Por Vicente Loureiro*
Publicado originalmente no Nova Iguassu Online

Tomo emprestado um termo da matemática para classificar um pedaço do território metropolitano onde se assenta o ramal de trens de Belford Roxo. Não é o único a poder assim ser classificado, mas é o mais emblemático. Sofreu e ainda segue sofrendo diversas influências externas e internas, a ponto de gerar a impressão de que sobre ele ninguém mais consegue exercer o domínio pleno das funções para o qual foi estabelecido: o de receber e guardar as instalações e demais estruturas necessárias à operação de uma ferrovia.

Sua degradação vem de longe, já a recuperação exigirá orquestração competente de diversas políticas públicas setoriais temperadas de muita perseverança, pois consumirá, além de recursos, tempo e firmeza de propósitos. Não será tarefa fácil e muito menos simples resolver o sarapatel de insurgências praticadas nos 32 km de extensão do ramal “contradominado”.

A primeira constatação é a de que o entorno da ferrovia viveu nas últimas décadas visível degradação urbanística, marcada por um modelo de desenvolvimento, ao mesmo tempo, produtor de excluídos e de precarização dos subúrbios. Até as construções mais graciosas, que guardavam certo charme e elegância, perderam o viço, aparecendo agora, na maioria dos casos, envelhecidas, maltratadas e, por vezes, pichadas, conformando um ambiente entristecido, anunciando onde reside e vai se ajeitando a pobreza.

Contribuiu certamente para esse semblante ensimesmado da vida suburbana o emparedamento do ramal, fruto da substituição das grades por muros altos de concreto da cor cinza chumbo, como os anos em que foram construídos durante a ditadura militar. Só se pode ver pedaços de cidade quando próximo a algumas estações, as grades mantidas permitem enxergar as ruas e praças com gente a circular em volta do pequeno comércio resistente as crises e a dinâmica de desvalorização imobiliária vigente ao longo de quase todo ramal.

Mas os descuidos não são só os de fora para dentro. No interior da chamada faixa, que um dia já teve sob domínio, surgiram e continuam surgindo moradias irregulares. De início, produzidas de modo esparso e com materiais de circunstância, porém a medida que o tempo passa vãos se consolidando em construções de alvenaria com jeito até de acabadas. Tomando cara de “vilas”, tendo o muro como limite externo e os trilhos como limite intransponível. Arrisco dizer: em pelo menos 10% da extensão do ramal, já brotam centenas dessas moradias.

Uma dessas vilas, a mais precária, abriga uma “cracolândia” em visível fase de crescimento. Ao lado dela, uma estação de trens construída em parceria com a iniciativa privada foi tomada pelo tráfico de drogas. As viagens ali vendidas são para destinos incertos e não sabidos. Será um desafio imenso botar novamente os trens nos trilhos, sem trocadilho. Impõe-se uma reversão: fazer todo aquele território, dotado de uma infraestrutura de transporte de alta capacidade, voltar a ser um lugar desejável de morar e coalhado de oportunidades para sua gente. Uma aposta em ações integradas e permanentes de governos e na crença de que no subúrbio ainda pode vir morar parte do nosso futuro.

*Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade

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