Ataque à indústria de carnes é mais um capítulo do desmonte

Por Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia.
Publicado em 20-03-2017, no site SRzd, do jornalista Sidney Rezende

As exportações brasileiras provenientes do agronegócio (soja, açúcar, café, milho, cacau etc.) são realizadas por meio de empresas estrangeiras, tais como Bunge, Cargill e Dreyfus. São essas tradings que formam os preços. Elas compram as safras, muitas vezes, antes mesmo do plantio, travam os preços, e os manipulam nas Bolsas de Chicago, New York e Londres. Têm armazéns espalhados pelo país, e terminais nos nossos principais portos. Em resumo, nos grãos, o empresário brasileiro se resume à atividade agrícola e é refém desses grandes grupos.

Já no caso das proteínas animais, toda a cadeia produtiva, e também a formação de preços, é comandada por brasileiros, que chegam a controlar grandes plantas frigoríficas aqui e nos EUA, Austrália e Argentina. Isso dá aos grupos brasileiros invejável posição no comércio internacional, com marcas reconhecidas nacional e internacionalmente, relações comerciais de décadas e práticas, inclusive no abate, adequadas aos diversos mercados e até aos preceitos religiosos mais peculiares.

Por tudo isso, a operação desencadeada pela Polícia Federal na última sexta-feira, cujas fragilidades na apuração dos fatos começaram a surgir já no fim de semana, não pode ser qualificada apenas como temerária e irresponsável. Está claro que o ataque a grupos como JBS e BRF, nossos principais exportadores de carnes, não é acidental.

Insere-se na lógica do desmonte da Petrobrás e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e da fragilização das empresas de engenharia brasileiras, processo que, se não for revertido, nos levará de volta aos tempos de colônia. Pior que isso, contribuem para aumentar o contingente de quase 20 milhões de desempregados no país.

Para citar apenas a BRF, são mais de 100 mil empregados, responsáveis por colocar no mercado produtos de 30 marcas, exportados para 150 países. Para esse contingente de trabalhadores, o emprego nas plantas do grupo, em dezenas de municípios brasileiros, é uma das poucas alternativas de ocupação formal, que segue à risca as regras do regime geral de trabalhadores, ou seja, carteira assinada, vale transporte e alimentação, sem falar em benefícios adicionais, como planos de saúde.

A operação Carne Fraca atinge não apenas a reputação de grandes grupos brasileiros, mas principalmente a autoestima e o orgulho desses trabalhadores. Primeiro porque coloca em dúvida, sem a devida comprovação, a qualidade do produto que colocam diariamente no mercado. Depois, porque coloca em risco seus empregos e todo esse modelo de segurança social, que nem sempre é seguido em países que se colocam hoje como investidores preferenciais em ativos brasileiros.

Acreditar que os fatos narrados nos últimos dias ocorrem diariamente em dezenas de fábricas brasileiras é imputar a milhares de trabalhadores uma culpa que não têm. Na verdade, não se pode supor que tenham sido coniventes durante tantos anos, mas é certo que estão correndo o risco de se tornarem as maiores vítimas de uma ação que, se não foi criminosa, foi certamente inconsequente.

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