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O Clube de Engenharia e o “primeiro mártir do petróleo”

O Clube de Engenharia e o “primeiro mártir do petróleo”

O geólogo José Bach
O Clube de Engenharia e o “primeiro mártir do petróleo”
Indústria Química Brasileira

No dia 11 de outubro de 1915, apareceu nas páginas do jornal A Rua uma nota intitulada “As minas de petróleo do Estado de Alagoas”, noticiando a exposição no salão do Club de Engenharia de produtos petrolíferos explorados naquele estado pelo cientista José Bach, seguida de uma palestra sobre o tema. Segundo o jornal Correio da Manhã, a conferência sobre as “minas petrolíferas do Estado de Alagoas”, realizada no dia 9 daquele mês, foi bastante concorrida, contando com a presença de representantes da Presidência da República, dos ministros da Viação e da Marinha, bem como numerosos associados do Clube de Engenharia e curiosos. José Bach destacou suas pesquisas na faixa litorânea de Alagoas e Sergipe desde 1912 e o imenso potencial econômico das rochas sedimentares oleaginosas (“xistos”) daquela região, que devidamente beneficiadas poderiam produzir não apenas o óleo cru, mas também seus derivados como a gasolina, querosene, parafina e óleos lubrificantes. O conferencista concluiu sua exposição com um apelo: “Despertemos nós brasileiros e façamos valer as riquezas que possuímos!”.

Durante a I Grande Guerra, quando os recursos energéticos como o petróleo e o carvão assumiram grande destaque devido à sua importância estratégica no cenário de beligerância mundial, o Clube de Engenharia também voltou sua atenção para esses produtos. Desde 1912, o Conselho Diretor do Clube havia designado uma Comissão para o estudo do carvão nacional presidida pelo Eng. José Carlos de Carvalho Júnior (1847-1934) e relatada pelo Eng. Mário de Andrade Ramos (1879-1951), professor da Escola Naval e que nos anos seguintes produziria diversos estudos sobre esse bem mineral. Na sessão de 11 de setembro de 1916, Mário Ramos dirigiu ao Conselho Diretor as conclusões do relatório emitido pela comissão. Um dos aspectos mais interessantes foi a apresentação da marcha das importações brasileiras de carvão e gasolina entre 1913 e 1915, que mostrava o impacto da guerra sobre o país. Antes da deflagração do conflito, as importações de carvão e gasolina foram de, respectivamente, 1.293.849 t e 16.407 t, declinando para praticamente a metade em 1915, com 752.407 t e 8.724 t (dados do United States Commerce Report). Segundo o Eng. Mário Ramos, as mais de 550 mil toneladas de carvão teriam sido substituídas “pelo grande combustível nacional”, ou seja, “a lenha das nossas florestas”. De modo profético, o relator prosseguiu afirmando que “não são precisas grandes palavras para proclamar o mal dessa devastação florestal ao regime das águas pluviais e fluviais das regiões vitimadas, porque se continuarmos por esse caminho, em breve sentiremos o efeito duro e cruel de nossa imprevidência e do nosso descaso no definhamento de nossa lavoura.” E prosseguiu relatando as conclusões e sugestões de seu estudo acerca das jazidas carboníferas brasileiras que se estendem de São Paulo ao Rio Grande do Sul; suas características qualitativas e quantitativas; transporte e beneficiamento; impostos e contrapartidas governamentais; enfatizando as dificuldades atuais do mercado de combustíveis oriundas do conflito europeu, bem como a alta extraordinária dos fretes marítimos, que segundo ele “constitui para nosso país o momento privilegiado para a organização e surto da indústria da mineração dos nossos combustíveis.” O debate sobre o carvão nacional dominou o Conselho Diretor até o mês seguinte, sendo solicitado à Comissão pelo Dr. Paulo de Frontin, presidente do Clube de Engenharia, o envio do relatório ao presidente da República, ministros de Estado e membros das comissões de finanças das duas casas do Congresso.

A exposição de produtos petrolíferos no salão do Clube de Engenharia no ano anterior se alinhava, portanto, ao interesse da entidade na produção nacional de combustíveis fósseis durante o conflito mundial, de modo a alcançar a soberania do país neste setor econômico. Vale assim destacar a atuação do geólogo alemão José (Josef) Bach na luta pela autonomia do Brasil na produção de combustíveis a partir do beneficiamento de folhelhos (“xistos”) betuminosos disponíveis no litoral dos estados de Alagoas e de Sergipe.

José Bach já no final do século XIX possuía certa fama em nosso continente por conta de suas expedições desde o Cabo Horn até o Orenoco, e não apenas pelos seus estudos de geologia e mineralogia, mas também de antropologia e linguística, tendo se demorado entre os indígenas do Peru e da Bolívia estudando suas culturas e idiomas. No início de 1908, liderou uma expedição a região do Alto Juruá, no Peru, que foi interrompida antes de sua conclusão, pois as autoridades daquele país detiveram José Bach e seus companheiros.

No final daquele ano, Bach já estaria no Rio Grande do Norte, tendo prospectado jazidas minerais naquele estado até o ano seguinte e, em 1910, foi nomeado pelo governador do Pernambuco como encarregado dos serviços de Geologia e Mineralogia naquele território, cargo que exerceu até junho de 1911. Ao que tudo indica, o geólogo seguiu para o estado de Alagoas, onde fixou residência com sua esposa brasileira e quatro filhos na pequena vila de Coqueiro Seco, na margem da Lagoa Mundaú. O que atraiu Bach para o território alagoano teriam sido as jazidas de “xisto” betuminoso aflorantes na região de Maceió, especialmente nos arredores da localidade de Riacho Doce, a nordeste da capital. Essas ocorrências de “xisto” já eram conhecidas desde muito tempo, sendo utilizadas pela população local para iluminação doméstica. O primeiro a explorar as jazidas do Riacho Doce, a partir de 1888, foi o português Caetano José de Mesquita, que chegou a construir uma retorta para produzir gás a partir do “xisto”. 

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Lagoa Mundaú em Alagoas na atualidade. Crédito: Gustavo C. Rocha/Creative Commons

No início de 1915, Bach conseguiu criar uma pequena empresa para a exploração e beneficiamento do “xisto” betuminoso, através dos benefícios promovidos pelo Decreto no 2.933 de 6 de janeiro de 1915, que regulou a propriedade das minas. O Syndicato das Minas Petrolíferas visava atrair investidores para adquirir uma sonda para a prospecção do minério e, a presença de José Bach na capital federal em outubro daquele ano, expondo seus produtos no Clube de Engenharia, certamente pretendia atrair capitais para o seu empreendimento mineiro, bem como o interesse do governo federal. O Syndicato não teve vida longa, sendo encerrado após muitos prejuízos. Mas a disposição de Bach em viabilizar um empreendimento mineiro não arrefeceu e, no início de 1918, este participou da criação da Empresa de Minas Petrolíferas, cujo principal investidor era a empresa Andrade Auto e Cia., de Maceió, pertencente ao bacharel Gilberto Andrade, da oligarquia local. Bach ocupou o cargo de diretor técnico da empresa e montou uma pequena destilaria de óleo. Em fevereiro de 1918, José Bach acompanhado de seu sócio, retornou ao Rio de Janeiro para uma nova demonstração, desta vez na usina de eletricidade do Theatro Municipal, onde fez, com algum destaque na imprensa local, uma experiência de destilação do “xisto” e a queima do óleo extraído em um motor Diesel.

