Mundo multipolar foi analisado em seminário com o jornalista Pepe Escobar, que abordou conflitos numa transição com incertezas e riscos
Ao mesmo tempo em que a hegemonia dos Estados Unidos vem sendo enfraquecida, ocorre no planeta a emergência de novas potências e blocos econômicos. Essa nova correlação de forças no cenário internacional, com menor concentração de poder num único país, tende a consolidar um mundo multipolar. Surge, portanto, uma nova ordem mundial, que foi tema de uma conferência sediada no Clube de Engenharia, em parceria com o portal de notícias Brasil 247 e o Instituto Brasileiro de Estudos Políticos (IBEP), com a presença do jornalista independente Pepe Escobar, especializado em geopolítica. Como observador privilegiado de cada jogada desse tabuleiro de xadrez, o analista apresentou as oportunidades de avanços que essa realidade traz para o Brasil e também os riscos e possíveis retaliações em virtude do descolamento do domínio americano.
“Por dentro da história: como está nascendo o mundo multipolar” foi o título do evento que ocupou o auditório do 25º andar da sede do Clube, já disponível na TV 247. A mesa contou com a participação do chargista Carlos Latuff, cujo trabalho tem apresentado nos últimos anos grande repercussão, devido a seu posicionamento político. Ele defendeu o debate sobre os temas internacionais como forma de compreensão da realidade local.
“É importante entendermos as maquinações, como é importante essa relação da geopolítica”, ressaltou o chargista, que lançou ao palestrante o desafio de falar das possíveis reações da Casa Branca aos passos independentes dos países.
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Escobar tocou, portanto, em temas centrais não só para o mundo como especificamente para o Brasil, que a partir da eleição do presidente Lula em 2022 começa a adotar novamente postura independente em sua política externa. A começar pelo fortalecimento do BRICS, grupo formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Justamente esses cinco Estados estão se preparando para reunião de cúpula no fim de agosto em Joanesburgo, maior cidade sul-africana, onde deve ser discutido inclusive a inclusão de novos membros. O bloco não para de ganhar candidatos, o que tende a não ser bem visto por Washington.
O analista apontou para outro ponto nevrálgico no novo cenário internacional que está sendo desenhado, que é o crescimento também do banco dos BRICS, que passou a ser presidido pela ex-presidente Dilma Rousseff. Seu papel será o de dar lastro a uma nova estruturação financeira internacional, menos dependente de instituições como o FMI e o Banco Mundial. Também está em jogo a capacidade desses países de criarem uma alternativa ao dólar como moeda oficial do comércio internacional. A desdolarização, que conta com o apoio do governo brasileiro, segundo Escobar, não é uma tarefa fácil e sua arquitetura ainda não foi definida pelos principais estrategistas do bloco e nem é possível prever que ataques virão de Washington a essa via.
“Nós somos para os think tanks americanos um swing state. Não é porque nós temos swing e nossa música é uma das melhores do mundo. Swing states são estados que podem ir tanto para os democratas quanto para os republicanos numa eleição presidencial e eles adaptam de forma provinciana isso para o mundo global”, afirmou o analista, ao avaliar a preocupação gerada pelos rumos adotados pelo Brasil na Casa Branca.
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Portanto, a transição para uma nova ordem mundial, apesar de inevitável, não está sendo pacífica e continuará longe de ser tranquila para o mundo. Reflexo disso é o conflito militar na Ucrânia, país invadido por tropas russas há cerca de um ano e meio. O presidente Vladimir Putin busca fazer frente à expansão da Otan e divide opiniões com isso. Para muitos, trata-se de um criminoso que está castigando a população ucraniana, mas para Escobar ele é um personagem dessa trama internacional retaliado por mais afrontar os interesses ocidentais. Pode também estar sendo usado para enfraquecer a Alemanha, cuja indústria perde força sem o gás russo, e a China, que vê sua estratégia de criação de novas “rotas da seda” ser ameaçada com o conflito.
Portanto, o mundo atual é instigante, mas ao mesmo tempo exige um raciocínio complexo. As guerras podem ser híbridas, pois envolvem ataques militares, econômicos, golpistas e midiáticos. É um cenário em que o Brasil tende a ter um papel cada vez mais de protagonista e pode tirar vantagens reforçando sua soberania e o rumo do desenvolvimento.
“Essa é a grande notícia do século XXI: é a união do sul global, a revolta do sul global e o que o presidente Lula codificou agora. Está na hora se nos juntarmos porque esse mundo que havia acabou”, concluiu Escobar.
O presidente do Clube de Engenharia, Márcio Girão, agradeceu a presença do jornalista na sede da entidade e sua contribuição para um debate tão importante para a compreensão do mundo atual. Após a exposição de Escobar, o público fez comentários e perguntas, demonstrando interesse por temas estratégicos, num debate mediado pelo colunista Leaonardo Attuch.
“O Clube no seu estatuto defende três itens muito claros e muito simples. A soberania, a democracia e o desenvolvimento. Tivemos um passado que não queremos que volte, em que o desenvolvimento esteve ameaçado, a ciência e a tecnologia indo para o brejo e o futuro do país sendo prejudicado, pela destruição da ciência e das empresas, algumas privatizadas indevidamente e perda da soberania”, concluiu Girão.