Mas metas criadas pela Organização podem ganhar impulso com novas diretrizes governamentais e participação do setor privado
Desde 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabeleceu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para termos um planeta melhor até 2030. Conjugar diversas áreas tanto do setor público quanto privado para que o mundo caminhe no sentido de um crescimento econômico mais justo e em harmonia com o meio ambiente já era uma missão ousada. A pandemia, entretanto, tornou esse projeto ainda mais desafiador, tendo em vista alguns retrocessos ocorridos em virtude da Covid-19 nos últimos dois anos, principalmente na economia e com relação aos problemas sociais.
Tais obstáculos não impedem a continuação dessa difícil tarefa, que pode ganhar impulso com uma reorientação das políticas públicas pelo novo governo e com uma nova mentalidade do setor privado. Todas as metas estabelecidas pela ONU para seus membros tangenciam o país de alguma forma, apesar de serem globais. Entretanto, problemas históricos brasileiros colocam como principais desafios do país o combate às desigualdades sociais, tanto nos aspectos da renda quanto da saúde e educação.
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Além desse déficit histórico, o país também vem apresentando alguns retrocessos com relação aos ODS. De acordo com o V Relatório do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030, houve aumento da pobreza extrema no Brasil, com 113 milhões de pessoas vivendo em situação de insegurança alimentar, o que aponta para o agravamento desse problema. Também alerta para a dificuldade de universalização do saneamento. O trabalho enxerga como “ameaçada” a meta de “garantir que todas as meninas e meninos completem o ensino primário e secundário livre, equitativo e de qualidade, que conduza a resultados de aprendizagem relevantes e eficazes”.
De fato, uma das áreas que mais sofreu com a pandemia foi a da Educação, tendo em vista que o isolamento social prejudicou o acesso de crianças e jovens ao ensino. O problema afetou de forma mais grave os mais pobres, pelas dificuldades já enfrentadas por eles no acesso à internet e às aulas remotas. A magnitude desse colapso ainda está sendo medida, mas de imediato esse atraso já afeta dois ODS específicos: o de número 4 (Educação de Qualidade) e o de número 10 (Redução das Desigualdades).
A crise econômica e a necessidade de cortes orçamentários não só no Brasil como em diversos países também prejudicam iniciativas que teriam como meta a preservação ambiental ou até mesmo o incentivo à inovação. Há nesse caso efeitos transversais que podem mexer com todos os ODS, mas é nítido que o de número 9 (Indústria, Inovação e Infraestrutura) e de 13 (Ação Contra a Mudança Global do Clima) ficam prejudicados. Os problemas econômicos, por outro lado, dificultam o Objetivo número 1, que é a erradicação da pobreza.
Para o professor da UFRJ Luan Santos, assim como na eleição presidencial de 2020 nos Estados Unidos, a campanha deste ano no Brasil colocou em pauta temas que são cruciais para o avanço nas metas. Segundo ele, é preciso que o novo governo brasileiro adote políticas efetivas, principalmente no enfrentamento da pobreza extrema, e que também abranjam os desafios da sustentabilidade ambiental e das mudanças climáticas.
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“Apesar de terem sido criados pela ONU, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável não são pauta restrita às relações internacionais e ao campo da diplomacia. Eles envolvem a realidade de cada país, todas as esferas de governo, a atuação da iniciativa privada e até a atitude de cada pessoa, que também pode contribuir para um mundo mais sustentável”, explica o professor.
Segundo ele, apesar dos percalços trazidos pela pandemia e das limitações orçamentárias do setor público, o mundo vive por outro lado uma nova mentalidade, que tende a favorecer investimentos privados em projetos sociais e ambientais. Muitas empresas já adotam uma filosofia ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance, ou Ambiental, Social e Governança, em português), que as força a cumprir boas práticas para não causar danos ao meio ambiente ou impactos negativos em comunidades, por exemplo. São fatores que influenciam também decisões das instituições financeiras na concessão de financiamentos e tendem a disponibilizar mais recursos para as iniciativas em prol do desenvolvimento sustentável.
“Há um ambiente mais favorável à inovação, pois linhas de financiamento e fundos de investimento estão procurando destinar seus recursos para projetos com pegada social e ambiental. Essa é uma oportunidade para profissionais de diversas áreas que passam a avaliar essas propostas ou estão por trás delas, através por exemplo de startups”, explica Santos, que participou em abril do projeto Humanidades na Engenharia.
A maior conscientização dos consumidores, principalmente nos países desenvolvidos, com a compra de produtos que não agridem a natureza nem os direitos dos trabalhadores das cadeias produtivas é outro fator quem impulsionaria os ODS. Essa pressão é o que dá ao Brasil uma imagem negativa perante o mundo, tendo em vista o aumento do desmatamento de florestas. O resultado da Balança Comercial poderia estar melhor, se o país procurasse reduzir a área devastada, através de uma fiscalização mais efetiva.
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Desenvolvimento sustentável significa a adoção de uma linha de crescimento que possa perdurar, o que é desejável para a criação de um ecossistema de negócios lucrativos a longo prazo, sem gerar exclusão. Apesar de muitas mudanças serem necessárias, vantagens não faltam para essa nova atitude, que também deve ser o norte do poder público.