Introdução
É preciso reafirmar o futuro que André Rebouças sonhou
* Francis Bogossian
** Pedro Enrique Monforte Brandão Marques
No dia 21 de outubro de 2025, foi sancionada a inclusão do Dia Municipal em Homenagem a André Rebouças, a ser celebrado em 1º de novembro, no calendário oficial da cidade do Rio de Janeiro.
A iniciativa foi proposta pela Vereadora Thais Ferreira (PSOL), a partir de um projeto de lei elaborado em parceria com o Clube de Engenharia do Brasil (CEB), apresentado no ano anterior.
O texto-base do projeto foi anunciado durante a Solenidade do CEB em Homenagem à Inclusão de André Rebouças no Livro dos Heróis da Pátria, realizada em novembro de 2024.
Na ocasião, a atual diretoria do Clube assumiu o compromisso de, a cada mês de novembro, apresentar publicamente as ações desenvolvidas ao longo do ano no combate ao racismo — tanto na sociedade brasileira quanto no campo da engenharia.
A sanção da lei, agora em 2025, representa uma vitória simbólica e concreta em nome da preservação da memória de um dos mais notáveis engenheiros e intelectuais do país, cuja vida se confunde com a luta pela liberdade e pela justiça social.
Engenheiro abolicionista
André Pinto Rebouças foi um homem singular: intelectualmente avançado, mas profundamente comprometido com as urgências morais e sociais de seu tempo.
Reconhecido pela historiografia como o primeiro engenheiro negro do Brasil, destacou-se por obras de infraestrutura em diversas regiões do país e por sua atuação como professor da Escola Politécnica, onde ocupou a cátedra de Resistência dos Materiais.
Introduziu no Brasil a técnica do concreto armado, após estudos realizados na Europa, e foi um dos raros engenheiros da época a recusar terminantemente o uso de mão de obra escravizada em suas construções.
Como Diretor Cultural do Clube de Engenharia, fundou a biblioteca da instituição — patrimônio que permanece vivo e acessível até hoje.
Entretanto, sua maior obra foi de natureza moral e política: a luta pela abolição da escravidão.
Rebouças foi uma das principais lideranças do movimento abolicionista, participando da fundação de associações, jornais e campanhas que articularam a libertação dos escravizados sem indenização aos senhores, enfrentando assim o núcleo mais duro dos interesses da elite agrária.
Em um contexto em que a sociedade brasileira aceitava como “suficientes” as leis do Ventre Livre e dos Sexagenários — reformas graduais que pretendiam prolongar a escravidão por décadas —, Rebouças e seus companheiros ousaram exigir o fim imediato e incondicional do cativeiro.
Foi ele, inclusive, quem redigiu a minuta da Lei Áurea, sancionada em 1888.
Mas a vitória teve um preço: perseguidos e marginalizados, muitos abolicionistas — entre eles Rebouças — foram empurrados ao exílio após o golpe militar de 1889, que restituiu o poder político à oligarquia derrotada pela abolição.
Rebouças terminou seus dias na Ilha da Madeira, em 1898, após ter trabalhado em projetos de engenharia no continente africano. Morreu aos 60 anos, na solidão dos justos que nasceram antes do seu tempo.
A Democracia agrária
Pouco lembrado é o fato de que André Rebouças foi também o primeiro pensador brasileiro a formular uma teoria sistemática da reforma agrária, que ele denominou “Democracia Rural Brasileira”.
Nessa concepção, a abolição da escravidão só seria plena se acompanhada pela redistribuição da terra, única forma de garantir a igualdade material e a produtividade do campo.
Como ele escreveu:
“Quem detém a terra, detém o homem.”
Essa frase resume não apenas um diagnóstico econômico, mas uma crítica radical à estrutura de poder brasileira, que persiste, sob novas formas, até os dias de hoje.
A história de André Rebouças deve ser permanentemente resgatada — não apenas em reconhecimento a seus méritos, mas como fonte de orientação ética e cívica para engenheiras e engenheiros de todas as gerações.
Sua trajetória nos convoca a compreender a engenharia não apenas como técnica, mas como instrumento de emancipação nacional, comprometida com a vida e o bem-estar do povo brasileiro — especialmente dos que ainda hoje enfrentam as heranças da exclusão, antes nas senzalas, agora nas periferias.
Cabe a nós prosseguir sua obra, pois, embora a escravidão tenha sido juridicamente abolida em 1888, o racismo, a pobreza e a fome continuam a desafiar o projeto civilizatório que ele vislumbrou.
A própria engenharia brasileira reflete essa desigualdade: milhões de cidadãos ainda não têm acesso à infraestrutura básica, à habitação digna e à educação tecnológica que deveriam ser direitos universais.
Por isso, mais do que comemorar o passado, é preciso reafirmar o futuro que André Rebouças sonhou — um Brasil em que o conhecimento técnico esteja a serviço da justiça social e da soberania popular.
Palavras finais
“Quando eu morrer, dirão: foi o maior inimigo dos fazendeiros — epitáfio que me agrada muito pela novidade, porque nunca ninguém o teve no Brasil e, por ora, ainda ninguém quer ter.
Mas a herança aí fica, e verá que aparecerão logo muitos apóstolos da Democracia Rural Brasileira.
Quanto a mim, desejo apresentar-me ao Juiz Supremo, dizendo: trabalhei o quanto pude para extirpar do mundo o monopólio da terra e a escravização dos homens.”
* Presidente do Clube de Engenharia do Brasil – CEB
** Diretor do Clube de Engenharia do Brasil – CEB
Fonte: Brasil247



