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A Luta Pela Manutenção do Controle Nacional sobre o Petróleo no Brasil pós-1988

Carta Maior | Política | 15 de fevereiro de 2015

Entenda como, desde o governo Collor, tentaram reduzir a dimensão econômica da Petrobras, propondo o fim do monopólio estatal e a privatização da empresa.

Por Gilberto Bercovici*

A disputa sobre a manutenção da nacionalização do subsolo ou o favorecimento ao capital estrangeiro no setor de mineração foi intensa durante a Assembleia Nacional Constituinte. A Constituição de 1988, ao determinar que a propriedade do subsolo e dos bens minerais é da União (artigos 20, IX e 176, caput), consagra o processo de nacionalização do subsolo iniciado em 1934. A constitucionalização do monopólio do petróleo também foi mantida e ampliada pela Assembleia Nacional Constituinte de 1987-1988. Todas as atividades componentes do monopólio estatal do petróleo foram mantidas, assim como o monopólio sobre o gás natural, com exceção do setor de distribuição de combustíveis e derivados do petróleo, conforme determinou o artigo 177 da Constituição de 1988.

Apesar desta garantia constitucional do monopólio estatal do petróleo, a Petrobrás seria combatida desde o Governo de Fernando Collor de Mello, com políticas visando reduzir sua dimensão econômica e, em última análise, propondo o fim do monopólio estatal do petróleo e a própria privatização da empresa. Várias subsidiárias da Petrobrás foram privatizadas, como a Interbrás e a Petromisa, além da Fosfértil e outras subsidiárias do setor de fertilizantes, e da venda de participações da Petrobrás e da subsidiária Petroquisa em vários empreendimentos da indústria petroquímica.

Por sua vez, o Presidente Fernando Henrique Cardoso propôs a “flexibilização” do monopólio da União sobre o petróleo, com o argumento de que haveria carência de recursos para investir na exploração petrolífera. A ampliação das reservas do país seria uma tarefa que não poderia ser exercida mais somente pela Petrobrás. Além disto, o discurso em defesa da proposta de emenda enfatizava a necessidade da Petrobrás concorrer com outras empresas e, para tanto, a empresa estatal deveria perder a responsabilidade de prover o abastecimento de petróleo e derivados do mercado interno. As funções da Petrobrás precisariam ser separadas das funções da União, que deveria retomar o controle do setor e estabelecer a política nacional do petróleo. Em suma, a exclusividade da Petrobrás como executora do monopólio estatal seria quebrada.

A proposta de emenda constitucional obteve 364 votos a favor, 141 contra e 3 abstenções na votação em primeiro turno da Câmara dos Deputados, ocorrida em 7 de junho de 1995. Após a aprovação da proposta de emenda constitucional na Câmara dos Deputados, o Presidente Fernando Henrique Cardoso teve que se comprometer publicamente em excluir a Petrobrás do programa de privatizações, o que foi, posteriormente, assegurado pelo artigo 3º da Lei nº 9.491, de 09 de setembro de 1997. Após este compromisso, o Senado realizou as votações, em 18 de outubro e 08 de novembro de 1995, registrando 60 votos a favor e 15 contra a “flexibilização” do monopólio estatal do petróleo.

A Emenda Constitucional nº 9, de 09 de novembro de 1995, extirpou do texto constitucional a Petrobrás como executora única do monopólio, mas manteve o monopólio da União sobre o petróleo, que pode explorá-lo diretamente ou por meio de concessões a empresas estatais ou privadas, inclusive de capital estrangeiro. O legislador ordinário modificou, assim, um dos princípios ideológicos originários estabelecidos pela Assembleia Nacional Constituinte, consagrando a vitória, pela via da emenda constitucional, dos derrotados na elaboração da Constituição de 1988.

Após a aprovação da Emenda nº 9/1995, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional, em 05 de julho de 1996, a Mensagem nº 639, que se converteu no Projeto de Lei nº 2.142/1996, propondo que a Petrobrás deixasse de ser a única executora do monopólio estatal do petróleo e criando a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que seria a responsável pela gestão do monopólio. O Relator na Câmara, Deputado Eliseu Resende (PFL-MG), elaborou um Projeto Substitutivo a partir da proposta do Executivo, sendo este Substitutivo votado em regime de urgência constitucional na Câmara dos Deputados e no Senado e convertido na Lei nº 9.478, de 06 de agosto de 1997, chamada por alguns de “Lei do Petróleo”.

