Meta faz virada de mesa e acaba com política de moderação de conteúdo

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Mark Zuckerberg em pronunciamento. Crédito: Reprodução
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Química em Questão

CEO Mark Zuckerberg afrouxa combate às fake news no Facebook e Instagram e gera protestos de defensores da liberdade e respeito aos direitos humanos na internet

Em maio de 2014, uma notícia chocou o Brasil: o linchamento e assassinato de Fabiane Maria de Jesus, no Guarujá (SP), vítima de fake news que se espalharam através do Facebook e que a associavam ao sequestro de crianças. Assim como indivíduos inocentes como ela, a desinformação nas redes sociais vem atingindo também minorias de cor, orientação sexual ou religiosas, e atacando verdades científicas. A reação da sociedade contra a onda extremista levou as próprias plataformas a combaterem o problema, passando a retirar do ar postagens mais violentas, mas recente comunicado do CEO da Meta, Mark Zuckerberg, responsável pelo próprio Facebook e o Instagram, pôs por terra os avanços em curso. O executivo simplesmente encerrou programa de checagem de fatos e atacou os esforços dos Estados soberanos de imporem limites às falas tóxicas, inclusive por parte dos tribunais.

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Redes sociais tendem a propagar mais discursos de ódio depois da medida da Meta. Crédito: Pixabay

No seu comunicado em vídeo, postado no dia 7 de janeiro, Zuckerberg justificou sua decisão alegando que as posições tomadas pelos moderadores seriam “enviesadas”. Ele também se antecipou às críticas que iria receber dando como motivo a defesa da “liberdade de expressão”, argumento pífio também usado pelo empresário Elon Musk em suas polêmicas medidas em torno da plataforma X (ex-Twitter). Afinal, toda liberdade tem seus limites, que são justamente os direitos alheios. Mas seu tom foi mais alto quando resolveu atacar as cortes, que vêm enfrentando o poder das big techs. Sem apresentar provas, afirmou que a América Latina teria “tribunais secretos” ameaçando empresas como a dele. 

Apesar de a sede do Supremo Tribunal Federal (STF) estar em plena Praça do Três Poderes, em Brasília; de suas sessões serem transmitidas na TV; e de suas sentenças estarem na internet, houve quem visse na estocada de Zuckerberg uma crítica ao tribunal brasileiro. Recentemente, a corte suprema chegou a interromper o funcionamento do X no Brasil, até que a rede de Musk pagasse o que devia e indicasse representante legal no país. A reposta do ministro Alexandre de Moraes foi imediata:

“No Brasil, [redes sociais] só continuarão a operar se respeitarem a legislação brasileira. Independentemente de bravatas de dirigentes irresponsáveis das big techs”.

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Ministro Alexandre de Morais reagiu à medida. Crédito: Creative Commons

Tanto no comunicado de Zuckerberg quanto nos releases da Meta não ficou claro como as plataformas da empresa vão se portar em relação aos diversos países. Na prática, as postagens deixam de ser avaliadas por checadores profissionais e passam a ser discutidas pela comunidade de usuários. O setor responsável pela moderação nas redes foi transferido do liberal estado da Califórnia, para o ultra conservador Texas, interferindo diretamente no ambiente das redes nos Estados Unidos. Filtros de moderação serão reduzidos e só há promessa de retirar do ar conteúdos extremamente graves, como terrorismo, exploração sexual infantil, drogas e fraudes. Os conteúdos políticos poderão voltar a ser impulsionados no território americano, o que também gerou polêmica.

O comunicado também está sendo interpretado como um aceno de adesão ao governo de Donald Trump, que se iniciou em 20 de janeiro. O político republicano, que chegou a fazer duras críticas à linha anterior da Meta, vem também se aproximando da big tech. O CEO da Meta chegou até a jantar na casa de Trump na Flórida, em Mar-a-Lago, no último mês de novembro e a empresa doou US$ 1 milhão para a vaquinha para a organização da posse. Ao concordar que combater as fake news é um atentado à liberdade de expressão, Zuckerberg acaba adotando o discurso que já era do presidente recém-empossado.

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Mark Zuckerberg é acusado de ter se alinhado ao governo Trump. Crédito: Creative Commons

As medidas anunciadas provocaram muitas reações na comunidade que justamente mais luta por liberdade na internet. A rede mundial, que na década de 1990 prometia ser libertária, acabou gerando uma concentração de poder inédita na humanidade, que chega a colocar em risco as democracias. Para se ter uma ideia, enquanto o Facebook tem mais de 2,1 bilhões de usuários ativos, o Instagram tem cerca de 1,47 bilhão. Sem contar o WhatsApp, também controlado por Zuckerberg, usado quase universalmente no Brasil, por exemplo. 

