André Rebouças: herói que lutou por um projeto de país

André Rebouças: herói que lutou por um projeto de país

Retrato de André Rebouças, por Rodolfo Bernardelli da coleção Museu Histórico Nacional
André Rebouças: herói que lutou por um projeto de país
André Rebouças


Engenheiro negro participou do Abolicionismo e queria mudar o sistema produtivo e social brasileiro

A capacidade de desenvolver projetos é um dos maiores desafios da engenharia. Por isso, é tão notável o esforço de um único engenheiro que, no século XIX, se empenhou em fazer um plano o mais completo possível para o futuro do próprio Brasil. Trata-se de André Pinto Rebouças (1838-1898), baiano de Cachoeira, que se destacou em seu tempo por ter sido o primeiro negro a exercer a profissão no país e por ter sido um dos pensadores brasileiros mais progressistas. Não só lutou pela Abolição, como pela inserção dos ex-escravizados na sociedade, e ainda pensou um sistema produtivo mais justo e avançado. Por esses feitos, foi incluído recentemente no rol dos Heróis e Heroínas da Pátria.

André herdou do pai, Antônio Pereira Rebouças, um advogado e político que foi um dos pioneiros do Abolicionismo, a bandeira da liberdade. Foi um valente batalhador na luta pela libertação dos escravos, mas também procurou escrever artigos e tomar iniciativas voltadas a dar melhores condições de vida aos libertos. Rebouças estudou engenharia no Rio de Janeiro, na Escola Militar, e não só foi autor de importantes projetos para o Brasil, como colocou em tudo o que fez a valorização da nacionalidade e da soberania. Esteve sempre a favor da Democracia Rural (proposta equivalente ao que atualmente se chama de reforma agrária) e de justiça social no país.

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Irmãos Rebouças foram os primeiros negros a exercer a engenharia no país

André se formou junto com o irmão, Antônio, com quem também atuou em diversos projetos. Por conta dos estudos de engenharia militar, seus primeiros trabalhos foram em reformas de instalações de defesa, como as fortalezas de Santos, Paranaguá e Santa Catarina, em 1863. Também pelo Exército, deu seu apoio técnico às tropas durante a Guerra do Paraguai, tendo desenvolvido até um torpedo que obteve êxito junto às tropas inimigas.

Antes da guerra, os irmãos Rebouças chegaram a estudar na França e também passaram pela Inglaterra. Na Europa, André estudou com afinco as estruturas portuárias, formação que foi fundamental em diversos projetos em que atuou posteriormente no Brasil. Ele projetou, por exemplo, novos portos no Maranhão, Rio Grande do Norte e no Rio. Na juventude, ganhou fama ao solucionar os problemas de abastecimento de água dos cariocas.

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André Rebouças ganhou popularidade ao solucionar problema de abastecimento de água do Rio

Em todos os projetos que atuou e em suas viagens, André Rebouças foi um arguto observador da realidade social e das relações econômicas. Estudou diversos pensadores da época e acabou com isso se transformando num sábio analista da realidade brasileira, que tentou transformar. Segundo seu biógrafo Sidney dos Santos, autor de “André Rebouças e Seu Tempo”, a preocupação com o desenvolvimento de uma nação soberana, com o estímulo à agricultura familiar e à formação de uma classe trabalhadora educada e bem remunerada, sempre transpareceu nos escritos do engenheiro, seja nos artigos publicados na imprensa seja em suas anotações pessoais.

Em seu diário pontuou conversa que teve com o imperador Dom Pedro II, de quem era amigo, a respeito da construção de uma estrada ligando o Paraná a Mato Grosso e de obras para o abastecimento de água do Rio de Janeiro. Rebouças argumentava sobre a importância de se empregar engenheiros brasileiros.

“Rebouças marcava assim uma posição histórica que seus colegas de hoje devem conhecer e cultuar: a luta nacionalista pela valorização profissional. Foi ele, sem dúvida, o primeiro a bater-se junto ao governo pela preferência a nossos engenheiros, na realização de trabalhos públicos, modalidade única de efetuar-se a evolução permanente de nossa técnica e nossa tecnologia. Essa primazia lhe é assim devida, e entre os lauréis que tão justamente lhe cabem junte-se mais esse: pioneiro na defesa da profissão”, conta dos Santos.

Foi com esse espírito que André Rebouças ingressou no Clube de Engenharia na década de 1880, onde participou do Conselho Diretor, bem como através de artigos para as publicações da entidade. Apesar de ter estabelecido amizade com a Família Real e diversos engenheiros estrangeiros, muitos recepcionados por ele no país, o fato de ser negro e de não ter origem aristocrática foi, no entanto, empecilho para que várias de suas propostas não fossem à frente. Comprou muitas brigas e teve inimigos poderosos, principalmente por defender um novo regime de exploração da terra no Brasil.

