Introdução
Paulo Lindesay, Coordenador Estadual do Núcleo da Auditoria Cidadã do Estado do Rio de Janeiro, não tem dúvida: um dos passos mais importantes em pauta hoje é a revogação da Lei Kandir
“Com isso será possível estancar as perdas e reivindicar da União o ressarcimento de todos os valores não pagos do Imposto de Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) aos Estados desde o final dos anos 1990”, afirma Paulo Lindesay, técnico de informações geográficas e estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e diretor da executiva nacional do Sindicato dos Servidores do IBGE (ASSIBGE-SN).
Convidado do Clube de Engenharia, em encontro virtual dia 19 de maio, para esclarecer e aprofundar o debate sobre os graves impactos da Lei Kandir nas finanças estaduais, Lindesay lembra que a história vem de longe: “Quando a lei foi aprovada, em 1996, era um dos principais pilares do governo Fernando Henrique. Entre outras mudanças, a nova legislação alterou a forma como Estados e Distrito Federal arrecadavam o ICMS de empresas exportadoras de produtos primários e semielaborados. Com a perda de arrecadação haveria a compensação financeira dos Estados.
Mas, de 1999 até 2018, esse ressarcimento foi irrisório. Não chegou sequer a 10% do valor devido aos Estados no período. Do valor em torno de 634 bilhões de reais, a União ressarciu pouco mais de 34 bilhões. Com a atualização até os valores de agora, em 2020, a cifra já seria de mais de 800 bilhões de reais, afirmou.
Sistema da dívida
A Lei Kandir entra em um intrincado sistema tributário que contribui para a manutenção do “sistema da dívida pública”, neste caso via isenções fiscais que não são revertidas em arrecadação futura. Segundo Lindesay, o orçamento federal de 2021, aprovado via Lei Orçamentária Anual e prevendo superávit, destina 53% de toda a despesa (2,236 trilhões de reais) para o pagamento da dívida pública — 361 bilhões para juros, e 1,875 trilhão para amortizações. Esse sistema, afirma o técnico, coloca o endividamento do Estado como um objetivo, contribuindo para a narrativa da necessidade de enxugar e diminuir o próprio Estado.
No caso da Lei Kandir, o mecanismo de isenção foi pensado sob o pretexto de aumentar as exportações e melhorar as finanças do país. A partir de 1996, no entanto, houve diminuição de receita, segundo dados do Banco Central. “No caso do Rio de Janeiro, o Estado deixou de arrecadar, entre 1999 e 2018, praticamente 40-50 bilhões, mais do que a privatização da CEDAE ”, recorda Lindesay.
“Em 2019, foi feita uma PEC, não votada ainda, para tentar minimizar a perda dos Estados. Em 2020, a partir dessa preocupação, os governadores chegaram a ir ao Supremo Tribunal Federal (STF), que os orientou a buscar um acordo com a União para recuperar parte dessas perdas.
Minas Gerais, por exemplo, tem mais de 100 bilhões em receita a ser ressarcida pela Lei Kandir. Como não houve um entendimento com a União, o STF propôs ressarcir em 17 anos (2020-2037) o valor de 64 bilhões, parcelados anualmente.
Para Lindesay, antes de ser um acordo, trata-se sim de lesa-pátria, já que os estados estão perdendo receita. E houve ainda a proposição de revogar o artigo 91 dos Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição, que garante a compensação da perda da Lei Kandir”, criticou o palestrante.
O que está em jogo
No fundo, aponta Lindesay, está a “destruição do federalismo brasileiro”, na forma de diferentes atos judiciais que colocam as finanças estaduais dependentes da União. “O Plano de Recuperação Fiscal do Rio de Janeiro, aprovado pela Lei Complementar 159, de 2017, começou com uma dívida de 9,4 bilhões e, três anos depois, essa dívida resultou em 61 bilhões, incorporados à dívida do Rio de Janeiro”, apontou ele.
“O projeto instalado é financeiro rentista. Tem como objetivo central acabar com o federalismo, colocando condicionantes para governadores e prefeitos. A partir daí, busca capturar o resto do parque estatal que ainda existe e, ao mesmo tempo, atacar o Estado e seus servidores, entregando toda a administração do orçamento do fundo público na mão da iniciativa privada.
A PEC 32 – da chamada pseudo-reforma administrativa confirma: entre os princípios que estão sendo incluídos está justamente o da subsidiariedade. Significa que o Estado continuará a ser subsidiário dos serviços públicos, mas quem vai administrar é a iniciativa privada”, criticou Lindesay.
No caso dos regimes de recuperação fiscal dos Estados, uma situação que poderia ser aliviada pelo ressarcimento das perdas da Lei Kandir, uma nova lei – Lei Complementar no 187, de 2021 – veio recentemente substituir a anterior, de 2017, da qual o Estado do Rio de Janeiro havia sido o único a
aderir. Agora, o governo federal colocou condições mais flexíveis. “Mas os estados terão de abrir mão
de ações judiciais contra a União, e terão de fazer todas as condicionantes impostas pela lei. No caso,
a reforma administrativa, a alteração do regime jurídico, do saldo, e do regime previdenciário, além
da redução da remuneração e dos benefícios dos servidores, denunciou Lindesay.