Introdução
Lei responsável pelo planejamento urbano da cidade anula 18 leis e 56 decretos que tratavam das regras para a construção e ocupação do solo
Criados a partir do fim da década de 1970, num ambiente de abertura política e democratização, os Planos de Estruturação Urbana (PEUs) do Rio de Janeiro valorizaram os bairros em que foram implementados, preservando aspectos da qualidade de vida e dando segurança jurídica para os empreendimentos. Foram responsáveis por dar a cada área da cidade um padrão próprio de planejamento e de legislação edilícia, criando critérios aprovados pela sociedade para gabaritos e atividades destinadas aos imóveis, por exemplo. No entanto, todo esse arcabouço foi revogado de uma só vez pelo novo Plano Diretor da cidade, aprovado pela Câmara Municipal.
A medida afeta, por exemplo, bairros como Urca, Santa Teresa, Maracanã, Penha, Campo Grande, entre outros, bem como toda a legislação edilícia específica para qualquer bairro, o que resultou na revogação de 18 leis e 56 decretos. O Artigo 536 da Lei Complementar 270/2024, que dispõe sobre essas anulações, chegou a ser vetado pelo prefeito Eduardo Paes, a pedido das associações de moradores e de diversas entidades comunitárias. Entretanto, os vereadores derrubaram o veto, fazendo vigorar o dispositivo.
A justificativa era de que a instituição de critérios específicos para os bairros tornaria o licenciamento para as construções muito burocrático e complexo. De fato, os PEUs criaram restrições, mas não impediram totalmente o avanço da construção civil, haja vista o exemplo de São Cristóvão, onde depois da instituição do seu Plano, ganhou valorização imobiliária e recebeu empreendimentos tanto de alto padrão quanto mais populares. Em grande parte em virtude disso, parte das regras dos PEUs acabou sendo incorporada pelo novo Plano Diretor, mas o fato é que muitas mudanças podem ocorrer, o que deixa os moradores apreensivos com relação ao impacto vai gerar em termos de trânsito e saneamento, por exemplo, sem contar atividades que possam causar transtornos.
No caso de Botafogo, um bairro já conhecido pelos seus problemas de trânsito devido à grande concentração de escolas e clínicas médicas, restrições a essas atividades foram mantidas. No entanto, diversos detalhamentos e delimitações de zonas foram suspensos. O mesmo aconteceu com a Urca, cuja associação de moradores, a Amour, foi contra a mudança. Os integrantes da diretoria estudam que medida tomar, mas estão inclinados a encaminhar um projeto à Câmara dando força de lei à APAC do bairro (Área de Proteção do Ambiente Cultural), que teria sido revogada junto com o PEU.
“Pelo menos mantiveram a proibição do remembramento de terrenos, o que impede a demolição de duas casas para a construção de um prédio só, por exemplo. Isso já evita bastante o adensamento, mas preferimos a legislação como estava antes. O PEU da Urca foi o primeiro e serviu de exemplo para o Rio e o Brasil”, argumenta a presidente da Amour, Celi Paradela.
Conselheiro do Clube e morador da Urca, Luiz Edmundo Barbosa Leite também manifesta preocupação com relação às mudanças. Mais do que o adensamento, ele ressalta o risco de o bairro, com características muito específicas, como o fato de só ter um acesso, receber empreendimentos comerciais e de saúde que gerem mais tráfego.
“A Urca foi um bairro criado a partir do aterramento do mar e por isso tem características próprias. Só tem um acesso de entrada e saída e todos sabem que o trânsito para até quando passa o caminhão do lixo”, destaca Barbosa Leite.
Em Santa Teresa, os moradores vão pelo mesmo caminho e já preparam um levantamento de imóveis a serem preservados e um estudo completo para embasar um projeto de lei garantindo a Apac do bairro. Para o presidente da associação de moradores, o arquiteto Paulo Saad, unificar a legislação de toda a cidade não foi uma boa ideia.
“Não se pode rasgar de uma hora para outra o que foi planejado durante décadas. Felizmente ainda está em vigor a APA de Santa Teresa, que está completando 40 anos, e preserva também as construções do bairro, mas temos que correr atrás desse prejuízo”, afirma Saad.
