Encontros com Tecnologia trata dos princípios do documento que pretende tornar as atividades humanas mais sustentáveis e justas
A necessidade de preservação do meio ambiente é uma discussão mais antiga do que muitos pensam. Já no século XIX estava nos planos de alguns governos. No entanto, essa agenda vem ganhando não só maior importância, como precisa estar ancorada também na sustentação econômica e social. Essa mudança de paradigma foi sintetizada na Carta da Terra, documento de pouco mais de 20 anos, cujos princípios foram analisados na edição de junho do Encontros com Tecnologia. A missão de tornar o planeta mais sustentável passa obrigatoriamente pela atuação das Engenharias, segundo as palestrantes, as conselheiras Fátima Sobral Fernandes e Cláudia Morgado.
Quando o poder público de alguns países começou a se preocupar com o desmatamento desenfreado e em criar demarcações para que algumas áreas fossem preservadas, a ideia era manter espaços para que as pessoas pudessem desfrutar de um ambiente natural, para a contemplação e o lazer, mas sem uma visão mais global do problema. Assim foi com a criação do Yellowstone, nos Estados Unidos, em 1872. É até hoje um parque nacional com paisagens belíssimas e talvez atualmente não estaria tão bem cuidado se a medida não tivesse sido tomada naquele tempo. Inspirou outras iniciativas parecidas na Europa e também no Brasil, que instituiu o Parque Nacional de Itatiaia em 1937.
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Mas, conforme salientou a coordenadora do Encontros em sua palestra, com o tempo, a visão sobre a preservação ambiental foi ficando mais complexa. Um dos marcos dessa evolução foi a criação em 1948 da União Internacional para Conservação da Natureza, que foi a primeira organização com o objetivo de articular ações no mundo todo em prol do meio ambiente. Com o tempo cresceu também a preocupação com agentes poluidores e a ideia de preservação deixou de se voltar para o cuidado com áreas isoladas para mirar a atividade econômica e suas externalidades. Os pesticidas na agricultura, os agentes químicos despejados nos rios pelas indústrias e até a fumaça dos automóveis começaram a se ser vistos de forma negativa.
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A partir da Conferência da ONU em 1972, em Estocolmo, na Suécia, intensificou-se essa discussão sobre o modelo de exploração econômica do planeta que não o destruísse. Como todas as questões que envolvem diversos interesses, tem havido muita polêmica e resistência de setores de abrirem mão do lucro mais imediato por um aproveitamento mais duradouro dos recursos. Mas trata-se de um caminho sem volta. A discussão não se restringe mais a partir daí à criação de áreas de conservação de florestas. A comunidade internacional toma cada vez mais consciência da necessidade de mudar os métodos produtivos e o comportamento e incluir nas metas maior justiça social e a harmonia entre os povos.
Foi com essa mentalidade, que foi realizada em 1992 a conferência Rio 92, no Rio de Janeiro, quando a Carta da Terra começou a ser discutida. Conforme a conselheira vitalícia contou, foi só em 2000 que o documento foi finalizado e oficialmente lançado, estipulando parâmetros éticos visando a garantir a qualidade de vida para as próximas gerações. Seus princípios se coadunam fortemente com os mesmos adotados pelo Clube de Engenharia ao longo da história.
“O Clube tem lutado por políticas públicas voltadas para a justiça social, para o desenvolvimento democrático do país e pela soberania”, afirmou Fátima.
A contribuição da Carta veio no sentido da solidificação de conceitos que se transformaram em metas internacionais amparadas pela ONU. Os preceitos de sustentabilidade resultaram na aprovação pela organização dos chamados 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que estabelecem metas para todos os países, para o combate à pobreza, mais equidade, inclusão, respeito ao meio ambiente e crescimento econômico com justiça social, entre outros.
“O conceito de sustentabilidade está ligado à promoção de uma visão sistêmica, holística, integradora, que envolve não apenas a gestão eficiente e responsável dos recursos naturais, mas a promoção da justiça social, da inclusão, da diversidade de gênero, etnias e saberes e promoção da equidade econômica, com participação democrática e pacífica”, afirmou Fátima, que destacou as especialidades da Engenharia que têm potencial para contribuir com os objetivos da ONU.
A diretora da Escola Politécnica da UFRJ e conselheira do Clube, Cláudia Morgado, também traçou um paralelo entre a história da entidade os princípios da Carta, lembrando o fato de o ilustre sócio André Rebouças (1838-1898) ter defendido medidas de combate à miséria em sua época e também ter elogiado em texto de 1876 a criação de parques para a preservação da natureza no Brasil. Pode ter até influenciado o imperador Dom Pedro II, do qual era amigo, e que decidiu reflorestar a área ocupada hoje pelo Parque Nacional da Tijuca, no Rio.
“Desde o André Rebouças, que se preocupava não só com o fim da escravidão mas também da miséria. Na essência, sempre soubemos da importância do equilíbrio humano, social e ecológico, mas o conhecimento precisou evoluir para que pudéssemos compreender melhor e fazer com que ele chegue a todas as pessoas”, salientou Cláudia Morgado.
Para a diretora da Politécnica, são muitos os fatores que levaram o mundo a propalar tanto a sigla ESG (em inglês Environmental, Social and Governance, ou em português Ambiental, Social e Governança), inclusive a maior longevidade da população, que obriga a todos a pensarem suas próprias vidas mais a longo prazo. A sustentabilidade vai cada vez mais se tornando uma imposição diante também da necessidade das empresas de preservarem sua reputação, sem causarem danos que mancham a imagem suas marcas. São propósitos que acabam exigindo atenção firme na governança corporativa para que as firmas não caiam num descontrole e não cumpram sua função social.
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Cláudia destacou o esforço da Escola Politécnica na criação do seu Programa de Engenharia Ambiental, que conta já com Mestrado e Doutorado acadêmicos, contribuindo para a formação de pesquisadores e professores na área e com o desenvolvimento de pesquisas. Iniciativas como essa ajudam as atividades econômicas a reduzirem desperdícios, evitarem ao máximo o despejo de poluentes na natureza e a preservarem os recursos naturais. São alternativas que possibilitam a longevidade dos negócios.
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A Engenharia deve contribuir com a sustentabilidade através de soluções já incluídas nos projetos que reduzam ao máximo os impactos das atividades econômicas. Mas também caminha cada vez mais para a compreensão da necessidade de diálogo com as comunidades locais, trabalhadores, investidores e todos o público afetado pelas iniciativas econômicas. É uma capacitação que as faculdades vêm buscando dar, principalmente ao adotarem as novas diretrizes curriculares estabelecidas pelo MEC.
“É preciso passar conhecimentos, valores, aptidões necessárias para um modo de vida sustentável. Então, se não começarmos a despertar isso nas novas gerações e continuarmos com os mesmos erros e hábitos nocivos, não vamos conseguir equacionar esse objetivo de desenvolvimento sustentável”, ressaltou Cláudia.
Assista aqui ao programa: