Manifestações de diversos países em eventos sobre implantação de redes de satélite indicam necessidade de aprofundamento de discussões sobre soberania em suas implantações.
DETI – Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação
A propósito de matéria do O Globo de 17/03/2025, página 11, A Disputa Vem do Espaço, sobre a proliferação de redes satelitais no país, sua importância e aplicação em regiões de vastas áreas de precário atendimento, o Clube de Engenharia do Brasil vem se posicionando naturalmente favorável à utilização dessa infraestrutura.
Acompanhamos o projeto de fabricação do SGDC (Satélite Geoestacionário de Defesa e Comunicações) e de seu lançamento em 2017. Em setembro do mesmo ano, estivemos em audiência pública no Senado Federal, e defendemos que o projeto original de sua utilização para uso das Forças Armadas, áreas governamentais e atendimento social de áreas desassistidas fosse mantido. Optou-se por uma exploração comercial entregue a uma operadora americana, a Viasat. Conforme mencionou O Globo na matéria acima, continuamos atualmente com cerca de 29 milhões de pessoas sem acesso à internet, de acordo com pesquisa TIC Domicílios do Comitê Gestor de Internet no Brasil (CGI.br).
Em 2022, foi dada autorização pelo Ministério das Comunicações (MCom) para que a Starlink iniciasse seu oferecimento comercial de acessos no Brasil em sua constelação de satélites de baixa órbita LEO (do inglês, Low Earth Orbit). No periódico Clube de Engenharia em Revista, de setembro de 2023, abordamos o tema com o título 5G Via Satélite: Novo Acesso Complementa a Rede Terrestre, onde finalizávamos:
Dessa maneira, recomenda-se que desde já o Ministério das Comunicações e a ANATEL se debrucem sobre o assunto, e estabeleçam as normas de atuação desses conglomerados que prestam serviços públicos satelitais diretos aos usuários em nosso país, de forma que a sociedade brasileira possa usufruir desses avanços de tecnologia mantendo o interesse do desenvolvimento e soberania nacionais.
Nas recentes divergências entre a rede social X e o Supremo Tribunal Federal (STF), que também envolveu a Starlink, ficou evidenciada a necessidade do estabelecimento de regras mais claras de atuação a serem seguidas. A Coalizão Direitos na Rede (CDR), entidade da sociedade civil que integra mais de 60 organizações que têm interesse no desenvolvimento da internet, chegou a escrever:
A situação é alarmante: o Brasil não possui uma política nacional articulada de inclusão digital, há uma lacuna de oferta de conectividade em diversos territórios do país, e uma dependência tecnológica de empresas estrangeiras, constituindo uma barreira à garantia dos direitos fundamentais.
Órgãos públicos, do governo federal como o Exército, Marinha, os ministérios da saúde, educação, além da Petrobras, Funai, UFAM (Universidade do Amazonas), que também fazem uso da tecnologia oferecida pela Starlink, acabam expostos e suscetíveis às políticas da empresa.
Acrescente-se a isso, a possibilidade, já em teste e em vias de se tornar um padrão internacional, de se ter um acesso direto do satélite aos telefones celulares dos usuários, criando o oferecimento inédito de um serviço celular, baseado numa constelação de satélites com controle operacional fora do País, independente das operadoras regionais, sem eventualmente incorporar regras locais.

Nesse caminho, a Starlink acaba de ganhar, em prazo recorde, autorização da ANATEL para operar mais 7,5 mil satélites LEO em nosso território, sem uma análise mais criteriosa das preocupações e cuidados que no mundo inteiro tal prestação de serviço vem despertando. Em recente evento, Satellite 2025, nos Estados Unidos, em março deste ano, diversos países manifestaram a necessidade urgente de aprofundamento das questões de soberania e sustentabilidade espacial que envolvem estas redes.
Os desafios, no entanto, vão mais além, abrangendo desde questões de disputas geopolíticas, até mesmo a própria implantação da rede em cada região do planeta, nos seus aspectos de utilização do espectro de frequências, segurança de rede, poluição espacial, atendimento à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados), no caso do Brasil, possibilidade e eficiência de fiscalização, e de estabelecimento de um ambiente soberano e concorrencial. A tal ponto que, vem sendo requerida a anulação da autorização de operação dos novos satélites da Starlink, para que análises ex ante possam indicar o caminho mais adequado a seguir, para não nos depararmos com situações irreversíveis posteriormente.
No caso brasileiro, existe ainda uma variável a considerar, que reside na convivência com o SGDC da Telebras, de investimento vultoso, que vem sendo comercializado timidamente pela ViaSat, com cerca ainda de 10 anos de vida útil, e que poderia prestar atendimento a diversas aplicações. E, adicionalmente, deve estar prevista a inclusão da parceria com a China no lançamento de satélites, conforme acordos firmados na recente visita do Presidente Lula a este país.
Dessa maneira, ratificamos a necessidade de discussão, elaboração de iniciativas e o estabelecimento de normas e padrões de atuação aos diversos interessados na prestação deste serviço de acesso à internet, que é público, conforme a Constituição de 1988, no Brasil. O objetivo é dar transparência e regramento ao tema, mantendo nossa soberania sobre a prestação, manutenção e continuidade de um serviço essencial à sociedade brasileira.