Para o professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) Cláudio Lima Carlos, a uniformização da legislação na cidade tem outras implicações, além do adensamento de áreas já saturadas. A qualidade de vida pode sair perdendo na medida em que essa postura favoreça empreendimentos também padronizados, que negligenciem a qualidade de vida das próprias famílias que vão habitar os apartamentos.
“Os PEUs foram um avanço porque respeitavam a diversidade dos bairros da cidade, estabelecendo legislações específicas para cada região e não uma tábula rasa, como voltou a ser agora. Será a volta da legislação da canetada e da arquitetura de projeto de carimbo”, criticou o Lima.
A arquiteta Rose Compans, que representa o Movimento O Rio Não Está à Venda, também critica a revogação dos PEUs. Segundo ela, em vez de ajudar a democratizar o acesso à habitação por parte dos moradores da cidade, os novos critérios estimulam os empreendimentos as áreas mais caras, de maior interesse dos financiadores.
“Os fundos imobiliários não querem saber de lançamentos com valor total de venda abaixo de R$ 50 milhões. Não estão preocupados com o número de unidades que serão construídas”, afirmou Compans.
Procurada para esclarecer os motivos e os impactos das mudanças, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano e Econômico (SMDUE) não respondeu.
ENTREVISTA/Humberto Kzure, arquiteto e urbanista
Nessa entrevista, o arquiteto e urbanista Humberto Kzure conta como foi sua experiência na elaboração do PEU de Campo Grande realizado nos anos 1990. Apesar de ter vencido uma concorrência nacional para a elaboração do projeto e de ter contado com a participação da sociedade, o plano sofreu mutilações que o descaracterizam. Ele critica, entretanto, o fim dos PEUs que não engessariam a construção civil, decisão tomada numa revisão do Plano Diretor com restrições às reuniões presenciais por causa da pandemia.
— Depois de ter participado da elaboração do Plano de Estruturação Urbana de Campo Grande, instituído por lei há 20 anos, que avaliação o senhor faz da aplicação desse projeto instrumento de planejamento urbano?
Em meados dos anos 1990, época em que o Plano de Estruturação Urbana (PEU) para a XVIII Região Administrativa de Campo Grande foi iniciado, a administração pública da Cidade do Rio de Janeiro iniciou o processo de terceirização de serviços de planejamento urbano e projetos de urbanização para diversas áreas de seu território geográfico. A elaboração dos PEUs Campo Grande, Méier e Taquara resultou da iniciativa da Prefeitura (PCRJ) em realizar um Concurso Público Nacional, organizado pelo Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/RJ), para a seleção de propostas metodológicas voltadas para o ordenamento territorial das Regiões Administrativas (Ras) selecionadas pela Secretaria Municipal de Urbanismo (SMU), por meio da antiga Superintendência de Planos Locais (SPL). Ressalte-se que no concurso as equipes multidisciplinares apresentavam suas propostas para uma determinada RA. Em nosso caso, a proposta metodológica foi direcionada para os bairros Campo Grande, Santíssimo, Cosmos, Inhoaíba e Senador Vasconcelos, que naquele momento estavam inseridos na XVIII RA Campo Grande. Ao vencermos o concurso, nossa empresa AUCasulo Ltda. foi contratada para o desenvolvimento do PEU Campo Grande, sob a minha coordenação. Inicialmente, era previsto o prazo de um ano para a elaboração desse plano. Contudo, no decorrer dos trabalhos, tanto a Prefeitura quanto a nossa equipe percebeu a impossibilidade de elaboração desse instrumento de lei no período previamente estimado. Constatou-se, porém, que as dimensões geográficas e a complexidade dos territórios que formam essa RA demandaram mais tempo para a conclusão do PEU.
Os trabalhos foram iniciados em 1995 e finalizados no início de 1998, sem reajustes ou acréscimos dos valores contratados pela PCRJ que, naturalmente, incorreu em prejuízos financeiros para a nossa empresa. Soma-se a isso, os conflitos que surgiram entre a nossa equipe e os técnicos da SMU/SPL designados para o gerenciamento dos trabalhos, muito em razão de visões contrárias sobre um plano urbano dessa magnitude, num momento em que a política municipal em vigor estava introduzindo o chamado planejamento estratégico, como pressuposto para a gestão administrativa territorial. Neste sentido, o planejamento urbano pleno, sob a responsabilidade do poder público, cedeu lugar para o ordenamento espacial a partir de fragmentos geográficos. Embora a SMU/SPL já haviam elaborado outros planos de mesma natureza para o Rio, como se sabe, os novos PEUs visavam a definição de instrumentos normativos conforme as especificidades locais, que até então não estavam contempladas, por exemplo, no Decreto nº 322 de 3 de março de 1976. Mas é preciso lembrar que nesse período da elaboração do PEU Campo Grande, o planejamento urbano do Rio de Janeiro ia sendo orientado por meio de uma perspectiva neoliberal, que vinha adquirindo novas formas de ingerência nos destinos da gestão pública administrativa. Neste sentido, o tal planejamento estratégico, em detrimento ao planejamento urbano pleno e continuado, sob a responsabilidade do poder público, solidificou o caminho para a ingerência do capital privado nas decisões sobre o uso e a ocupação do solo.
Neste contexto, onde a administração pública foi se transformando numa espécie de gerenciador dos interesses do capital e mantenedor da supremacia da propriedade privada. Como resultado, observou-se que, gradativamente, o interesse público foi sendo substituído pela perspectiva de maior lucratividade das empresas, sobretudo dos setores imobiliários e da construção civil, quanto aos destinos para o uso e a ocupação do solo urbano no Rio. Isso leva a crer, que o comando da política urbana estava e está cada vez mais sob o comando das empresas privadas, legitimadas por seus representantes políticos, que ocupam assentos nos poderes executivo e legislativo. Apesar dos conflitos que envolviam os diferentes interesses durante a elaboração do PEU Campo Grande, nossa equipe técnica trabalhou privilegiando a participação dos representantes da sociedade civil organizada na XVIII RA em cada etapa das atividades – do amplo diagnóstico à minuta do instrumento de lei que foi encaminhado à Câmara de Vereadores pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (PCRJ). Sobre o diagnóstico, faz-se necessário sublinhar que as bases cadastrais do município estavam desatualizadas e ainda não havia a opção de uso das imagens do Google Earth, motivo que nos levou à contratação de voos aéreos não constantes do escopo dos serviços e nem da planilha orçamentária, e que demandaram aprovações prévias para fotografar as áreas de propriedade das instituições militares.
A elaboração do PEU Campo Grande, desde o início, foi movida por conflitos e impasses observados na relação traumática da nossa equipe com a SMU/SPL. Claramente, as duras pressões vindas do poder público e dos setores empresariais, sobretudo, passavam pela afirmação do planejamento estratégico que o município, inadvertidamente ou intencionalmente, estava implantando na gestão pública. A nossa equipe técnica, mesmo consciente do que estava em curso quanto à política pública de ordenamento territorial para a XVIII RA, não se furtou de apresentar cenários espaciais atentos aos aspectos socioeconômicos, socioculturais e socioambientais para o uso e ocupação do solo, vislumbrando a ampliação e a modernização da infraestrutura urbana local, melhorias da mobilidade, urbanização das favelas presentes nos bairros envolvidos, definição de gabaritos mais baixos (entre 4 e 5 pavimentos, exceto para o Centro de Campo Grande que já possuía edifícios mais altos), conservação do patrimônio histórico-cultural e ambiental, entre outras recomendações que visavam a melhor qualidade de vida para a XVIII RA.
A duras penas, sobretudo pelas dificuldades de entendimento sobre o processo de terceirização deste tipo de serviço, nossa equipe finalizou o PEU Campo Grande e encaminhou à SMU/SPL. A PCRJ, por sua vez, levou o plano para conhecimento, debates e aprovação na Câmara de Vereadores. Em momento algum, nossa equipe foi chamada para qualquer esclarecimento na Câmara. O que se tornou público é que o PEU Campo Grande aprovado sofreu drásticas modificações pelo poder legislativo, contrariando, inclusive, as recomendações que propusemos para garantir melhores condições ambientais, até pela presença dos maciços do Gericinó-Mendanha e da Pedra Branca. Vale sublinhar, que o PEU aprovado pelo legislativo não foi exatamente o que elaboramos e entregamos à Prefeitura. Hoje, passados mais de 20 anos, é possível constatar as fragilidades no ordenamento territorial da XVIII RA provocadas, em grande medida, pelos empreendimentos imobiliários que aumentaram gabaritos, induziram adensamentos desconectados da mobilidade urbana, além de pouco cautelosos com a questão ambiental e infraestrutural desse espaço geográfico.