Embora tenha se comprometido a não privatizar a Petrobrás, com a aprovação da Lei nº 9.478/1997, o Governo Fernando Henrique Cardoso promoveu uma “privatização parcial” da empresa, vendendo cerca de 180 milhões de ações que estavam sob o controle da União. A participação da União caiu de 82% para cerca de 51% do total de ações com direito a voto. Deste montante, apenas 25% foram adquiridas no Brasil, por 310 mil optantes do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). O restante das ações foi vendido para investidores internacionais. Com esta operação, a Petrobrás obteve a incorporação de uma série de acionistas minoritários vinculados ao capital estrangeiro, pagando, segundo Carlos Lessa, dividendos a acionistas residentes no exterior em volumes muitas vezes mais elevados do que os salários ou juros pagos pela empresa. Esta alteração societária tornou a atuação da Petrobrás muito mais voltada para interesses comerciais, não necessariamente estratégicos, do que já vinha sendo até então.

O abastecimento nacional de combustíveis é um serviço de utilidade pública (artigo 1º, §1º da Lei nº 9.847, de 26 de outubro de 1999). No entanto, a Lei nº 9.487/1997 não garante o suprimento de petróleo e derivados para o mercado interno a médio e longo prazos, pelo contrário. O artigo 23 da Lei nº 9.478/1997, por exemplo, omite qualquer disposição sobre a preservação das reservas petrolíferas e dos direitos de exploração da União como critérios para as concessões, abrindo a possibilidade para que a Agência Nacional do Petróleo possa realizar concessões indiscriminadas e incentivar a exploração predatória. Já a determinação do artigo 60 libera a exportação de petróleo e derivados caso a produção seja superior à demanda interna, sem se preocupar com a constituição de reservas para a auto suficiência nacional ou o balanço de pagamentos.

Os defensores da Lei nº 9.478/1997 alegam que, a partir de sua promulgação, a Petrobrás passou a atuar em regime de livre competição com outras empresas petrolíferas, devendo celebrar os contratos de concessão sem quaisquer privilégios, como uma empresa qualquer. No entanto, a Lei nº 9.478/1997 tem uma série de dispositivos especialmente redigidos no sentido de serem p
rejudiciais à atuação da empresa estatal. O artigo 33 da lei estabelece o prazo de três anos para que a Petrobrás prossiga nos trabalhos de exploração e desenvolvimento nos campos em que tenha realizado descobertas comerciais ou investimentos na exploração. No entanto, ela só poderia prosseguir nas atividades de produção caso comprovasse sua capacidade de investimento. A comprovação financeira da capacidade de investimento não é exigida, nesta lei, para nenhuma outra empresa que pretenda atuar no setor petrolífero, só para a Petrobrás. Outra disposição discriminatória é a constante nos artigos 58 e 59, que facultam a qualquer interessado o uso dos dutos de transporte e dos terminais marítimos existentes ou a serem construídos. Ou seja, a Petrobrás deve compartilhar toda a sua infraestrutura, construída com recursos públicos, com seus concorrentes privados, sem que estes tenham que investir nada, bastando que “haja comprovado interesse de terceiros em sua utilização” (artigo 59).

O petróleo e os recursos minerais são bens da União por determinação dos artigos 20, IX e 176, caput da Constituição de 1988. O debate se dá em torno da sua classificação como bens públicos de uso especial ou bens públicos dominicais. Para os defensores do petróleo e dos recursos minerais como bens dominicais, esta definição não impediria a possibilidade de serem afetados para usos específicos. Estes recursos seriam bens públicos exauríveis, afetados, porém alienáveis, pois teriam uma finalidade que implica em sua utilização, portanto, em sua alienação.

Estas concepções, no entanto, estão equivocadas. O petróleo e os recursos minerais são bens públicos de uso especial, bens indisponíveis cuja destinação pública está definida constitucionalmente: a exploração e aproveitamento de seus potenciais. A exploração do petróleo e dos recursos minerais está vinculada aos objetivos fundamentais dos artigos 3º, 170 e 219 da Constituição de 1988, ou seja, o desenvolvimento, a redução das desigualdades e a garantia da soberania econômica nacional. Trata-se de um patrimônio nacional irrenunciável.

