Divisão Técnica de Eletrônica e Tecnologia da Informação (DETI)
Em 06/05 deste ano, no portal do Clube de Engenharia, tivemos oportunidade de denunciar um escândalo em andamento nas esferas públicas, envolvendo ministérios, autarquias e controladorias, em detrimento da sociedade brasileira. No artigo da DETI “Bens reversíveis, mal acompanhados e mal avaliados inviabilizam a expansão da internet no país”, mostrávamos o andamento do término das concessões da telefonia fixa (chamado de Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC) com a transferência da propriedade dos bens reversíveis (toda a infraestrutura implantada em décadas de prestação do serviço de telefonia fixa, avaliada em várias dezenas de bilhões de reais) para as Teles. A contrapartida seria a aplicação do valor dessa infraestrutura na diminuição do gap digital entre regiões e classes sociais do país. Destacávamos no artigo que, no acórdão 2.142/2019 do Tribunal de Contas da União – TCU, o relator dizia:
“… mesmo após vinte anos de concessão, a agência reguladora não é capaz de informar, com mínimo grau de precisão, quantos são, onde estão, e qual o valor dos bens reversíveis colocados à disposição das concessionárias do STFC em 1998.”
Ocorre que, debaixo de duvidosas instruções normativas emitidas pelo TCU, apesar da discordância da área técnica dessa corte de contas, de Ações Civis Públicas por parte da sociedade civil, e de manifestações do Ministério Público Federal, o plenário aprovou um verdadeiro acordão de lesa-pátria sob manifestações inseguras de seus integrantes sabedores das ilegalidades e excepcionalidades envolvidas. No estabelecimento do processo de avaliação dos bens reversíveis pelo TCU, sob beneplácito da ANATEL e do Ministério das Comunicações, o valor ficou muito aquém do estimado anteriormente pelo próprio TCU, favorecendo as concessionárias. Acredita-se que possa ter havido influências de modo a facilitar a saída da Oi de sua recuperação judicial com a venda desses ativos e eventual desembolso a menor pelos bens.
Nesse meio tempo, na disputa por protagonismo, até mesmo de caráter pessoal, a Advocacia Geral da União – AGU, que até então não tinha se manifestado, não satisfeita com o encaminhamento que vinha sendo dado ao processo, criticou a forma pouco transparente das decisões, e atuando nos bastidores fez resultar na invalidação do acordo em andamento e a emissão pela Presidência da República de um decreto em que colocava a AGU com a responsabilidade de encaminhar uma nova proposta (Decreto nº 12.091 de 03/07/2024).
Obviamente, entidades da sociedade civil vinham também se manifestando contrárias ao acordão do TCU, e pedindo intervenção preventiva da AGU, consubstanciada em ofício enviado pela Coalizão Direitos na Rede – CDR, entidade que congrega mais de cinquenta instituições que atuam no interesse da internet no Brasil, em 10/07/2024, de onde retiramos:
“O descompasso entre avaliações realizadas pela ANATEL e o histórico de acompanhamento dos bens pelo TCU com o reconhecimento de que a Agência foi negligente quanto ao seu papel de órgão regulador e fiscalizador, torna incontornável a insegurança jurídica que envolve os bens reversíveis, incompatível com os princípios constitucionais que se impõem para a administração pública e com a importância dessa infraestrutura e o regime público que se aplica sobre ela.”
Para surpresa geral, dias depois de dar por decreto à AGU a responsabilidade sobre a condução do acordo do final dos contratos de concessão da telefonia fixa, um novo decreto da Presidência da República revogou alguns de seus trechos, voltando a dar ao TCU a primazia do encaminhamento, mas mantendo AGU apenas como avalizadora dos seus termos (Decreto nº 12.119 de 25/07/2024). O que esteve por trás destas negociações e acordos políticos faz parte dos bastidores nem sempre recomendáveis ou republicanos para serem comentados.
Neste momento, aguarda-se o pronunciamento da AGU sobre a proposta aprovada no plenário do TCU. O lamentável é ver, caso a proposta seja mantida, toda uma infraestrutura de valor inestimável ser repassada para terceiros por valores ínfimos, encobrindo negligências, favorecendo acordos pouco transparentes e que não permitirão a diminuição das desigualdades digitais em nosso pais, como era a intenção proclamada pelo Ministério das Comunicações/ANATEL ao propor a modificação da Lei Geral de Telecomunicações para realizar a migração da telefonia fixa de concessão para autorização com a correspondente diminuição das responsabilidades em relação ao serviço.
Caso a AGU mantenha as colocações dos termos propostos pelo plenário do TCU, em inacreditável desacordo com o interesse público, só restará à sociedade civil, através de suas entidades, entrarem com Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN, no Supremo Tribunal Federal, para impedir delapidação do erário e que se possa restabelecer o real valor dos bens reversíveis que seriam aplicados na interconexão de escolas, postos de saúde, hospitais, sistemas de segurança pública, principalmente em regiões mal atendidas, devidamente alinhadas ao interesse público.