Na atual política urbana do Rio, em que as Regiões Administrativas não dispõem de participação ativa na administração territorial e sem maior participação no direcionamento orçamentário municipal, até para atendimento das demandas locais, um instrumento legal como o PEU se torna vulnerável diante das decisões que são orientadas pelo capital privado e centralizadas pela Prefeitura. Por outro lado, a revisão do Plano Diretor tornou os PEUs instrumentos secundários e passíveis de serem descartados pela gestão territorial. O que se vê é uma nova roupagem do chamado planejamento estratégico que atua pontualmente na cidade, através de empreendimentos direcionados para a rentabilidade do capital privado, sejam nas áreas de transportes públicos, habitação ou equipamentos de uso coletivo de saúde e educação.
— Os PEUs, na sua opinião, são uma política adequada para o ordenamento da ocupação do solo, permitindo a atividade da construção com segurança jurídica e respeito à qualidade de vida? Ou engessam o desenvolvimento da cidade?
O Rio de Janeiro, como a segunda metrópole nacional, requer, necessariamente, uma gestão administrativa que seja capaz de compreender o seu vasto e heterogêneo território, historicamente marcado por contrastes físico-territoriais, político-econômicos e socioculturais. Em linhas gerais, o uso e a ocupação do solo urbano na capital fluminense foram construídos a partir de inúmeras disfunções espaciais, que resultaram num espaço urbano formado por múltiplas fisionomias, dentre as quais os subúrbios e as favelas, que ainda convivem entre o abismo socioeconômico e a degradação ambiental. Neste sentido, as diferentes escalas temporais e espaciais da cidade do Rio de Janeiro, à semelhança de outras metrópoles latino-americanas, resultam, em grande medida, a partir das transformações dos meios de produção socioeconômica, que impulsionaram formas de ocupação do solo repletas de desequilíbrios territoriais vistos, por exemplo, nas ocupações desordenadas onde se configuram a informalidade, a clandestinidade e a contravenção.
Por outro lado, a seletividade da terra urbana no Rio é uma prática recorrente dos diferentes setores econômicos, destacadamente os imobiliários e a construção civil, e da própria esfera política. Somam-se a isso os problemas sociais que se agravaram com o aumento da pobreza, e a consequente elevação dos índices de desemprego e subemprego, além dos principais desafios a serem enfrentados para melhoria da mobilidade urbana e a redução dos índices de violência urbana. Neste contexto, entre disputas políticas e territoriais, fomentadas por diversos interesses dos agentes da produção urbana, definiram-se no espaço do Rio de Janeiro uma nova geopolítica e novas tendências geoeconômicas que impactam diretamente os mais pobres, haja vista o expressivo contingente populacional nas áreas periféricas e nas áreas centrais degradadas.
De metrópole moderna industrial, que experienciou o “Bota Abaixo” de Pereira Passos, para a condição de metrópole contemporânea e globalizada – a cidade da espetacularização e da financeirização –, o Rio de Janeiro ainda convive com os problemas socioeconômicos acumulados ao longo de sua existência. O déficit da produção qualificada da moradia de interesse social, a aplicação equilibrada de capital voltado para a infraestrutura, a modernização dos serviços essenciais e a provisão de equipamentos coletivos em diferentes áreas urbanas, além do pouco dinamismo na apropriação equilibrada dos seus recursos naturais, são alguns exemplos das limitações institucionais quanto à formulação e aplicação de instrumentos de planejamento urbano capazes de vencer os obstáculos que ainda provocam deseconomias e impasses para uma gestão territorial que assegure o direito à cidade aos seus habitantes.
