Histórias que não podem se perder na memória têm, muitas vezes, o papel de contribuir para a construção do futuro de uma nação que ousa buscar sua independência tecnológica. Exatamente por esta razão, quando o primeiro voo do AMX nacional completou 30 anos, em 2015, a área de Defesa nacional, em especial a indústria aeronáutica, comemorou importante conquista ainda hoje desconhecida da maioria dos brasileiros.
Tudo começou quando a Força Aérea Brasileira – FAB planejou e investiu em capacitação industrial e tecnológica para que a Embraer absorvesse tecnologias “nas áreas da propulsão a jato, comandos de voo fly-by-wire, softwares embarcados, e mais uma variedade de sistemas necessários para a fabricação de aeronaves mais avançadas”. O registro é de Thiago Vinholes, editor da publicação virtual Airway, especializada em notícias e histórias da aviação. O resultado foi a fabricação do AMX, avião de ataque desenvolvido em parceria com empresas italianas e que ainda hoje está entre as principais aeronaves da FAB.
“Ao combinar os conhecimentos adquiridos no início dos anos 1980, com o AMX e o turbo-hélice Brasília, lançado em 1983, a Embraer montou a receita para a criação do ERJ 145, o primeiro jato comercial fabricado no Brasil e que marcou a história da empresa, então ainda estatal, elevada à posição de uma das maiores da indústria aeronáutica mundial”, comemora Vinholes.
A afirmação é feita em artigo que divulgamos a seguir no qual o autor, à época do aniversário de 30 anos do AMX, resgatou mais um exemplar capítulo da história da afirmação da soberania nacional.
“O AMX foi um pequeno jato para o Brasil, mas um enorme salto para indústria aeronáutica nacional.”
Por Thiago Vinholes, na “Airway”
“Quem não arrisca, não petisca. Foi isso que a Embraer fez na década de 1970, quando decidiu aumentar seu conhecimento no ramo de aeronaves militares e adquiriu a experiência que seria vital nos anos seguintes para o desenvolvimento de novos aviões. Nessa época, a empresa já havia lançado o Tucano e aprendeu a “domar” os jatos a partir do Xavante, um projeto original da italiana Aermacchi, construído sob licença no Brasil.
Para alcançar novos horizontes, a Embraer, que já havia conquistado reconhecimento no mercado com o Tucano e o turbo-hélice Bandeirante, cogitava formar parcerias com empresas estrangeiras.
Os primeiros estudos sobre uma parceria internacional surgiram em 1976 e a Embraer novamente se associou a empresa italiana Macchi (atual Aermacchi), conhecida nessa época pelo jato de ataque MB 340, e que trabalhava em um novo projeto para a Força Aérea da Itália (Aeronautica Militare). Mais adiante, a Aeritalia (atual Alenia Aeronautica) também entrou no projeto.
Em 1978, as três empresas oficializaram a parceria e anunciaram o desenvolvimento do caça subsônico AMX (sigla que corresponde: A de Aeritália, M de Macchi e X de experimental).
Em 1980, após analisar o projeto do caça ítalo-brasileiro, autoridades aeronáuticas brasileiras anunciaram na feira de aviação de Farnborough, na Inglaterra, a decisão de participar do programa italiano. O acordo entre os dois países foi assinado em 27 de março de 1981 e o avião começou a tomar forma.
Embraer no projeto AMX
O AMX, apesar do nome com referência apenas das empresas estrangeiras, tem uma boa dose de “brasilidade”. O acordo determinava que as fabricantes italianas fossem responsáveis por cerca de 70% do programa enquanto a Embraer assumiu os 30% restantes. À empresa brasileira coube o desenvolvimento e a fabricação das asas, tomadas de ar do motor, estabilizadores horizontais, tanques de combustível, trem de pouso, entre outros.
Para a campanha de ensaios de voo no Brasil, a Embraer construiu dois protótipos e um modelo para testes de fadiga. Ao mesmo tempo, na Itália, a Aeritalia e a Macchi desenvolviam seus componentes com outros cinco protótipos. A empresa brasileira ainda se aventurou pela primeira vez na criação de sistemas de navegação, ataque e controle de armamentos.
Com três empresas envolvidas no projeto e centenas de engenheiros brasileiros e italianos especializados à disposição, o desenvolvimento do AMX foi rápido. Em apenas quatro anos o avião saiu do papel e decolou. A apresentação oficial do primeiro aparelho ocorreu na Itália, em 15 de maio de 1984, e o primeiro protótipo construído no Brasil – o quarto do programa – realizou seu voo inaugural em 16 de outubro de 1985, em São José dos Campos (SP).
O primeiro AMX que voou no Brasil foi pilotado pelo comandante Luiz Fernando Cabral, um dos mais consagrados aviadores do Brasil. O “roll-out” da aeronave, quando um novo projeto é apresentado, ocorreu no dia 22 do mesmo mês e contou com a presença de autoridades brasileiras e italianas.
Em 1988, o primeiro AMX fabricado em série voou na Itália e as primeiras entregas à FAB e à Aeronautica Militare ocorreram no ano seguinte.
AMX na FAB
Ao estrear na FAB, o AMX complementou o trabalho do Xavante na função de ataque ao solo e criou uma ala de bombardeiro tático, com novas tecnologias. O jato, impulsionado por turbinas Rolls-Royce, também assumiu as operações de apoio aéreo e reconhecimento, voando com sistemas de contramedidas eletrônicas (ECM) que emitem sinais que enganam radares e outros sensores, permitindo voar sem ser detectado.
Foi a estreia da FAB com equipamentos ECM, que são usados na chamada “Guerra Eletrônica”, e também com os head-up display, a tela acima do painel com informações digitais.
Concebido para atender às dimensões continentais do Brasil e emprego na Europa, o projeto considerou a necessidade de longo alcance, incluindo a capacidade de reabastecimento em voo. Segundo o fabricante, o AMX tem autonomia de até 3.336 km (ou 4 horas e 15 minutos), voando com tanques externos, ou cerca de 900 km em perfil de combate – a aeronave carrega 3.555 litros de combustível nos tanques internos e pode levar mais 3.000 litros em tanques alijáveis nas asas.
Totalmente carregado, o AMX pode decolar com até 10.750 kg (pesa 6.700 kg vazio). A turbina capaz de gerar 5.000 kg de empuxo pode levar o caça-bombardeiro à velocidade máxima de 1.053 km/h e 13.000 metros de altitude, o que garante boa versatilidade a FAB para operar a aeronave por todo o Brasil.
Até o ano 2000, foram fabricados 200 AMX, divididos entre a Força Aérea Brasileira e a italiana. Na versão brasileira, o avião é armado com dois canhões de 30 mm e pode carregar um par de mísseis AIM-9 Sidewinder ou Piranha, fabricado no Brasil, ou até 3.800 kg de bombas convencionais. O repertório de armas do “A-1”, como foi designado pela FAB, ainda inclui mísseis antirradares MAR-1 e foguetes de ataque ao solo.
O AMX também está sendo preparado para empregar o novo míssil A-Darter, de ataque ar-ar, orientado por sensores infravermelho. Já o modelo fabricado na Itália tem canhões de 20 mm e possui sistemas para lançar modernas bombas guiadas a laser.
Na FAB, o AMX é operado pelo primeiro (Poker) e terceiro (Centauro) esquadrões do 10º Grupo de Aviação, da Base Aérea de Santa Maria (RS), e pelo primeiro esquadrão do 16º Grupo de Aviação da Base Aérea de Santa Cruz (RJ).
Batismo de fogo
Para quem duvida da capacidade do AMX, basta conferir seu extenso currículo de guerra em serviço pela Força Aérea Italiana. O caça-bombardeiro, sempre em apoio às forças da OTAN, já atuou em combates na Bósnia, na Guerra do Kosovo e também no Afeganistão, onde realizou mais de 700 missões.
O emprego mais recente da aeronave foi na Líbia. Em todas as ocasiões, o avião lançou bombas de queda livre e guiadas a laser com precisão. Nenhum AMX italiano foi perdido em combate.
AMX modernizado
Com 20 anos de serviço pela FAB, o Comando da Aeronáutica decidiu modernizar o A-1, tarefa que foi atendida pela Embraer. Anunciado em 2009, o programa “A-1M” previa a revitalização das células das aeronaves e modernização dos sistemas, como recursos de navegação, radar, armamentos, entre outras evoluções. E quem mais gostou das melhorias foram os pilotos.
O A-1M trocou os antigos indicadores analógicos por telas digitais multifuncionais, tecnologia que reduz a carga de trabalhos dos pilotos em combate, com controles automatizados e informações apresentadas de forma mais clara. Além disso, o programa de atualização reduziu os custos de manutenção da aeronave e também acelerou os processos de treinamentos de novas tripulações.
Os primeiros AMX modernizados pela Embraer entraram em operação na FAB em 2013 e o programa prevê a intervenção em 47 das 60 aeronaves desse tipo mantidas no Brasil, processo que deve ser concluído até 2017 – o AMX italiano ainda mantém as características originais. Com as reformas estruturais e a atualização dos sistemas, a vida-útil do caça-bombardeiro nacional foi estendida para até 2032.
Lições do AMX
O desenvolvimento do AMX permitiu à Embraer com a sua capacitação industrial e tecnológica planejada e paga pela FAB para possibilitar à empresa absorver tecnologias nas áreas da propulsão a jato, comandos de voo fly-by-wire, softwares embarcados, e mais uma variedade de sistemas necessários para a fabricação de aeronaves mais avançadas.
Ao combinar os conhecimentos adquiridos no início dos anos 1980, com o AMX e o turbo-hélice Brasilia, lançado em 1983, a fabricante montou a receita para a criação do ERJ 145, o primeiro jato comercial fabricado no Brasil e que marcou a história da Embraer então ainda estatal, elevando à posição de uma das maiores empresas da indústria aeronáutica mundial.
Além dos jatos da família ERJ, o conhecimento adquirido com o caça-bombardeiro também foi utilizado no desenvolvimento dos E-Jets, que hoje são sucesso mundial, atrás apenas de jatos da Airbus e Boeing em vendas. As lições aprendidas com o AMX também serão aplicadas na versão nacional do Gripen NG, que será fabricado pela Embraer e incorporado à FAB a partir de 2019.