Em decorrência disto, a natureza jurídica do contrato de concessão de exploração de petróleo, assim como o contrato de concessão de lavra mineral, é a de um contrato de concessão de uso de exploração de bens públicos indisponíveis, cujo regime jurídico é distinto em virtude da Constituição e da legislação ordinária, portanto, a de um contrato de direito público. Estas concessões são atos administrativos constitutivos pelos quais o poder concedente (a União) delega poderes aos concessionários para utilizar ou explorar um bem público.

Ainda em relação à natureza jurídica do petróleo como bem público, a questão da propriedade sobre o resultado da lavra do petróleo e gás natural foi debatida no Supremo Tribunal Federal no contexto da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3273-9/DF, impetrada pelo Governador do Paraná, Roberto Requião, alegando a inconstitucionalidade de uma série de dispositivos da Lei nº 9.478/1997, especialmente o seu artigo 26, caput, que atribui ao concessionário a propriedade do petróleo ou gás natural assim que extraídos.

Para os defensores da constitucionalidade do artigo 26, caput da Lei nº 9.478/1997, a Emenda Constitucional nº 9/1995 teria equiparado o regime jurídico aplicável ao petróleo e gás ao dos demais bens minerais previstos no artigo 176 da Constituição. O concessionário teria o direito de propriedade sobre o produto da lavra, ao se aplicar o disposto no artigo 176, caput da Constituição ao petróleo, regido pelo artigo 177, com a interpretação de que o artigo 176 seria a “regra geral” para a exploração de todos os recursos minerais de titularidade da União, inclusive o petróleo.

Os que entendem a inconstitucionalidade da Lei nº 9.478/1997 afirmam que as jazidas de petróleo são bens públicos indisponíveis da União. No entanto, o artigo 26 da Lei nº 9.478/1997 atribui a propriedade do petróleo, quando extraído, ao concessionário. A Lei nº 9.478/1997 teria migrado, assim, do monopólio estatal ao extremo oposto da titularidade dos concessionários. Este artigo seria inconstitucional, pois a propriedade do petróleo e gás natural, mesmo após extraídos, de acordo com o artigo 20, IX da Constituição, é da União. A questão da inconstitucionalidade do artigo 26 da Lei nº 9.478/1997 estaria ligada também à manutenção ou não do monopólio estatal do petróleo. Se o monopólio foi mantido pela Emenda Constitucional nº 9/1995, a União não poderia transferir a propriedade do produto da lavra para o concessionário.

A maioria do Supremo Tribunal Federal acompanhou o voto elaborado, após um pedido de vista, pelo Ministro Eros Grau, na sessão ocorrida em 16 de março de 2005, considerando improcedente a ação direta de inconstitucionalidade. Em seu voto, o Ministro Eros Grau discordou da natureza jurídica do petróleo como bem público de uso especial, entendendo-o como um bem público dominical. Embora tenha afirmado, corretamente, que o monopólio diz respeito à atividade econômica, não à propriedade dos bens, o Ministro Eros Grau defendeu a posição de que a transferência da propriedade do resultado da lavra das jazidas de petróleo e gás natural para terceiros seria constitucional, pois não afetaria o monopólio estatal da atividade, previsto no artigo 177. Deste modo, seria aplicável ao petróleo e ao gás natural o mesmo tratamento dado aos concessionários da exploração dos demais recursos minerais, conforme disposto no artigo 176, caput da Constituição. Além disto, a propriedade do concessionário sobre o produto da lavra seria relativa, pois sua comercialização continuaria a ser administrada pela União, por meio da Agência Nacional do Petróleo.