Diante desse panorama, é possível perceber que o jogo de interesse políticos e econômicos no Rio de Janeiro se confrontam com os instrumentos de ordenamento territorial vigentes, apesar de terem sido elaborados sob a égide dos princípios democráticos. Ocorre que a cidade vem sendo, deliberadamente, administrada por decretos, juridicamente elaborados para atender a implantação de empreendimentos do capital privado em frações territoriais calculadamente selecionadas pelo poder hegemônico. Neste caso, o planejamento estratégico assume o protagonismo na condução do uso e ocupação do solo urbano, ou seja, atende única e exclusivamente a reprodução do capital privado.
Os PEUs, que inicialmente visavam regular especificidades territoriais na perspectiva de manter uma articulação espacial com outras áreas do Rio, principalmente nas áreas fronteiriças onde se estabeleciam distintas relações de vizinhança, não alcançaram seus objetivos como instrumentos voltados para a regulação territorial de maneira eficaz. Também não podem ser responsabilizados por qualquer tipo de engessamento para a expansão socioeconômica do Rio de Janeiro ou pela garantia de qualidade de vida para a população. Como instrumento jurídico, cumpriram um papel limitado pelas próprias imposições das esferas políticas e econômicas.
Contraditoriamente, muitos empreendimentos imobiliários vêm sendo implementados por meio de flexibilização da legislação que são arbitradas pelos decretos municipais para beneficiar, majoritariamente, os detentores dos meios de produção. O planejamento urbano carioca, onde os PEUs foram inseridos, tem entre suas principais prerrogativas o de conduzir e monitorar as políticas públicas de ordenamento territorial. Porém, o que se observa no Rio de Janeiro é que os instrumentos reguladores do solo não cumprem devidamente o interesse público.
— O que pode acarretar para a cidade o abandono dessa política, tendo em vista a falta de uma orientação sobre os PEUs no novo Plano Diretor?
É preciso lembrar que a revisão do Plano Diretor do Rio, depois de muito tempo, foi feita em pleno período da pandemia do Covid-19 e sob a forma virtual. Não houve, portanto, debates aprofundados com ampla participação da sociedade civil organizada. Os PEUs aprovados pela Câmara Municipal, por sua vez, não representavam mais as iniciativas do planejamento estratégico do passado, que foi utilizado para atender os interesses particulares. Nossa equipe buscou elaborar o PEU Campo Grande como instrumento de ordenamento territorial mais amplo e articulado à perspectiva de um planejamento urbano pleno e sob a responsabilidade do poder público municipal. Contudo, o documento jurídico aprovado pelo legislativo se espelhou no modelo estratégico e, portanto, para beneficiar o capital privado. As estratégias atuais são outras, ou seja, direcionar a implementação de empreendimentos imobiliários e infraestruturais em áreas de maior valor agregado, comprometendo, inclusive, os espaços com remanescentes de cobertura vegetal e/ou de preservação ambiental.
— Na sua opinião, bairros da cidade que nuca tiveram qualquer plano de estruturação sofrem mais com a especulação imobiliária ou estão simplesmente à parte do mercado?
O mercado dita as regras e a municipalidade cumpre. Os planos e projetos urbanos e projetos são desenvolvidos e executados conforme o arbítrio do capital privado. Isso não mudou e não será alterado tão cedo, pelo menos enquanto a esfera pública permanecer como representante desses interesses econômicos. Enquanto isso, a perspectiva de tornar a cidade mais democrática, visando reduzir o abismo social historicamente acumulado e inibir a degradação ambiental que se encontra em franco crescimento, está cada vez mais distante. Em outras palavras, as intervenções espaciais na capital fluminense carecem de debates aprofundados com seus habitantes, como requisito básico de um planejamento urbano permanente e participativo, que realmente seja cumprido pelos gestores públicos e fiscalizado pelos órgãos competentes da esfera jurídica, como o Ministério Público. O planejamento urbano, em linhas gerais, deve atender à cidade em sua totalidade, identificando demandas, fazendo ajustes espaciais e correções de rumos necessários, ou seja, implementando ações capazes de promover a curto, médio e longo prazo o desenvolvimento socioeconômico, sociocultural e socioambiental almejado. Não se tem pensado o Rio de Janeiro de maneira global. O que se assiste são intervenções absolutamente localizadas, ora numa área ora noutra, sem pensar um projeto mais ambicioso para resolver os seus problemas estruturais que se espraiam por toda a cidade.