Geólogo e professor Rualdo Menegat fala ao projeto Humanidades na Engenharia sobre lições tiradas da tragédia no Rio Grande do Sul
A tragédia das chuvas no Rio Grande do Sul continuam causando repercussão, apesar da queda do nível dos rios, em virtude da gravidade dos estragos e da discussão que vem gerando em torno das mudanças climáticas. É uma reflexão da qual participa também o Clube de Engenharia, que convidou o geólogo e professor gaúcho Rualdo Menegat para uma segunda participação no programa Humanidades na Engenharia. Sua principal contribuição foi mostrar que além das medidas contra o aquecimento global, o mundo precisa adotar diversas ações para o enfrentamento dos eventos extremos, a começar por mudanças na educação e na organização comunitária.
O choque da sociedade diante do desastre que atingiu principalmente Porto Alegre e seus arredores — evento já considerado um dos mais graves de todos os tempos numa região metropolitana do Hemisfério Sul — é uma reação natural de solidariedade humana. Mas também pode ser motivado pelo temor espontâneo de uma tragédia semelhante ocorrer consigo. E é algo que segundo o professor pode de fato acontecer em outros lugares.
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Se uma tempestade de mais 800 mm ocorrer no oceano, pouco efeito trará, mas em terra firme os estragos são enormes. Conforme explicou Menegat, além da conjunção de fatores meteorológicos, a tragédia foi agravada pelas condições morfológicas da região. O fenômeno foi causado pelo encontro de uma frente fria com os chamados rios de nuvem oriundos da Amazônia. A quantidade de água despejada em vales cortados por rios que desembocam simultaneamente no Guaíba, tido por muitos mais como um lago do que um rio propriamente dito, levou a uma elevação do seu nível em mais de 30 metros.
É uma situação que lembra as chuvas de 1941 no mesmo local, afinal os fenômenos extremos sempre ocorreram, mas o fato é que até os leigos estão percebendo que tais eventos ficaram mais agressivos e frequentes. Isso era esperado por cientistas que há décadas estudam o efeito estufa. Conforme vem sendo demonstrado pelos dados das medições, há uma elevação da temperatura média do planeta, atribuída à maior concentração de gases na atmosfera que favorecem a retenção de calor.
“A causa principal que se admite hoje sobre o aquecimento global, é a emissão desenfreada de gás carbônico pela queima de combustíveis fósseis, especialmente carvão. Ele leva ao derretimento do gelo e a um efeito dominó, numa retroalimentação. As temperaturas não só estão se elevando desde 1850, como nos últimos 30 anos houve uma aceleração e temos uma temperatura 1,4º centígrados maior”, alerta Menegat.
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Mas só o clima não é suficiente para explicar o fenômeno no Rio Grande do Sul, o que não elimina outros fatores causados pelo homem. Segundo o professor, contribuiu para o desastre o alto grau de desmatamento na região, incluindo a cabeceira dos rios — o que tende a acelerar o curso da água — bem como das encostas mais íngremes. As ocupações indevidas de áreas sujeitas à alagação também agravaram o quadro.
“Os rios Jacuí, o Taquari-Antas, Sinos e Gravataí convergem para Porto Alegre. Eu chamaria isso de convergência fluvial do Delta do Jacuí, onde está a desembocadura para o Lago Guaíba, que funciona como um funil. Em tempos normais, a água se concentra no delta e escoa para o Guaíba e extravasa por fluxo laminar para a Laguna dos Patos, que por sua vez se conecta com o Atlântico. Todo esse sistema de lagoas e lagunas do Rio Grande do Sul é o maior do mundo em área costeira, mas tem um outro funcionamento com temporais, pois as marés e os ventos podem bloquear a saída do Guaíba e segurar a inundação em Porto Alegre”, explica o professor.
O cenário ainda foi agravado pela falta de manutenção do sistema antienchente de comportas e bombas de escoamento que não funcionou a contento na hora da cheia. Ele criticou o desmantelamento de órgãos públicos locais responsáveis tanto pelo licenciamento e fiscalização ambientais quanto pelo planejamento urbano.
“Houve um sucateamento enorme da infraestrutura do Estado para enfrentar uma catástrofe, principalmente o sistema de inteligência do estado e do município”, ressaltou Menegat.
Reverter essa situação depende de medidas globais e do convencimento dos governos no mundo todo da necessidade de se adotarem políticas sustentáveis, mas localmente muito pode ser feito também, segundo o professor. Ele defende o estímulo à inteligência social, com a capacitação a partir da infância para a coleta de dados e a atuação em prol do meio ambiente. As escolas podem se tornar centros dessa inteligência e atuarem como capilaridades de programas de gestão urbana, social e ambiental.
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O conselheiro Carlos Ferreira, que é um dos coordenadores do programa Humanidades, também ressaltou a importância de se aprender com a tragédia para se corrigir problemas de degradação não só no estado sulista, mas em todo o país.
“Nesse caso, entrou uma massa de humidades, atravessando a cadeia dos Andes e caiu em Porto Alegre. Mas ela poderia ter se desviado e ido para Santa Catarina, para o Paraná. E se fosse para Minas Gerais, por exemplo, com todas aquelas barragens de resíduos de minério? Qual a tragédia que ocorreria?”, indagou o Ferreira, lembrando também a situação das barragens de resíduos no Pará.
A vice-presidente do Clube Maria Alice Ibañez Duarte reforçou a necessidade de busca de uma regeneração da região afetada pela catástrofe, com o envolvimento da sociedade civil brasileira, o que torna a contratação de uma consultoria estrangeira de imediato para tocar o projeto uma solução inadequada.
“Acho que tem que haver uma concertação de toda a sociedade, inclusive com a participação do Clube de Engenharia”, disse Maria Alice.
Assista aqui ao programa: