Integração de conhecimentos nos processos produtivos é um imperativo histórico e irreversível


Guilherme Estrella, geólogo*

Os recursos naturais, bens essenciais à humanidade, adquiriram uma dimensão muito mais abrangente de uso com a implantação de sistemas produtivos em bases industriais. Desde então tornaram-se crescentes as demandas por recursos minerais de todos os tipos (minérios metálicos e não metálicos), dos recursos hídricos (superficiais e subsuperficiais) e dos recursos energéticos fósseis (petróleo e gás natural). Ampliaram-se ainda exigências da sociedade por conhecimentos e serviços de geotecnia na execução de projetos rodoviários, abertura de túneis, projetos ambientais ligados à preservação e recomposição do meio natural, projetos ligados à estabilidade de relevos naturais para regular, organizar e proteger a ocupação humana, e mais - ainda que não frequentes em nosso território nacional - em projetos de avaliação de risco tectônico (terremotos) para populações já instaladas na superfície do planeta.
 
Em todas estas atividades é amplíssimo o espectro da aplicação do conhecimento geocientífico na Engenharia, o que torna indispensável a interação entre geólogos e engenheiros, não só para a sustentabilidade técnica e financeira, como para a indispensável qualidade das atividades construtivas e operacionais dos investimentos que envolvem estes conhecimentos
 
Especificamente na extensa cadeia produtiva da indústria de exploração e produção de petróleo e gás natural, a completa integração dos conhecimentos geocientíficos e das engenharias, das inúmeras especialidades, é fator crítico de sucesso para os projetos e referência do estágio tecnológico atingido pelas empresas ao nível internacional. É fato que este modelo de integração nem sempre foi adotado pelas empresas. Ao longo dos cerca de um século e meio de história do setor, geólogos e engenheiros desempenhavam inicialmente suas atividades em setores afastados, quase isolados. Com o passar do tempo, viu-se o quanto as estruturas segmentadas eram insuficientes para responder ao cenário mais complexo da busca e produção de petróleo. O passo natural foi a integração de saberes da Geologia e Engenharia, o que ampliou enormemente os resultados financeiros, em face dos ganhos operacionais e segurança, e ainda estimulou enormes avanços de conhecimentos, tecnológicos e industriais.
 
Digno de registro, no terceiro quartil do século passado, a consolidação e o sucesso das modernas abordagens e modelos gerenciais aplicadas em largo espectro na gestão dos investimentos industriais, especialmente os adotados pelas empresas japonesas a partir do final da Segunda Guerra Mundial. A visão reducionista, com engenheiros e geólogos a trabalharem isoladamente, por exemplo, mostrou-se totalmente ultrapassada e obsoleta. Os japoneses, e depois os coreanos, ganharam os mercados ocidentais, com de seus produtos exibindo elevadíssimos índices de produtividade, confiabilidade, segurança operacional, nunca vistos nos ambientes produtivos norte-americanos e europeus. O que estava na base desta verdadeira revolução de gestão de processos industriais produtivos era a visão sistêmica, integrada, aplicada diretamente no trabalho de profissionais de diversas formações universitárias, que desta maneira passaram a interagir na eliminação das interfaces deletérias que prejudicavam o produto final da cadeia produtiva.
 
Esta experiência histórica, aplicada de forma plena e exitosa em várias empresas brasileiras, dentre estas a Petrobras, demonstra o quanto anacrônica é e será qualquer decisão que estimule a segmentação corporativa seja numa empresa, ou numa instituição pública. Agravante maior se faz quando decisões deste tipo encontram abrigo em instituições públicas, estatais ou paraestatais, que em última análise devem primar pelo melhor uso das competências e recursos que dispõem, oriundos, em última análise, da sociedade.
 
Neste sentido, a decisão PL-0687, tomada na reunião, de 3 de maio passado, pelo Plenário do Confea, mostra-se um formidável salto para trás, de certa forma constrangedor, por seu caráter claramente retrógrado e com nítida tonalidade corporativista. A controversa legal em torno desta decisão seria razão suficiente para que os conselheiros federais, em nome do bom senso, rejeitassem de pronto qualquer tese restritiva ao pleno direito dos geólogos e outras categorias do Sistema. Não bastasse isto, não há como pensar num sistema tecnológico de qualquer país que se quer soberano e justo não integrar, num mesmo sistema, com os mesmos direitos, os que geram informações sobre localização e melhor aproveitamento de riquezas e particularidades naturais e territoriais, aos que irão transformar estes conhecimentos em produtos para a sociedade.
 
A manifestação do Clube de Engenharia e de diversos outros Crea's contrários à PL-0687/2017 são iniciativas importantes para a imposição do conhecimento e da razão - e até da lei, como refletem decisões judiciais já registradas - e para que o CONFEA reveja sua decisão, a demonstrar, como sempre, seu compromisso com a organização e regulação das atividades das engenharias em nosso País.

*O geólogo Guilherme Estrella é ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras (2003/2012) e conselheiro do Clube de Engenharia.

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