A organização Coalizão Direitos na Rede, entidade que congrega cerca de 60 entidades da sociedade civil interessadas no desenvolvimento da internet no Brasil, lançou imediatamente um manifesto intitulado “Contra o Retrocesso na Moderação de Conteúdo da Meta e os Ataques à Regulação Democrática do Espaço Digital”, em que repudia as medidas adotadas, sem deixar de criticar a política anterior, considerada já como falha. O documento, assinado por quase 140 entidades, aponta para os riscos que passam a correr os grupos mais vulneráveis, que terão seus direitos desrespeitados, e para o possível estimulo à violência de gênero e de propagação de discursos de ódio. A carta também prega maior regulação das big techs.

“O discurso da Meta se alinha com uma retórica preocupante que afronta iniciativas regulatórias legítimas e necessárias de governos e da sociedade civil em diversas partes do mundo, incluindo a América Latina, generalizando essas ações como “censura” ou “ataques a empresas estadunidenses”. Ao fazer isso, a Meta ataca de forma aberta os esforços soberanos e democráticos de nações em proteger suas populações contra os danos provocados pelas Big Techs. Com isso, prioriza, mais uma vez, os interesses estadunidenses e os lucros de sua corporação em detrimento da construção de ambientes digitais que prezam pela segurança de seus consumidores”, diz o documento.

Renata Mielli, que é Coordenadora do Comitê Gestor da Internet no Brasil, assessora especial do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, também procurou desmistificar os argumentos de Zuckerberg, mostrando que a moderação anterior garantia muito mais liberdades do que a nova proposta. Ela ponderou, entretanto, que de fato há críticas pertinentes aos filtros adotados pelos moderadores, que podem eventualmente remover conteúdos legítimos. Aprimoramentos  deveriam ser feitos, principalmente a partir de uma política mais transparente com relação aos algoritmos, segundo ela.

A ideia de simplificação das políticas de conteúdo é mais uma cortina de fumaça – desta vez, para frear o mínimo de obrigações que foram conquistadas por legislações nacionais para impedir a circulação desse tipo de conteúdo. Ou seja, é um ataque às iniciativas soberanas de regulação das plataformas, que endossam práticas como as que ocorreram no Brasil, durante as tentativas de votação do PL 2630/2020, que visava à regulação das big techs”, argumentou Renata Mielli.

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O chamado PL das Fake News, que foi relatado pelo deputado Orlando Silva (PcdoB-SP), busca justamente impor maior transparência e responsabilidade às big techs, que teriam que dar maior publicidade aos seus algoritmos e códigos de conduta, além de assumirem maior responsabilidade sobre os conteúdos postados. Por pressão justamente das plataformas digitais, o texto tem hibernado no Congresso. Diante das medidas adotadas pela Meta, o governo Lula já avalia atuar junto ao Legislativo para acelerar a votação. O presidente inclusive convocou uma reunião ministerial para tratar do assunto.

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Deputado Orlando Silva é relator do PL das Fake News

Apesar de preocupante, a guinada política da Meta pode ter outros objetivos, que não o aceno aos grupos de extrema-direita. A aproximação com Trump e seu governo pode ter um caráter estratégico na busca de apoio para manter toda sua estrutura, frente às eventuais medidas antitruste. A empresa está sendo processada pela Comissão Federal de Comércio (FTC), que alega que as compras do Instagram em 2012 e do WhatsApp em 2014 acabaram eliminando concorrentes emergentes e então ameaçadores. 

Lina Khan, presidente do FTC indicada por Joe Biden para o cargo, disse em entrevista ao canal de notícias CNBC que não é à toa que a Meta e outras big techs estejam tão ávidas por se aproximar de Trump neste momento.  

“É verdade que a FTC tem sido muito bem-sucedida, inclusive em seus litígios em andamento contra a Amazon e o Facebook. E então, é natural que essas empresas queiram entrar e ver se conseguem algum tipo de acordo favorável”, disse Khan

Ela será substituída no cargo pelo jovem advogado Andrew Ferguson, indicado por Trump, que já defendeu publicamente que a suposta censura a opiniões conservadoras deve ser combatida. Portanto, unidas ao governo americano, as big techs são mais fortes ainda.

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