Artigo aborda aspectos técnicos e os impactos ambientais e sociais do desastre da mineração na capital alagoana
Autor: Ricardo Latgé Milward de Azevedo
Não bastassem os rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho, os brasileiros acompanham estarrecidos, agora, uma enorme tragédia urbana: o colapso de minas (= cavas, cavidades ou cavernas) de extração de sal-gema, em Maceió, matéria-prima utilizada na produção de PVC, soda cáustica e outros insumos nas indústrias de higiene, limpeza, construção civil e infraestrutura.
Em comum nessas três tragédias está o fato de que envolvem processos extrativos de bens naturais, atividades tão complexas quanto a necessidade da sociedade moderna de que existam. Difícil imaginar nossa vida, por exemplo, sem combustíveis extraídos do petróleo ou sem um tubo de PVC, produzido a partir da lavra do mineral halita (NaCl), um sal similar ao que usamos para temperar nossos alimentos.
Ao longo da história, não foram poucos os desastres envolvendo atividades extrativas. Às vezes, impostos por particularidades da Natureza; em outros momentos e, infelizmente, em maior número, por negligências. Em todos eles, é imperioso responsabilizar devidamente empresas e profissionais envolvidos, e identificar as causas destes processos para não permitir que se repitam. Cabe às Geociências e à Engenharia a obrigação de dar conta destas últimas tarefas e existe competência nas empresas públicas ou estatais, na academia e centros de pesquisa brasileiros para contribuírem com a mitigação de qualquer destes desastres.
A história da mineração na capital alagoana começa em 1977, com a Salgema Indústrias Químicas S/A, que depois passou a se chamar Braskem. As 35 cavidades foram planejadas para explorar a camada de sal situada entre 1.100 e 900 m de profundidade. Foi adotado o método de dissolução subterrânea por injeção de água doce, pressurizada, através de poços, com a salmoura produzida retornando à superfície via anel externo dos mesmos poços. É uma técnica utilizada em vários locais do mundo, com histórico de sucesso, mas também registrando problemas similares aos que estão a acontecer em Maceió.
A implantação dessa atividade extrativa-industrial próximo aos bairros Bebedouro e Mutange, dois dos mais antigos de Maceió, não se fez sem a resistência de setores da população preocupados com o risco de explosões na planta industrial e consequente emanações de gases tóxicos. A ameaça de colapso de “cavernas”, criadas pela extração do sal, materializou-se mais tarde, em 1985, merecendo uma charge publicada na antiga Tribuna de Alagoas, como ilustração da reportagem de Mário Lima e Érico Abreu. Mas o sinal do descontrole do processo extrativo das minas ganhou relevância em março de 2018, depois da região registrar um abalo sísmico de intensidade 2,8 na escala Richter, que deixou rachaduras em várias residências e vias públicas, provocadas pela subsidência na superfície do terreno.
Coube a um relatório de altíssima qualidade, elaborado pelo Serviço Geológico do Brasil/CPRM, mostrar negligências na gestão das lavras de sal pela Braskem como os principais motivos para os processos geológicos ligados à busca da Natureza em reencontrar seu equilíbrio. O documento foi decisivo para que o Ministério Público Federal e a Braskem firmassem um acordo de realocação e indenização dos moradores, embora a empresa jamais tenha assumido sua responsabilidade no ocorrido. A decisão levou à desocupação de 14,5 mil residências de cinco bairros da capital alagoana, provocando a remoção traumática de cerca de 60 mil pessoas.
Com a área de maior risco delimitada e isolada pela Defesa Civil, o melhor a fazer agora é reflorestá-la, tornando-a um bosque da cidade. Sim, porque o recém colapso da Mina 18 deu a primeira mostra de quão incerta e demorada será a estabilização das rochas sob os cinco bairros afetados pela mineração. O fato de estar esta cava, em 2019, dentro da camada de sal e agora colapsar sob a Lagoa Mundaú exige compreender melhor os efeitos das técnicas adotadas para preencher e estabilizar as cavidades no subsolo.
