Capital Federal é resultado da ousadia de arquitetos e engenheiros, que surpreenderam o mundo com a beleza da formas e a celeridade dos trabalhos
Aos 65 anos, Brasília, capital do Brasil, continua sendo motivo de orgulho para a arquitetura e a engenharia nacionais. A cidade fundada pelo presidente Juscelino Kubitschek, em 21 de abril de 1965, é reconhecida pela Unesco como Patrimônio Mundial, não só pela beleza de seus prédios monumentais, mas também por proporcionar qualidade de vida e de convivência únicas, devido ao seu plano urbanístico. Grande parte do sucesso desse projeto se deve ao empenho de engenheiros, que permitiram a construção de obras de traçado desafiador fossem concretizadas em tempo recorde.
A proposta de transferência da capital do Brasil do Rio de Janeiro, no litoral, para o interior do território era antiga. Datava do século XVIII. Mas foi o empenho de Juscelino que viabilizou o projeto. A escolha do Plano Piloto deu-se em 1957, por meio de um concurso nacional, organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), em que o arquiteto e urbanista Lúcio Costa foi o vencedor. Representando o Clube de Engenharia do Brasil no júri, estava o engenheiro Luiz Hildebrando Horta Barbosa.

A responsabilidade pelo desenho das principais construções já tinha sido atribuída a Oscar Niemeyer, nomeado por Juscelino para a Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap). A amizade entre o presidente e o arquiteto vinha da época em que o político mineiro foi prefeito de Belo Horizonte e o arquiteto carioca projetou o famoso Conjunto Arquitetônico da Pampulha. A proposta já era de dotar a cidade de prédios com traçados modernistas, mas com a liberdade das curvas que já caracterizavam as obras de Niemeyer. O desafio de moldar no concreto formatos tão ousados, como as cúpulas do Congresso, foi encarado pelo engenheiro e calculista Joaquim Cardozo.
Entre os talentos de Cardozo, estava o dom da poesia. Nascido em Pernambuco, em 1897, foi autor de diversos livros e peças de teatro. Mas também foi mestre no cálculo estrutural. Tanto que conseguiu solucionar os problemas que as linhas de Niemeyer traziam para a montagem do concreto armado em obras como a do Congresso Nacional e dos Palácios da Alvorada e do Planalto. Estes tinham suas colunas com linhas retas e curvas, cuja inspiração vinha das velas de uma jangada, mas equilibrar esses pilares com pontas que se afinam nas laterais não era tarefa fácil. Seu talento também foi fundamental para ser erguida a Catedral, outro projeto de Brasília extremamente desafiador, que só foi concluído em 1970.

O monumento religioso é um exemplo da união da arquitetura, com a engenharia, dando um simbolismo poético à construção. As colunas se estreitam até o topo, onde em movimento inverso se abrem apontando para o céu. Para que essa forma se convertesse em concreto, o projeto estrutural de Cardozo propôs que em vez de uma cinta de concreto unindo as colunas no alto, fosse construída uma laje para o equilíbrio necessário sem a perda da leveza. O próprio Niemeyer não deixou de ser grato à colaboração do engenheiro.
Niemeyer reconheceu a contribuição decisiva do engenheiro para que o projeto saísse do papel em seu livro “Conversa de Arquiteto”. “Na Câmara, depois de invertê-la, a estendi horizontalmente como a visibilidade interna exigia, procurando uma forma que a situasse como que simplesmente pousada na laje da cobertura. E tudo isso fazíamos com tal empenho que lembro Joaquim Cardozo me telefonando: “Oscar, encontrei a tangente que vai permitir a cúpula solta como você deseja”.

A capacidade de Cardozo de cálculo estrutural é mais notável ainda, se for levado em conta o fato de ter feito seus trabalhos sem ajuda do computador, que hoje em dia resolve problemas de forma rápida. Também é importante frisar que, pelos prazos exíguos da construção da capital, não seria possível fazer, por exemplo, testes de laboratório para se averiguar a resistência do concreto naqueles formatos curvilíneos e ainda por cima com a base invertida. As cúpulas do Congresso, que estão firmes até hoje, são a prova dessa capacidade.
“Cardozo buscou solução analítica e experimental para a casca invertida, de forma esmerosa procurou a forma que deixaria perceber a casca como que pousada sobre a plataforma, com tangente suave. Nesse sentido Oscar Niemeyer relata a busca de Cardozo pela fórmula matemática que satisfizesse seu risco síntese”, explicam os arquitetos Elcio Gomes da Silva e José Manoel Morales Sánchez.
Exímio no cálculo para estruturas metálicas, o engenheiro Paulo Rodrigues Fragoso também deixou sua marca na capital, colaborando na construção, por exemplo, da emblemática Torre de TV, que até hoje se destaca no eixo central da cidade. Projetada por Lúcio Costa, “Sua construção representou de forma evidente a monumentalidade não ostensiva, palpável e consciente de seus significados, proposta no Relatório do Plano Piloto, uma vez que, na prática, sua forma foi adaptada para que pudesse ser construída de acordo com as condicionantes técnicas e econômicas da época”, conforme explica o professor Igor Lacroix.

