Programa Humanidades na Engenharia recebe o professor Elias Jabbour para tratar da influência da filosofia de Confúcio na sociedade e na condução do país asiático
A capacidade de resistência e de superação da China vem cada vez mais impressionando o mundo. A potência que ameaça a supremacia dos Estados Unidos é uma civilização calcada em modelo divergente em relação ao padrão ocidental. Nesse gigante oriental, não há o modelo vigente na democracia liberal, mas o sistema não é tão impositivo quanto se imagina, se legitima por outros critérios, e a sociedade tem valores menos individualistas. Trata-se de um povo coeso e resistente que respeita o legado do filósofo Confúcio, que viveu no século VI antes de Cristo. Seus ensinamentos ainda servem de base para o moderno Estado chinês, conforme ficou demonstrado no programa Humanidades na Engenharia, que recebeu o professor, geógrafo e economista Elias Jabbour em sua primeira edição de 2025.
Os chineses, que começaram a se industrializar vendendo para o mundo produtos baratos de qualidade duvidosa, viraram não só os maiores exportadores de mercadorias de alta tecnologia como estão concretizando projetos de ponta na área de engenharia e de outras atividades. Não é à toa que o presidente americano Donald Trump declarou uma guerra comercial aos orientais, impondo taxas de importação proibitivas aos produtos chineses. São fatos que só fazem chamar ainda mais a atenção do mundo à preponderância que esse país asiático está tomando. Tanto que o Clube de Engenharia do Brasil convidou Jabbour, que foi diretor do banco dos BRICS, para mais uma palestra sobre a China. Ele é autor de três livros que tratam da realidade chinesa (“China: o Socialismo do Século XXI”, “China: Socialismo e desenvolvimento, sete décadas depois” e “China hoje, projeto nacional, desenvolvimento e socialismo de mercado”).
O interesse com relação à China vem crescendo, mas é fato que há não só desconhecimento sobre o país, como uma visão até infantil com relação ele, conforme afirmou o professor no evento intitulado “O Confucionismo na China moderna. Como uma filosofia milenar se integra em uma sociedade com tantos êxitos tecnológicos?” A tradição e o passado da China são colossais, um peso que numa certa época atrapalhou até o avanço do país, que foi dominado por potências estrangeiras, mas reagiu fazendo uma revolução comunista em 1949 e depois transitando para uma economia de mercado, sem perder o Estado seu papel planejador e empreendedor.

É uma aparente contradição que inquieta intelectuais no mundo inteiro, mas que para Jabbour é uma conformação totalmente coerente e consistente. O país que impressiona o mundo com suas obras fantásticas, sua capacidade de inundar o mundo com produtos eletrônicos e competir com as potências ocidentais em todos os setores, é calcado na ética confuciana, que inclui valores que norteiam a vida do homem comum, mas também dão responsabilidade ao Estado e moldam sua hierarquia meritocrática.
“A tradição confuciana se combina bastante com a modernidade chinesa como também foi fundamental para ela, pois permitiu que a China se transformasse, sem ser uma modernização ocidental. Há uma diferença muito básica entre as duas formas de modernização e a chinesa envolve principalmente a questão da tolerância, da civilidade, até porque adota o confucionismo junto com o taoísmo”, explica Jabbour.

Aspectos religiosos advindos do taoísmo de Lao Tsé também servem de inspiração para o país, que no século XX teve nas figuras dos presidentes Mao Tsé-Tung e Deng Xiaoping protagonistas da modernização do país. Segundo o professor, enquanto o primeiro incorporou o espírito de revolta e rebeldia do taoísmo, o segundo representou a disciplina do confucionismo. O resultado é um país com enorme capacidade de se reformular, mas com planejamento e visão estratégica.
“Essas filosofias do confucionismo e do taoísmo surgem em épocas em que a civilização chinesa passava por crises. Então, tanto um quanto o outro, são respostas às crises que a China passava periodicamente. Lao Tsé, por exemplo, propugnava sempre uma questão de rebeldia em relação a qualquer fatalidade, tanto que o camponês chinês é uma figura rebelde, e o Confúcio detecta os problemas da China numa falta de unidade e ordem na casa”, ressaltou Jabbour.

A filosofia política do confucionismo pode parecer contraditória para o Ocidente, que a encara com ignorância e preconceito. Enquanto na Europa Ocidental a ideia do soberano como representante de Deus na Terra teve que ser aniquilada para que o absolutismo desse lugar às modernas democracias, os chineses ainda convivem harmoniosamente com a ideia de Mandatado do Céu, em que a legitimidade e o poder do governante são venerados, mas estão condicionados à garantia do bem-estar da população e não no poder absoluto e totalitário.
“O que caracteriza o socialismo característico dos chineses tem como base naturalmente o marxismo, mas também o pensamento nacional baseado em Confúcio, que é a capacidade de governança chinesa”, destaca o professor.
Um país que desde a Antiguidade valorizava o ingresso no serviço público através de concurso e a importância dos professores e da educação pode servir de exemplo para o Brasil, segundo Jabbour. Ele lembra que essa coesão e ideologia própria é o que falta ao nosso país. Mas a China vem servindo de paradigma para o mundo todo, o que levanta, por outro lado, a preocupação com um possível impulso imperialista, conforme salientou o conselheiro Carlos Ferreira, que participou do programa como entrevistador.

Memo taxada de ditadura ferrenha pelos liberais do Ocidente, a China enfrenta com serenidade a agressividade da política americana, tendo à sua frente o presidente Xi Jinping, um homem que teve uma origem humilde e galgou postos graças aos critérios de meritocracia do país. Não está no radar da política chinesa o domínio sobre outros países, mas a construção de parcerias, auxiliando até no fortalecimento da infraestrutura. Conforme afirma o professor, copiar o modelo da China não é factível, mas ignorar a tradição e a pujança do país é uma estupidez.
A coordenadora do programa, a conselheira Maria Alice Ibañez, ressaltou que a convivência da sociedade chinesa com a alta tecnologia e sua cultura e filosofia milenar resulta num país bastante avançado, mas fincado em valores espirituais muito arraigados.
“Um povo sem um guia espiritual nunca teria saído de uma situação em que em 1949, durante a “Longa Marcha” andava de sandálias na neve e hoje está indo à Lua e quem sabe a Marte. Nesse processo, a influência da filosofia de Confúcio, estabelecida há milênios, preserva valores que dão capacidade de superar dificuldades enormes. Não se poderia falar da China sem falar de Confúcio”, resumiu Maria Alice.