileiras quanto companhias nacionais que conquistaram espaço no cenário internacional. Mais de uma vez foi feito um convite para que o executivo abrisse esses números e permitisse à indústria avaliá-los. Se sua crença é em argumentos, porque não permitir ao mercado nacional que dê os seus próprios nessa discussão. Sem diálogo e abertura, não há avanço. Vira ranço ideológico.

Por fim, o presidente Parente cita casos de trabalhadores brasileiros que por décadas se empenharam e alcançaram grandes conquistas em suas carreiras em solo nacional. Um deles, Adir, há 40 anos trabalha na filial brasileira da francesa Schlumberger. Outro, Ademir, trabalha há 23 anos na catarinense WEG, que já conta com forte atuação fora do País. Ambos são exemplos para o Brasil e é exatamente a replicação desses casos que se busca quando defende-se o conteúdo local. Não como protecionismo, mas como seleção de empresas capacitadas no território nacional e impulso a um maior desenvolvimento brasileiro. Afinal, se essas contratações forem todas para fora, como Parente quer que sejam feitas com as plataformas de Sépia e Libra, esses investimentos que ele tanto defende não ficarão aqui. Irão para outros países. Neste caso, ao invés de abrirmos espaço para outros trabalhadores como Adir e Ademir terem sucesso, teremos priorizado os empregos de Zhang Wei e Li Xiu (nomes comuns da China), que também merecem grandes oportunidades, mas não em detrimento dos nossos 12 milhões de desempregados, com os recursos daquela que por décadas foi a maior empresa brasileira.

Fonte: Petronotícias – Editorial – 01-02-2017

 

Receba nossos informes!

Cadastre seu e-mail para receber nossos informes eletrônicos.

O Clube de Engenharia não envia mensagens não solicitadas.
Pular para o conteúdo