A decisão da maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal foi, no entanto, absolutamente equivocada. O artigo 26, caput da Lei nº 9.478/1997 é inconstitucional, pois viola o disposto nos artigos 20, IX e 177 da Constituição. O petróleo e o gás natural são bens inalienáveis da União, bens de uso especial, como os demais recursos minerais. A diferença entre o regime jurídico dos recursos minerais em geral (artigo 176) e o regime jurídico do petróleo, gás natural e minérios nucleares (artigo 177) é, justamente, o fato destes últimos terem sido monopolizados pela União. A autorização constitucionalmente manifestada no artigo 176, caput de que o produto da lavra mineral é propriedade do conce
ssionário é uma exceção de alienabilidade ao regime jurídico dos bens minerais, por isso é expressa constitucionalmente. A regra é a inalienabilidade dos recursos minerais. Nos casos de concessão, é estipulada a exceção do artigo 176, caput. Se, de fato, como entendeu a maioria do Supremo Tribunal Federal, a Emenda nº 9/1995 e a Lei nº 9.478/1997 tornaram aplicável à exploração do petróleo e do gás natural as mesmas regras gerais previstas no artigo 176, especialmente a atribuição da propriedade do produto da lavra ao concessionário, não resta mais nenhuma distinção entre uma concessão de exploração de minérios e uma concessão de exploração de petróleo ou gás natural. Ora, a propriedade da União sobre o produto da lavra do petróleo e gás natural é mantida pela Constituição justamente pelo fato de esta atividade ser monopolizada, ao contrário da lavra dos minérios em geral. Com a atribuição da propriedade do produto da lavra do petróleo e gás natural ao concessionário, o controle da atividade petrolífera deixa, concretamente, de ser monopólio da União, o que viola os artigos 20, IX e 177 da Constituição de 1988.

Em praticamente todos os países do mundo, o petróleo, o gás natural e os demais recursos minerais pertencem ao Estado. As principais exceções são os Estados Unidos e o Canadá. Os sistemas de contratos de exploração de petróleo mais utilizados são: contrato de concessão, contrato de partilha de produção e contrato de serviços.

O contrato de concessão não envolve a propriedade estatal sobre o produto da lavra, permitindo a propriedade privada dos recursos minerais. O concessionário (seja uma empresa ou um consórcio) adquire o direito exclusivo de explorar naquela área determinada, por sua conta e risco, tornando-se proprietário do petróleo produzido, o que é, no Brasil, inconstitucional, conforme os artigos 20, IX e 177 da Constituição de 1988. A receita estatal geralmente é proveniente de royalties, impostos e bônus. O titular da concessão tem direitos reais sobre o petróleo a ser explorado. O contrato de concessão é o mais tradicional e é muito questionado, pois não permite a apropriação estatal de parte considerável da renda petrolífera gerada.

Além do contrato de concessão, há também os contratos de partilha de produção, que garantem a propriedade estatal sobre os produtos petrolíferos antes de serem comercializados. São os contratos mais utilizados pelos Estados produtores de petróleo. O primeiro contrato deste tipo foi firmado na Indonésia, em 1966. Os riscos pelo investimento e desenvolvimento da produção são das empresas contratadas. Após o início da produção, as empresas podem recuperar seus gastos e custos de operação de uma parcela denominada “cost oil”. A parcela remanescente, o “profit oil”, é dividido entre a empresa e o governo, na proporção acertada no contrato. O Estado mantém total domínio sobre a propriedade dos recursos minerais, sobre os equipamentos e instalações e sobre o gerenciamento das operações de produção de petróleo. Neste tipo de contrato, os direitos reais sobre o petróleo não saem nunca do domínio do Estado.

Os contratos de serviço (service agreements), por sua vez, são instituídos para a execução de serviços mediante pagamento, mantendo o Estado como proprietário de todos os ativos petrolíferos. No caso de não possuir a cláusula de risco, os riscos são do Estado contratante. Caso possua cláusula de risco, os riscos e custos são da empresa contratada. Os defensores dos contratos de risco nos anos 1970 afirmavam que este tipo de contrato não feria o monopólio estatal, pois havia substituído, nos países que o adotaram, os “antigos regimes de concessão”, nos quais a propriedade do petróleo era transferida aos concessionários, deixando em suas mãos a decisão sobre aumentar ou diminuir a produção, de acordo com seus interesses privados. A maior parte dos conflitos sobre petróleo, inclusive, teria sido gerada pelo modelo de exploração das jazidas, com base nos contratos de concessão.

O modelo dos contratos de concessão foi o adotado pelo Brasil em 1997, modelo este que não poderia ser mais inadequado, tendo em vista o interesse público na exploração e produção de petróleo e gás natural. Além dos seus problemas estruturais, mencionados acima, não se pode relegar o fato de que a Lei nº 9.478/1997, que instituiu o modelo das concessões petrolíferas, é inconstitucional, pois o concessionário não pode ser proprietário do produto da lavra, sob pena de contrariar o fato de que o petróleo é um bem público de uso especial e é também monopolizado pelo Estado (artigos 20, IX e 177 da Constituição de 1988). Também há necessidade de revisão da Lei nº 9.478/1997 para resgatar o papel da Petrobrás como executora da política nacional do petróleo.

O debate sobre a apropriação do excedente das atividades de exploração de petróleo e recursos minerais ganhou novo alento com as descobertas das jazidas do pré-sal. O Presidente Luís Inácio Lula da Silva encaminhou, então, ao Congresso Nacional alguns projetos de lei visando modificar o marco regulatório da indústria petrolífera no Brasil.

O primeiro dos projetos a ser aprovado tornou-se a Lei nº 12.276, de 30 de junho de 2010, que autoriza a União a ceder onerosamente à Petrobrás o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural nas áreas não concedidas do pré-sal. A cessão produz efeitos até a extração do valor equivalente a 5 bilhões de barris de petróleo (artigo 1º, §2º da Lei nº 12.276/2010), autorizando a União a ampliar, assim, sua participação no capital da Petrobrás (artigo 9º da Lei nº 12.276/2010). O valor do barril de petróleo para a cessão onerosa foi fixado em 8,51 dólares pelo Presidente Lula, após análise dos estudos técnicos feitos a pedido da Agência Nacional do Petróleo. Com a cessão onerosa da União, promoveu-se uma operação de capitalização da Petrobrás, encerrada em 24 de setembro de 2010, que arrecadou cerca de 120 bilhões de reais, dos quais 74,8 bilhões foram provenientes da União. Os recursos obtidos garantem o cumprimento do plano de investimentos da empresa para a exploração de petróleo nas jazidas do pré-sal até 2014. Além disso, a participação da União passou de cerca de 40% do capital e 55% das ações ordinárias para cerca de 47% do capital e 64% das ações ordinárias da Petrobr
ás, o que ainda está muito longe dos 82% de ações ordinárias que a União detinha antes da “privatização branca” do Governo Fernando Henrique Cardoso.

Ainda em relação a este ponto, creio que algumas considerações devam ser feitas. A sociedade de economia mista, como a Petrobrás, tem por características essenciais a não exclusividade de capital público, a necessidade de ter sua criação autorizada por lei e a forma de sociedade anônima. A sociedade de economia mista é um instrumento de atuação do Estado, não existe para atender a interesses privados. Como afirma Celso Antônio Bandeira de Mello, a personalidade jurídica de direito privado da sociedade de economia mista é um mero expediente técnico, pois ela maneja recursos majoritariamente públicos. Não há, portanto, igualdade entre os acionistas minoritários e o Estado controlador da sociedade. O Estado possui uma série de prerrogativas e poderes exorbitantes na gestão das sociedades de economia mista. O Estado se relaciona com a estrutura societária da sociedade de economia mista não apenas como um acionista, mas como “Estado-poder”. Se o Estado atua em igualdade com os demais acionistas, a empresa não é uma sociedade de economia mista, mas uma mera sociedade com participação estatal. A missão da Petrobrás não é “defender seus acionistas”. E, mesmo se isso fosse verdade, não se pode esquecer que o proprietário do controle acionário da Petrobrás, assim como de qualquer empresa estatal, é o povo brasileiro.

A Lei nº 12.304, de 2 de agosto de 2010, autoriza o Poder Executivo a criar a empresa pública Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. – Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), vinculada ao Ministério das Minas e Energia. A PPSA está sendo criada para gerir os contratos de partilha de produção celebrados e os contratos de comercialização de petróleo e gás natural da União (artigo 2º da Lei nº 12.304/2010). Suas funções não são de execução, mas de gestão contratual, fiscalização e representação da União em relação a todos os contratos de partilha de produção celebrados pelo Ministério das Minas e Energia (artigos 2º e 4º da Lei nº 12.304/2010). Como empresa pública, todo seu capital social pertence à União (artigo 6º da Lei nº 12.304/2010).

Finalmente, com a aprovação da Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, o regime de exploração e produção do petróleo e gás natural das jazidas do pré-sal e nas áreas consideradas estratégicas pelo Poder Executivo passam do inadequado e inconstitucional contrato de concessão para o contrato de partilha de produção (artigo 3º da Lei nº 12.351/2010). O modelo de partilha de produção é muito mais apropriado para a exploração do petróleo por concessionários ou contratados, cuja proposta é considerada mais vantajosa de acordo com o critério da oferta de maior excedente em óleo para a União, ou seja, da parcela da produção a ser repartida entre a União e o contratado, cujo percentual mínimo é proposto pelo Ministério das Minas e Energia ao Conselho Nacional de Política Energética (artigos 2º, III, 10, III, ‘b’ e 18 da Lei nº 12.351/2010). A propriedade do petróleo e do gás natural não é atribuída, de forma inconstitucional, ao contratado. O petróleo e o gás natural continuam sob o domínio da União, como determinam os artigos 20, IX e 177 da Constituição. O contratado assume todos os riscos (artigos 2º, I, 5º, 6º e 29, II e X da Lei nº 12.351/2010) e é remunerado por suas atividades (o “custo em óleo” do artigo 2º, II da Lei nº 12.351/2010). O prazo de vigência do contrato é limitado a 35 anos (artigo 29, XIX da Lei nº 12.351/2010)

O Ministério das Minas e Energia readquire o controle sobre o planejamento do setor de petróleo e gás natural (artigo 10, I da Lei nº 12.351/2010) e passa a celebrar os contratos em nome da União, cuja gestão cabe à PPSA (artigo 8º da Lei nº 12.351/2010). A PPSA é, também, integrante obrigatória de todos os consórcios de exploração, seja com a Petrobrás isoladamente seja em conjunto com a Petrobrás e outros licitantes (artigos 19, 20, caput e 21 da Lei nº 12.351/2010) e deve indicar metade dos integrantes do comitê operacional (artigo 23, parágrafo único da Lei nº 12.351/2010), responsável pela administração do consórcio (artigos 22 e 24 da Lei nº 12.351/2010), inclusive seu presidente, que tem poder de veto e voto de qualidade (artigo 25 da Lei nº 12.351/2010).

A Petrobrás é a operadora de todos os blocos contratados sob o regime de partilha de produção, com participação mínima assegurada de 30% nos consórcios de exploração, podendo ser esta participação mínima ser ampliada a partir de proposta do Ministério das Minas e Energia ao Conselho Nacional de Política Energética (artigos 4º, 10, III, ‘c’, 19, 20 e 30 da Lei nº 12.351/2010). A União, também pode contratar a estatal diretamente, sem licitação, para realizar estudos exploratórios (artigo 7º, parágrafo único da Lei nº 12.351/2010) ou para explorar e produzir em casos em que seja necessário preservar o interesse nacional e o atendimento dos objetivos da política energética (artigos 8º, I e 12 da Lei nº 12.351/2010). A comercialização do petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos destinados à União será realizada pelas normas de direito privado, sem licitação, de acordo com as diretrizes definidas pelo Conselho Nacional de Política Energética (artigos 9º, VI e VII e 45, caput da Lei nº 12.351/2010). A PPSA é a representante da União para a comercialização destes bens e pode contratar diretamente a Petrobrás, dispensada a licitação, como agente comercializador do petróleo, gás natural e hidrocarbonetos da União (artigo 45, parágrafo único da Lei nº 12.351/2010). A previsão da Petrobrás como operadora única não é nenhuma inovação brasileira na legislação petrolífera. Este tipo de previsão existe em vários regimes de exploração petrolífera, na maior parte das regiões produtoras do mundo.

A mesma argumentação utilizada durante a “Campanha do Petróleo”, na década de 1950, foi acionada novamente contra a presença do Estado no setor petrolífero. Os críticos da proposta encaminhada de mudança de modelo exploratório alegaram que a Emenda Constitucional nº 9, de 1995, teria instaurado o regime de livre competição no setor petrolífero. Para estes autores, a ideologia adotada pela Constituiç&
atilde;o de 1988 para o petróleo teria por objetivo a adoção da “regulação para a concorrência”, isto é, a regulação da atividade monopolizada deveria ser efetuada de modo a introduzir a concorrência no setor. Ou seja, a abertura do setor petrolífero seria uma “exigência constitucional”. Logicamente, esta “regulação para a concorrência”, que seria justificada pela globalização e pelos “benefícios trazidos à sociedade” (quaisquer que sejam estes), deveria, como todos os setores entregues à iniciativa privada no Brasil, proporcionar incentivos fiscais e financiamento público para os agentes econômicos privados. O curioso é exigir concorrência em um setor que é monopolizado constitucionalmente pelo Estado.

A Emenda Constitucional nº 9/1995 deu à União a opção de escolher entre a manutenção do sistema de atuação estatal direta ou a adoção de outro sistema, com a possibilidade de contratação de empresas estatais e privadas. A União, portanto, pode atuar diretamente no setor do petróleo, por meio de empresa estatal sob o seu controle acionário (artigo 62 da Lei nº 9.478/1997, que garante o controle acionário da União sobre a Petrobrás). O monopólio estatal no exercício das atividades no setor petrolífero foi extinto, mas não o monopólio estatal destas atividades. O regime jurídico-constitucional do petróleo é um caso típico de exercício do monopólio estatal com “quebra de reserva”, por meio de concessões a particulares. A União é quem tem a competência constitucional de decidir quem pode exercer as atividades econômicas no setor de petróleo e gás natural, ou seja, há um “monopólio de escolha do Poder Público”.

Um dos problemas criados com a aprovação da Lei nº 12.351/2010 é o da existência de um modelo dual de exploração do petróleo e do gás natural no país, com áreas submetidas ao regime jurídico do contrato de partilha de produção (Lei nº 12.351/2010) e áreas submetidas ao regime jurídico do contrato de concessão (Lei nº 9.478/1997). Esta sobreposição de regimes jurídicos, um deles, o da concessão, inclusive, inconstitucional, não traz nenhum benefício ao país. A melhor alternativa seria a unificação do modelo de exploração dos recursos petrolíferos, de preferência sob um regime adequado ao texto constitucional, como o modelo da partilha de produção, que mantém o domínio da União sobre bens públicos de uso especial, conforme determinam os artigos 20, IX e 177 da Constituição de 1988. A ampliação do controle estatal, socialização, reestatização ou renacionalização do petróleo e gás natural, qualquer que seja a denominação deste processo, é essencial para que possa ocorrer sua reapropriação popular, transformando bens comerciais em bens sociais. O petróleo e os recursos minerais constituem os elementos-chave para promover o desenvolvimento autônomo do país, portanto, redirecionar os recursos minerais para o desenvolvimento do mercado interno e para a industrialização significa também concretizar a nossa soberania econômica.

O Brasil, em seu processo de formação econômica, sempre oscilou entre duas grandes tendências e as descobertas do pré-sal podem conduzir o país tanto em uma, como em outra direção. Uma é a constituição de um sistema econômico nacional, autônomo, com os centros de decisão econômica internalizados e baseado na expansão do mercado interno, em um processo de desenvolvimento vinculado a reformas estruturais. A outra consiste no modelo dependente ou associado, com preponderância das empresas multinacionais e do sistema financeiro internacional, dependente financeira e tecnologicamente e vinculado às oscilações externas da economia mundial.

A constituição de um sistema econômico nacional autônomo, nacionalmente integrado e fundado na expansão do mercado interno por meio da industrialização não é uma via de desenvolvimento consolidada no Brasil. Interesses econômicos e políticos, internos e externos, extremamente poderosos, ainda sonham e lutam por transformar o país em uma grande plataforma de exportação de produtos primários, agrícolas e minerais, buscando de ciclo em ciclo uma melhor inserção no mercado internacional.

A boa ou má utilização dos recursos petrolíferos descobertos na camada do pré-sal será decisiva neste embate e, se formos levar em consideração os violentos e incessantes ataques contra a Petrobrás e o modelo de exploração dos recursos petrolíferos que assegure o controle estatal, o Brasil parece estar caminhando não para o rumo da superação do subdesenvolvimento e da soberania energética, mas para repetir, mais uma vez, a entrega dos seus recursos e de suas riquezas à voracidade dos interesses antinacionais e contrários ao desenvolvimento do país.

A recuperação do controle nacional sobre os recursos naturais, especialmente o petróleo, portanto, não é um desejo. É uma necessidade. É neste sentido que devem ser compreendidas as palavras proferidas pelo General Horta Barbosa, durante a célebre conferência no Clube Militar, no início da “Campanha do Petróleo”, em 30 de julho de 1947: “O petróleo pertence à Nação, que há de dividi-lo, igualmente, por todos os seus filhos”. A Petrobrás e o petróleo do Brasil não pertencem aos “acionistas” ou aos “investidores”, mas pertencem a todos os brasileiros, sem exceção.

(*)Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

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