Os processos que envolvem o comportamento do sal, ou de situações de descontrole de cavas por dissolução destas rochas, são conhecidos e os efeitos de suas movimentações podem ser mitigados na medida em que haja seu monitoramento permanente, adotando as melhores técnicas geológicas. O sal deforma-se facilmente e procura ocupar espaços sob menor pressão, o que pode induzir novas tensões nas rochas que o abriga. A notícia a comemorar está no fato de que o sistema de prevenção ao risco funcionou, com o alerta sobre o estado crítico da Mina 18 ocorrendo a tempo para providências que evitassem perdas humanas.
Além dos investimentos no acompanhamento técnico, que recomenda um novo estudo a cargo do Serviço Geológico do Brasil/CPRM, é imperativo bem informar à sociedade sobre as tendências quanto à evolução deste processo geológico. A transparência e difusão destes novos conhecimentos, inclusive os levantados pela Braskem, serão essenciais para a sociedade local e os visitantes poderem se acostumar e conviver com eventuais novos colapsos. Está na excelência técnica e na educação de sua população a base de sucesso dos japoneses para conviverem, há muito, com os terremotos que assolam suas ilhas.
Não temos dúvida que uma solução mais harmoniosa para a população afetada só sairá se os governos municipal, estadual e federal se entenderem e adotarem todos os instrumentos legais que dispõem de modo a levar a Braskem a assumir, em sua integralidade, a responsabilidade empresarial sobre o corrido. Quiçá, a pujança desta empresa e seu compromisso com a Responsabilidade Social a leve a oferecer casas novas, num bairro novo, com toda infraestrutura necessária, inclusive de transporte para o centro de Maceió, a título de indenização dos que perderam tudo.
Além da Braskem, há que se apontar para a incapacidade dos órgãos públicos de controle, particularmente, o DNPM (atualmente ANM), de cumprir seu papel fiscalizador de atividades minerárias brasileiras. Este órgão há muito vem sendo esvaziado em seu contingente humano, sua infraestrutura técnica e no seu poder político-administrativo, fragilizando a autoridade do estado brasileiro em bem zelar por boas práticas na mineração.
A grande mídia também tem de rever sua postura, bem informando a população e passando a cobrar cotidianamente medidas governamentais que evitem tragédias anunciadas. No caso de Maceió, depois de 2019 a imprensa “esqueceu do problema”, até que houve o alerta do risco do colapso da Mina 18. Sua cobertura limita-se ao momento da crise, sem maiores compromissos em defender mudanças estruturais que resolvam problemas corriqueiros da população brasileira, em especial a mais pobre.
Por fim, e talvez o aspecto mais nocivo ao futuro da humanidade, está a lógica rentista dominando as gestões das grandes empresas. Este processo envolve privatizações, enxugamento do quadro das empresas, terceirização generalizada e a maximização de dividendos aos acionistas, com os gestores sendo regiamente aquinhoados principalmente por esta última faceta. É um caminho extremamente ameaçador aos interesses da sociedade. Os apagões no Estado do Amapá, em 2021, e este ano, na cidade de São Paulo, dão mostras da ineficiência e do risco na gestão rentista, em especial em serviços públicos essências ao dia a dia do cidadão.
Há que se acompanhar a evolução da tragédia de Maceió também com este olhar, impedindo que os interesses econômicos se imponham, não raro oportunizados por disputas políticas paroquianas. A judicialização do acordo recém firmado pela Prefeitura de Maceió e a Braskem mostra o quão ameaçador este aspecto pode ser aos interesses dos atingidos. Isto impõe ao Governo Federal utilizar seus instrumentos políticos, jurídicos, técnicos e administrativos para dar os devidos encaminhamentos às miríades de problemas que este desastre está a criar.
A tragédia do colapso de minas em Maceió pode e deve ser uma oportunidade para “botar um pouco mais de ordem na casa”.