Por Luiz Alfredo Salomão, empresário e conselheiro vitalício do Clube de Engenharia
Publicado em O Globo
O Senado aprovou a nova Lei de Licitações e Contratos e enviou o projeto para sanção presidencial. Substituta da Lei 8.666/93, a nova lei é importante porque normatizará os processos de licitação para compra, locação, concessão ou permissão de uso de bens públicos, prestação de serviços, obras e serviços de arquitetura e engenharia, pelos órgãos públicos das administrações diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação, dos três Poderes, além dos fundos especiais. Isso corresponde a muitos bilhões de reais anualmente.
A nova Lei é progressista em vários aspectos, mas cumpre destacar um ponto: o seguro-garantia do fiel cumprimento do objeto do contrato, que as grandes empreiteiras já quiseram usar como barreira ao acesso das pequenas e médias às compras governamentais e à obras públicas. A Lei 8.666, no entanto, limitou o seguro e outras formas de garantia a 5% do valor do contrato.
No exterior, o seguro-garantia é muito praticado, mas o empreiteiro é submetido à fiscalização por engenheiros da seguradora. Se o contratante obrigar o contratado a possuir apólice de seguradora, em tese o projeto licitado será fiscalizado rigorosamente por esta última. No Brasil, as seguradoras não fiscalizam nada.
Por óbvio, o executor da obra embute os custos financeiros das garantias no valor cobrado pela execução do projeto. Como a sinistralidade do seguro-garantia no Brasil é muito baixa, o prêmio pago pelo contratado é relativamente barato. Por isso esta modalidade é uma alternativa menos onerosa do que a caução ou a fiança bancária, onde se imobilizam recursos da empresa. O problema é que o seguro-garantia é concedido em função do patrimônio líquido do contratado, constituindo assim uma barreira para médios e pequenos empresários competirem nas obras de maior valor.
Não é do interesse público onerar custos cobrindo riscos com um seguro de 100% do valor da obra, pois a mesma é executada em etapas. Numa obra civil, por exemplo: fundações, estruturas, fechamentos, revestimento etc. Desse modo, a experiência mostra que basta o seguro-garantia cobrir cada etapa com 5% do valor da obra e que haja um acompanhamento rigoroso dos fiscais de sua execução, interrompendo-a logo que ficar demonstrada a incapacidade do executor de cumprir o objeto.
Há anos, a forma tradicional de garantia do contratante no Brasil é feita pela retenção de 5% do valor da fatura cobrada a cada medição do que foi feito, constituindo, ao final, uma caução de 5% do valor total da obra. Tal valor será devolvido ao contratado se a obra não apresentar problemas. Se houver, o valor da reparação será descontado da caução.
A Nova Lei de Licitações ratifica o atual limite da garantia de 5% do valor do contrato (art. 95), mas pretende criar duas exceções: uma, em que o seguro-garantia pode ir a 10%, para obras de altos risco e complexidade técnica (art. 97); e outra, vai a até 30% quando a obra for de grande vulto (mais de R$ 200.000.000,00) (arts. 98 e 101) e a seguradora assinar como corresponsável.
As seguradoras brasileiras que operam seguro-garantia são de porte pequeno e médio. As grandes não se interessam por tal ramo. Mas num mercado turbinado para 30% do valor das obras, seria muito atraente para as seguradoras e bancos estrangeiros que operam em performance bond. Seria também uma isca apetitosa para atrair para as obras públicas e privadas de grande porte as construtoras daqueles países, que mantêm laços com mega-seguradoras e bancos.
A maioria das construtoras brasileiras e as entidades que defendem a engenharia nacional desejam que o presidente Bolsonaro vete tais dispositivos. Poder-se-ia, então, discutir regras para assegurar a boa execução das obras públicas, com segurança para os contratantes, mas sem artifícios que prejudiquem as empresas brasileiras.