No lar e no ambiente de trabalho, elas ainda sofrem com jornada excessiva, preconceito e baixa remuneração
A luta das mulheres por direitos iguais levou à instituição do dia 8 de março e de todo este mês em um período voltado paras as discussões e manifestações sobre as questões relativas ao papel do sexo feminino na sociedade. No entanto, apesar de décadas de batalhas nesse front e de avanços consideráveis, as mulheres continuam enfrentando preconceitos, remuneração injusta e, mesmo que tenham vida profissional ativa, acabam sobrecarregadas nas tarefas domésticas. As desigualdades são ainda renitentes na predominância masculina em carreiras da área tecnológica, onde não deveria haver barreiras para a participação por gênero.
Um dos sinais da persistência de condições atrasadas na sociedade é a dupla jornada das mulheres em suas rotinas de trabalho. As horas gastas no emprego podem ser até equivalentes às dos homens, mas tarefas domésticas e cuidados com os membros da família, como crianças e idosos, normalmente acabam recaindo na responsabilidade delas.

Conforme explicou a professora e economista Hildete Araújo, em mesa redonda realizada no Clube de Engenharia do Brasil, no ano passado, essa atribuição começa a ser formada na educação na primeira infância, quando todas as brincadeiras das meninas são restritas às bonecas, sugerindo a elas que seu destino será cuidar das pessoas. Baseada em estatísticas produzidas pelo IBGE, ela avalia que o número de horas gastas pelas mulheres nesses afazeres é 2,5 vezes maior do que a dos homens.
“A conciliação entre o trabalho pago e o não pago é uma dificuldade muito grande para as mulheres brasileiras, sem uma política de apoio com creche, educação infantil e o fundamental, até 14 anos”, afirmou Hildete Araújo.
O estudo “Estatísticas do Gênero“, divulgado pelo IBGE no ano passado, mostra que as mulheres se dedicaram a tarefas domésticas uma média de 21,3 horas semanais contra 11,7 horas por parte dos homens. As pretas ou pardas carregam um fardo ainda mais pesado, pois gastam 1,6 hora a mais por semana nesses afazeres do que as brancas.

A economista estuda o trabalho doméstico não pago há décadas e realizou estudos que vêm procurando quantificar o valor dessa atividade não remunerada. Num artigo assinado em conjunto com os professores Cláudio Monteiro Considera e Alberto Di Sabbato, conclui-se que se esse valor fosse reconhecido e pago teria até forte impacto no Produto Interno Bruto.
“Acredita-se que o resultado deste exercício é do maior interesse público, por que conclui que o valor do produto interno bruto não incluído na Contabilidade Nacional é mais de 12% do que de fato é contabilizado pelo método utilizado pelo cálculo “tradicional” do PIB. Dito de outro modo a sociedade brasileira é 12% mais rica do que até agora se reconhecia e que agregando-se este valor ao longo da década o Brasil produziu outro PIB, secreto, que não se conhecia, mas que corresponde a reprodução da vida no País.”
Segundo a economista, essa sobrecarga impacta também o desenvolvimento das carreiras das mulheres, que dificilmente chegam a postos de comando antes da fase da menopausa. São questões, que de acordo com ela, só serão resolvidas com o avanço das políticas públicas.

Recentemente, em aula magna no Conselho Diretor do Clube, a vice-presidente da entidade, Olga Simbalista, mostrou que, apesar de ainda ser baixa a participação das mulheres nas carreiras ligadas às ciências exatas, obstáculos também podem ser encontrados por elas em atividades até artísticas. Ela cita o fato de que no Museu de Arte de São Paulo (MASP) só 6% das obras são assinadas por mulheres, que se destacam mais nos nus artísticos do que como pintoras.
Conforme ela mesmo mostrou, é um quadro que tem evoluído, mesmo que a duras penas. Paulatinamente, as mulheres vêm ocupando espaços e no setor nuclear, por exemplo, já representam mais de 30% dos profissionais especializados.
Formada em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a própria Olga deu um testemunho de seu ingresso no mercado de trabalho, na década de 1970, quando as mulheres eram raridade na profissão e até cota máxima era estipulada. Numa das empresas em que tentou emprego, só se tolerava uma engenheira por ano e se por ventura duas entrassem, as novas candidatas que esperassem por anos para uma oportunidade.
“No início do século XX, as mulheres não votavam em nenhum lugar do planeta. Fora o trabalho manual, em algumas indústrias, em muitos casos semi-escravas, quanto algumas exerciam uma profissão, com raríssimas exceções, era em particular nas áreas de ciências, como química, física e engenharia”, afirmou Olga.
Apesar de a área científica ou “dura”, como ela chamou, ser associada ao homem, não faltam na história exemplos de mulheres proeminentes que realizaram descobertas notáveis, como as chamadas “Mulheres Atômicas”. Marie Curie (1867-1934), que conduziu pesquisas pioneiras sobre radioatividade; Lise Meitner (1978-1968), responsável pela descoberta da fissão nuclear; e Ida Noddack (1896 – 1978), que entre muitas descobertas, identificou o elemento químico rênio (Re).



São fatos que deveriam derrubar visões atrasadas, mas grande parte do preconceito ainda persiste. Para se ter uma ideia, dos 138.087 profissionais registrados no CONFEA, só 23.185 são mulheres, ou seja, 17%. O que as mulheres exigem é serem reconhecidas pelos seus feitos e serem tratadas com respeito, o que ainda depende de mudanças culturais profundas.
Algumas iniciativas tomadas pelo poder público tentam criar melhores condições de igualdade. Um exemplo disso é a Lei 14.611/2023, que estabelece critérios remuneratórios igualitários entre mulheres e homens.
Mas é de difícil fiscalização e cumprimento. Na prática, conforme mostra o estudo do IBGE, o rendimento delas foi, em média, equivalente a 78,9% do recebido por homens. O mesmo instituto constata que enquanto 53,3% delas estão ativas no mercado de trabalho, a taxa é de 73,2% para eles. O maior desemprego das mulheres revela a preferência dos patrões pelos empregados homens na hora de cortar pessoal. São dados que mostram que mais do que prestar homenagens, algumas vezes até piegas às mulheres, a sociedade precisa de medidas práticas para que elas alcancem o respeito merecido.