Obras, no entanto, precisam de manutenção permanente para que os sistemas funcionem corretamente
O combate às enchentes exige medidas de planejamento, investimento em infraestrutura e atenção permanente à manutenção dessas obras depois de prontas. São preceitos que, segundo o chefe da Divisão Técnica de Recursos Hídricos e Saneamento (DTHS) do Clube, Jorge Rios, deveriam ser seguidos pelo Brasil para mitigar os efeitos das tempestades. No entanto, são princípios que não foram respeitados no Rio Grande do Sul, onde, apesar de ter sido construído um sistema de prevenção aos alagamentos na década de 1970, seu abandono agravou as consequências das chuvas este ano.
Em palestra na entidade no último dia 3 de junho, o engenheiro e professor explicou que as medidas mitigadoras começam por ações não estruturais, ou seja, que não exigem necessariamente a realização de obras de imediato e estão atreladas a uma visão de planejamento. Um exemplo seria a criação de planos diretores. São estudos que estabelecem critérios para a ocupação do solo e evitam as construções em áreas sujeitas a inundações, por exemplo.
Esses planos tendem a envolver equipes multidisciplinares e podem ganhar maior complexidade e aproveitamento, dependendo da vontade política dos governos. Além de regras de ocupação do solo, tendem a ser mais eficientes se previrem também o saneamento básico (abastecimento de água, redes de esgoto e drenagem e coleta de lixo), bem como a construção de barragens. Estas têm, inclusive, o potencial de geração de energia.
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Apesar dos alagamentos permanentes provocados pelas usinas hidroelétricas serem muitas vezes criticados por ambientalistas e movimentos sociais, em grande parte em virtude da necessidade de deslocamento de comunidades, Rios acredita que os benefícios trazidos por essas estruturas justificam plenamente a realocação. O assunto é bastante controverso e o impacto social dessas medidas vem suscitando debates nas últimas décadas, o que praticamente paralisou a construção desses reservatórios ou limitou-os ao modelo de fio d’água.
“As barragens foram demonizadas pelo BID e pelo Banco Mundial, por conta de terem se tornado ambientalmente incorretas, devido aos palpites dados pelos ambientalistas”, criticou Rios.
À medida que os planos vão sendo postos em prática, pode haver segundo ele a necessidade de remoção de pessoas dessas áreas de risco. Construções tendem a ser feitas no leito maior ou em ilhotas inundáveis, o que deveria ser coibido, mas uma vez que as habitações já se encontram nessas áreas, o processo de realocação também se faz necessário.
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A educação ambiental é outro aspecto do planejamento que pode colaborar com a maior eficiência dos sistemas de combate às enchentes, que precisam de fato da colaboração da população. O trabalho de fiscalização é outra vertente que não pode ser descuidada, de acordo com o engenheiro.
Um plano eficiente também exige a realização de obras. Além das já citadas barragens, com comportas para o controle da vazão da água, os planos podem incluir a construção de polderes, que são áreas compostas por diques (muros), reservatórios, dutos e bombas. Esse esquema seria de boa valia em Porto Alegre, mas na última enchente viu-se que por falhas na manutenção não deu certo.
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“Em Porto Alegre, há o chamado Muro da Mauá, que foi prolongado em direção ao Estádio Beira Rio. Lá há 23 casas de bomba, mas segundo os relatos que tivemos, só quatro funcionaram. Há também comportas construídas há 40 anos, mas estavam há 20 sem manutenção, e não funcionaram. Elas precisam de borrachas de vedação, que têm sua vida útil”, explicou o palestrante.
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Lugares sujeitos à inundação como a Grande Porto Alegre ou o Grande Rio deveriam se inspirar no plano adotado nos Países Baixos, depois da grande enchente de 1953, que matou mais de 2.500 pessoas, sendo que cerca de 1.800 delas só na Holanda. O chamado Plano Delta demorou 40 anos para ser construído e consumiu, segundo Rios, cerca de 5 bilhões de euros. Além da implantação a longo prazo, o sistema requer a permanente manutenção, o que exige por parte dos políticos a alocação de recursos nos orçamentos. Rios também citou a necessidade muitas vezes de realização de dragagens para melhorar o escoamento das águas. No entanto, ele alertou para o cuidado de se abrir canais para ligação com o mar, como vem sendo aventado no Rio Grande Sul, devido ao risco de salinizar lagoas de água doce, usadas para abastecimento ou irrigação.
Ouça aqui a palestra: