Entidades da engenharia e de transporte encaminharam carta ao governador pela suspensão da concessão à empresa que administra a SuperVia, diante do risco de acidentes
Os usuários do sistema metropolitano de transporte ferroviário do Rio de Janeiro embarcam com cada vez menos certeza de que vão completar a viagem a contento. Problemas de segurança, atrasos e até descarrilamentos estão ficando cada vez mais comuns na rede da SuperVia. Depois de dois acidentes ocorridos em novembro do ano passado, diversas entidades, entre elas o Clube de Engenharia, encaminharam uma carta aberta ao governador do estado, Cláudio Castro, para que este tome a decisão de retomada do controle do sistema por parte da administração pública.
O documento alerta para a “falta de manutenção da via permanente, resultando trilhos e dormentes em péssimas condições; deficiência grave na sinalização; falta de segurança para passageiros e funcionários; atrasos e interrupções frequentes; falta de acessibilidade para pessoas com deficiência; acúmulo de lixo e construções irregulares na faixa de domínio”.
A situação crítica já tinha sido denunciada através do relatório final da CPI dos Trens, realizada no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado do Rio (Alerj). O texto foi aprovado pela comissão em outubro de 2022 e votado pelo Plenário da Casa em dezembro daquele ano. Na conclusão, os deputados pedem além de investimentos em manutenção e sinalização, redução da tarifa, recriação do Batalhão Ferroviário, aumento da fiscalização, bem como a redução da superlotação e do tempo de espera e a criação de um conselho de usuários.
O texto foi premonitório de eventos lamentáveis que ocorreram depois. Só em novembro de 2023, dois acidentes por pouco não deixaram mortes. No dia 13, dois trens colidiram próximo à estação de Madureira, deixando seis pessoas feriadas e causando cenas de completo desespero. Os passageiros tiveram que andar a pé pelos trilhos para chegar a seu destino. Oito dias depois, houve um descarrilamento em Comendador Soares, Nova Iguaçu, que não provocou vítimas, mas levou pânico aos passageiros.

Foram acidentes preocupantes que levaram o grupo a assinar a carta aberta, entregue no Palácio Guanabara, sede do Governo do Rio, no dia 1º de dezembro passado. O manifesto é assinado, além do Clube, pelo Crea-RJ, Fórum Permanente de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro (FMU), Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro (FAM/RIO), Movimento em Defesa dos Trens (MDT), Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro (SENGE-RJ), Associação de Engenheiros Ferroviários (AENFER), Grupo Fluminense de Preservação Ferroviária (GFPF), Associação Fluminense de Preservação Ferroviária (AFPF), Por Um Trem em Movimento (PTM) e a Prefeitura de Japeri.

Apesar de não ter sido recebido pelo governador Cláudio Castro, o grupo fez um alerta que precisa ser ouvido. Logo depois, no fim do ano, outro acidente colocou em risco a vida dos passageiros. Um descarrilamento em São Francisco Xavier, na Zona Norte do Rio, chegou a derrubar o muro da via férrea. O perigo se agrava com o frequente roubo de cabos, resultado da falta de policiamento e de um adequado isolamento do sistema. Os problemas vão acarretando outros, em um efeito dominó, e medidas urgentes precisam ser tomadas antes de um colapso total do sistema.
O furto de cabos muitas vezes interrompe o fornecimento de energia, paralisando um ramal inteiro. A ação de bandidos também afeta a segurança dos usuários. No dia 9 de outubro passado, um passageiro ficou ferido durante um assalto ocorrido em Marechal Hermes, na Zona Norte da capital, no ramal de Deodoro. Em agosto passado, um trem foi “sequestrado” na Penha por traficantes em busca de um comparsa. Em outubro, ação violenta parecida ocorreu em Manguinhos, ambos na Zona da Leopoldina. É notório que os problemas de segurança estão em toda a parte da Região Metropolitana, mas a sensação de terror quando a questão envolve o transporte de massa não pode ser ignorada.
O próprio governo tem tornado pública a insatisfação com relação à SuperVia, que não estaria cumprindo suas obrigações contratuais de investimento. No entanto, não há decisão com relação à suspensão da concessão à Gumi, empresa de origem japonesa que detém a concessão. Em julho do ano passado, a Justiça do Rio proibiu o Governo de suspender o contrato. Para a juíza Maria Cristina de Brito Lima, da 6ª Vara Empresarial, a medida colocaria em risco o funcionamento do sistema.
Segundo o engenheiro Raul Lisboa, subchefe da Divisão Técnica de Transporte e Logística (DTRL) do Clube, a questão é de fato delicada, mas há condições de o governo conduzir uma retomada do sistema de forma responsável, que leve a uma melhoria da operação sem prejudicar a população já castigada pelos problemas diários. Uma alternativa que facilitaria o processo, sem a necessidade de uma relicitação com emergência, seria a Central, empresa pública do estado, assumir a gestão do sistema. Apesar de ter um porte reduzido, teria a expertise necessária para cuidar da rede, mantendo os funcionários que atuam nela.

“Queremos que o governo assuma a responsabilidade, diante da gravidade da situação. A manutenção de trilhos e dormentes, bem como da sinalização, é fundamental para a segurança. Não é à toa que estão ocorrendo tantos acidentes”, ressalta Lisboa.
Segundo ele, os técnicos que operam o sistema, atentos aos problemas, têm reduzido a velocidade de circulação dos trens. A lógica é que, mais vagarosos, mesmo que colidam ou descarrilem composições, a periculosidade seria menor. Essa medida pode até ter evitado ferimentos mais graves nos acidentes recentes que poderiam ser fatais, mas não é satisfatória para quem depende do transporte para trabalhar.
“A situação é crítica em todos os aspectos. A AGETRANSP, agência reguladora que deveria fiscalizar o sistema, não cumpre seu papel, alegando que não tem recursos suficientes. É um quadro inaceitável para uma metrópole como o Rio de Janeiro”, afirma Lisboa.
Segundo ele, é crescente a mobilização da sociedade civil por providências. O fato de o alerta ter partido de entidades de caráter mais técnico não reduz a importância do movimento por recuperação dos trens. São cada vez mais frequentes as reuniões entre representantes dos usuários em todas as partes da Região Metropolitana e novas manifestações devem ocorrer por iniciativa da Frente Parlamentar Pró-Ferrovia Fluminense. A pressão está aumentando para que o interesse público prevaleça.
Leia a íntegra da Carta, a seguir:
CARTA ABERTA AO GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, CLÁUDIO BONFIM DE CASTRO E SILVA
SUPERVIA COLOCA EM RISCO A VIDA DE SEUS USUÁRIOS
Sr. Governador,
O Relatório Final da Comissão Parlamentar de Inquérito da ALERJ – CPI dos Trens, publicado em 10 de outubro de 2022, aponta uma série de graves problemas que afetam o Sistema de Trens de Passageiros da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, concedido há 25 anos à empresa Supervia Concessionária de Transporte Ferroviário S.A.: falta de manutenção da via permanente, resultando trilhos e dormentes em péssimas condições; deficiência grave na sinalização; falta de segurança para passageiros e funcionários; atrasos e interrupções frequentes; falta de acessibilidade para pessoas com deficiência; acúmulo de lixo e construções irregulares na faixa de domínio. Some-se a isso a flagrante inoperância da agência reguladora AGETRANSP.
Passado pouco mais de um ano, os problemas continuam se agravando, como comprovam o descarrilamento ocorrido no dia 21/11/2023, em Comendador Soares, e o choque entre composições em Madureira, acontecido na semana anterior.
Considerando que o Artigo 175 da Constituição Brasileira estabelece que incumbe ao poder público a prestação de serviços públicos; considerando a situação de abandono em que se encontra o Sistema de Transporte Ferroviário de Passageiros da RMRJ; e, por fim, considerando o risco iminente de uma tragédia de grandes proporções neste mesmo Sistema, as entidades abaixo vêm publicamente endereçar ao Governador do Estado do Rio de Janeiro um pedido veemente de que o poder público estadual reassuma o controle da operação do Serviço Público de Trens de Passageiros da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Rio de Janeiro, 1º de dezembro de 2023
FMU – Fórum Permanente de Mobilidade Urbana da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
FAM/RIO – Federação das Associações de Moradores do Município do Rio de Janeiro
Clube de Engenharia
MDT – Movimento em Defesa dos Trens
CREA/RJ – Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro
SENGE/RJ – Sindicato dos Engenheiros no Estado do Rio de Janeiro
AENFER – Associação de Engenheiros Ferroviários
GFPF – Grupo Fluminense de Preservação Ferroviária
AFPF – Associação Fluminense de Preservação Ferroviária
PTM – Por Um Trem em Movimento
Prefeitura de Japeri