Ao longo de 1918, as relações de Bach com Gilberto Andrade foram se deteriorando e, no final de novembro, o geólogo acionou a empresa Andrade Auto e Cia. na Justiça, propondo uma ação indenizatória de 300 contos de réis por prejuízos alegadamente sofridos. No dia 2 de dezembro, a canoa em que atravessava a Lagoa Mundaú pilotada pelo “remeiro” Antônio Euzébio naufragou, causando o afogamento de José Bach, cujo corpo só seria encontrado dois dias depois. O barqueiro, que não prestou socorro ao velho geólogo, sobreviveu e foi preso pela polícia acusado de assassinato, sendo posteriormente inocentado. O que foi fartamente exposto pela imprensa local à época foi o clima de grande animosidade entre Bach e seu sócio na disputa pela exploração das minas do Riacho Doce.

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O escritor Monteiro Lobato lançou luzes sobre a guerra do petróleo. Crédito: Reprodução

Monteiro Lobato, em seu célebre livro “O Escândalo do Petróleo e Ferro” (1936), retirou as camadas de poeira de quase duas décadas sobre a trajetória de José Bach e o proclamou “o mártir número um do petróleo brasileiro”. O geólogo alemão, segundo Lobato, “foi morrido afogado” na Lagoa Mundaú pelas “forças ocultas” que pretendiam controlar as jazidas de petróleo brasileiras. Alguns anos depois, Eutichio Gama, um investidor de Maceió, adquiriu da viúva de José Bach os estudos e direitos sobre as jazidas do Riacho Doce e a tecnologia de extração do óleo, e associou-se ao famoso aviador cearense Euclides Pinto Martins (1892-1924) para retomar as atividades deixadas pelo alemão. Em 12 de abril de 1924, Pinto Martins é encontrado morto no quarto de seu hotel no Rio de Janeiro. “Foi suicidado”, segundo o autor de “O Poço do Visconde”, que o proclamou o “mártir número dois do petróleo brasileiro”.

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O aviador pernambucano Pinto Marins

A luta pela soberania brasileira na produção de seus recursos energéticos, especialmente o petróleo, é uma epopeia de muitos capítulos, sendo alguns trágicos, como o caso do óleo de “xisto” alagoano. O que Lobato denunciou como o programa “Não tirar petróleo nem deixar que o tirem”, teria sido perpetrado pelo que ele denominava as “forças ocultas”, na verdade as duas grandes companhias Standard Oil (USA) e Royal Dutch & Shell (Holanda), e seus prepostos nos governos federal, estaduais e no Congresso. 

As “forças ocultas” seguem vivas, fortes e ampliadas, e nos últimos anos tivemos a oportunidade de vê-las em plena atividade no ataque ao monopólio brasileiro do petróleo, na avidez com que avançaram sobre o Pré-Sal, no desmonte da Petrobras e na entrega desavergonhada de campos petrolíferos produtivos e refinarias.

O Clube de Engenharia sempre esteve presente e ativo na busca pelo conhecimento do subsolo brasileiro e na luta pela soberania na exploração e produção dos nossos recursos energéticos, muito antes da campanha do “Petróleo é nosso” e na defesa da Petrobras. Honremos a memória e a luta de homens como José Bach, “mártir número um do petróleo brasileiro”.


Renato R. Cabral Ramos


Fontes utilizadas: Hemeroteca da Biblioteca Nacional (periódicos A Rua, Correio da Manhã e Jornal do Commércio); CHIARADIA, K. 2011. Ao amigo Franckie, do seu Monteiro Lobato (XII Congresso Internacional da ABRALIC); LOBATO, M. 1955. O Escândalo do Petróleo e Ferro (Ed. Brasiliense); Há 100 anos iniciava a saga do petróleo em AL (https://www.almanaquealagoas.com.br/2018/12/ha-100-anos-iniciava-a-saga-do-petroleo-em-al/); A Saga do Petróleo Alagoano – Os Pioneiros (https://www.historiadealagoas.com.br/a-saga-do-petroleo-alagoano-ii-os-pioneiros.html). 

Sobre o Autor

Renato R. Cabral Ramos

Renato R. Cabral Ramos

Bio: É Conselheiro do Clube de Engenharia, Chefe da Divisão Técnica de Geologia e Mineração (DGM) e Professor da UFRJ.

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