“Ele, que era totalmente radical na expropriação das áreas incultas, “sequestradas do trabalho”, ou produzindo para os ‘Landlords’, não aceitaria jamais o Estado donatário absoluto: a apropriação individual do solo seria legítima, mas para quem nele trabalhasse; não o latifúndio, mas a pequena propriedade, a propriedade familiar, na escala do lavrador e seus dependentes consanguíneos”, ressaltou em seu livro Sidney dos Santos.

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Estrada de ferro no Paraná é até hoje orgulho da engenharia nacional

Conforme salientou o autor, seu posicionamento pode levar muitos a acharem que era comunista, ideologia a qual não tinha a mínima ligação. Seu pendor era para a atividade empresarial e pela defesa da livre iniciativa. Como empresário, se envolveu em diversos projetos, parte dos quais acabou não se realizando em vista da morosidade do Estado. Um dos maiores deles foi a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá, que acabou sendo executada por outros empreendedores, e que é um dos principais projetos da história da engenharia nacional. Controvérsias semelhantes também ocorreram com as docas de D. Pedro II, no Rio, que seriam uma extensão do Cais do Valongo.

“Rebouças não realizou esse sonho: construir no Rio de Janeiro um dique Edwin Clark [engenheiro inglês]. A conjuntura em que se viu envolvido durante a construção das docas D. Pedro II não o permitiram. Mas o que ficou exposto mostra bem a seriedade com que abordava o assunto. E permite-nos um registro altamente elogioso: foi ele o primeiro engenheiro brasileiro a usar modelos reduzidos nos seus projetos. Com assistência do imperador, que dava notoriamente seu apoio a todas as manifestações da cultura aplicada”, conta o biógrafo.

O autodidatismo de Rebouças é impressionante para os dias de hoje, devido à sua busca incansável por soluções para problemas técnicos que se apresentavam nas obras de infraestrutura, como para as questões socioeconômicas e filosóficas. Não foi à toa, que ele marcou sua trajetória ao ter sido um dos primeiros a introduzir o concreto armado no Brasil, através da construção de uma ponte em Piracicaba, no interior de São Paulo. Essa versatilidade e amplitude de visão foram ressaltadas pelo economista Carlos Lessa, em prefácio da obra “André Rebouças – Reforma & Utopia no Contexto do Segundo Império”, escrita pela historiadora Joselice Jucá.

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Ponte em Piracicaba marca pioneirismo no uso do concreto armado no Brasil

“A novidade de Rebouças reside no desenho de um projeto agrário, que se propõe a retirar a pobreza do anel sufocante (escravidão e baixo assalariamento) e permitir ao liberto a alternativa de produzir para o mercado a vender sua força de trabalho. Rebouças persegue um capitalismo nascido a partir da distribuição de um novo patrimônio produtivo a ser criado. A sua Democracia Rural enfatiza a criação, no interior do país, de um sistema integrador de mercados, com as centrais, a mecanização agrícola e a transformação industrial, criando internamente renda e emprego em uma máquina de crescimento”, afirmou Lessa.

A historiadora pontuou também os estudos de Rebouças para solucionar os problemas de saúde pública que infernizavam a vida dos brasileiros. Se grande parte de suas ideias tivesse sido adotada, o Brasil de hoje apresentaria uma configuração totalmente diferente. Rebouças apostava numa Democracia Rural que desse maior produtividade ao campo, como um sistema produtivo que agregasse valor aos frutos da terra. Assim, surgiu sua proposta de “centralização agrícola”, com a criação de fábricas de beneficiamento para os produtos regionais.

Sua opção por uma monarquia democrática e sua amizade fiel à Família Real levaram Rebouças ao exílio após a Proclamação da República, em 1889. Primeiro partiu para a França, acompanhando Dom Pedro II e a Princesa Isabel, e depois trabalho em Angola, tendo se exilado em seguida em Funchal, na Ilha da Madeira, onde morreu em 1898.

André Rebouças foi grande amigo e incentivador do compositor Carlos Gomes, autor de “O Guarani” e acabou ele mesmo sendo tema de uma ópera, que estreou no Brasil em 2021. “O Engenheiro”, composta por Tim Rescala, foi apresentada inicialmente em Porto Alegre (RS), mas já percorreu diversos estados. É notável o trabalho do compositor, cuja belíssima música faz jus ao legado do protagonista. A ópera se passa no dia da Proclamação da República e mostra os bastidores desses acontecimentos históricos e do drama vivido pelo protagonista e personagens como a Princesa Isabel, Conde d’Eu, Visconde da Penha e Baronesa de Muritiba e a serviçal Manoela. É o retrato de um gênio tentando arrumar um país caótico. Não é à toa que passou a figurar no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, graças à aprovação da Lei 15.003/24. Foi um bravo filho desta terra, que não fugiu à luta.

Assista aqui à apresentação da ópera “O Engenheiro” no Theatro São Pedro, em Porto Alegre:

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