Outro nome importante da engenharia que participou da construção de Brasília foi o de Israel Pinheiro, então presidente da Novacap, que se tornaria o primeiro prefeito da cidade. Ele, que também presidiu o júri que selecionou o projeto do Plano-Piloto, foi responsável por dar ritmo acelerado à construção, concluída em 42 meses. Coordenou o trabalho de forma integrada de equipes de engenheiros, operários e construtoras, obedecendo ao projeto do Plano Piloto.
Outro engenheiro calculista que fez parceria com Niemeyer e ajudou a tirar do papel suas ideias, foi Bruno Contarini. Entre os projetos que ajudou a construir, estão o Teatro e a Plataforma Rodoviária de Brasília, o Edifício da Universidade de Brasília (UnB), o Tribunal Superior de Justiça (STJ), o Supremo Tribunal Eleitoral (STE) e o Tribunal Regional Federal (TRF). Ele também projetou outras estruturas na capital, como um viaduto do Eixão, que lamentavelmente desabou em 2018 por falta de manutenção. Ao visitar a cidade, após o acidente, chorou diante do descaso de uma obra tão bem planejada.

Brasília causou impacto no Brasil e no mundo por ter sido um caso raro de uma cidade moderna, nascida do zero, e com uma concepção inovadora de planejamento. A começar pelo trafégo de veículos, estruturado a partir de dois eixos principais, que se cruzam em formato de cruz. As vias foram projetadas sem cruzamentos (esquinas), permitindo um fluxo mais contínuo. Ao longo do eixo principal, foram construídas as superquadras, com seus conjuntos residenciais, praças e núcleos de comércio local. Os edifícios residenciais foram erguidos sobre pilotis, criando espaços de convivência no térreo. Por terem uma altura limitada a sete andares, essas edificações permitiam, na visão de Lúcio Costa, que os pais de qualquer janela chamassem seus filhos de volta para casa. São características que deram ao Plano Piloto uma proteção contra os males já identificados nas cidades grandes do mundo todo, como poluição sonora, engarrafamentos, aglomerações de prédios, que oprimem os moradores.
O Plano também divide a cidade por setores de acordo com as atividades específicas, como Setor de Diversões, Setor Bancário ou Setor de Clubes. No entanto, sua área mais icônica é a do Eixo Monumental, onde se encontra a Praça dos Três Poderes, a Esplanada dos Ministérios, e outros edifícios-chave, como a Catedral e a Rodoferroviária.
Apesar de suas linhas admiráveis e de ter sido um feito notável, a construção de Brasília recebeu sempre muitas críticas. Até hoje não se chegou a um valor dos gastos no projeto, que para ser concluído a tempo, não contou com licitações rigorosas, por exemplo. Há relatos de que para concluir tudo a tempo, os materiais para as obras muitas vezes eram transportados por avião. Os gastos não pareciam problema para o presidente Juscelino, por conta do crescimento econômico acelerado da época. Afinal, a norma era “cinquenta anos em cinco”. Mas o fato é que o descontrole orçamentário contribuiu para o aumento da inflação e até com a instabilidade política nos anos seguintes.

O Clube de Engenharia do Brasil acompanhava o projeto e no âmbito da entidade foi debatido o impacto do chamado Plano de Metas do governo, no qual a construção da nova capital se inseria.
Segundo o livro “O Clube de Engenharia nos Momentos Decisivos da Vida do Brasil”, a entidade, “diante das realizações de Juscelino Kubitschek, reconheceu os avanços ocorridos no processo de industrialização e modernização da sociedade brasileira. Entretanto, no que se refere aos aspectos pouco claros das inovações introduzidas por JK na vida nacional (com a transferência da Capital Federal e o destino do novo Estado da Guanabara), o Clube de Engenharia manteve-se crítico e mesmo contrário ao endividamento dos cofres públicos ocorrido na construção da nova capital do país”.

Apesar de não ser uma unanimidade, Brasília conseguiu projetar no imaginário nacional a visão de um país moderno, industrializado e sobretudo soberano, tendo em vista sua concepção arquitetônica e de engenharia brasileira, sem cópias de prédios, palácio e monumentos europeus, assim como a competência técnica para sua realização, sem dependências estrangeiras.. A capital é reconhecidamente o palco dos principais acontecimentos políticos e coração da democracia brasileira, assim como um polo voltado para o desenvolvimento do interior do Brasil.