Introdução
Monitoramento e eliminação de substâncias químicas tóxicas e estáveis que são transportadas a longas distâncias, ainda é um desafio
A explosão populacional, o avanço da tecnologia para satisfazer tanto as nossas necessidades básicas, quanto para potencializar a criação de novos mercados consumidores, têm, nas últimas décadas, inundado a superfície terrestre com um enorme número de novas substâncias químicas.
Durante um longo período de intenso progresso científico e tecnológico, a humanidade concentrou sua criatividade e seus esforços no desenvolvimento e produção de novos compostos químicos, destinados a satisfazer as necessidades de subsistência e de manutenção da saúde de uma população em crescimento exponencial.
Estima-se que a produção global de compostos químicos sintéticos tenha aumentado de 1 milhão de toneladas para 2 bilhões de toneladas por ano entre a década de 1930 e os dias atuais. O número de substâncias registradas no Chemical Abstracts Service cresceu exponencialmente: em 50 anos estavam listadas 100 milhões de substâncias, mas nos dois anos seguintes, outros 30 milhões de produtos químicos foram registrados. Desde 1965, uma média de uma nova substância foi registrada a cada 2,5 minutos; em 2016, essa taxa aumentou para uma nova substância a cada 1,4 segundos. Esse aumento no número de novas substâncias provavelmente levará a uma grande complexidade no gerenciamento químico1.
Estas substâncias, inicialmente foram lançadas no mercado consumidor, doméstico ou industrial, sem restrições ou sem conhecimento de seus impactos ambientais de médio e longo prazo.
Entre todas as substâncias químicas produzidas até agora, existe uma série de compostos orgânicos, de uso variado e, portanto, possuindo fórmulas químicas bem distintas, que pelo conjunto de seus efeitos no meio ambiente e na saúde humana foram agrupados sob a sigla POPs, que vale tanto para o inglês “Persistent Organic Pollutants”, quanto para o português Poluentes Orgânicos Persistentes.
Até 2001 muito pouco ou nenhum esforço foi dedicado ao estudo da interação destes compostos, no meio ambiente e na saúde humana.
O primeiro alerta sobre os seus efeitos no ambiente, especificamente em animais, surgiu com o livro “Primavera Silenciosa”, escrito por Rachel Carson em 1962. O livro é um marco inicial na consciência sobre os efeitos nefastos destes compostos. Carson estabeleceu a relação entre a presença de DDT e a diminuição da população de pássaros. Descreveu como este produto químico, agora classificado como POP, enfraquecia a casca dos ovos das aves impedindo o nascimento de filhotes, causando assim a diminuição de sua população. Por isto o título Primavera Silenciosa.
Em 1996, Theo Colborn, Diane Dumanoski e John Peterson Myers, em livro publicado com o título “O Futuro Roubado”, em uma linguagem acessível, compilaram os efeitos desta classe de compostos na saúde humana, notadamente a desregulação endócrina.
Ações intergovernamentais então se intensificaram, tendo culminado na Convenção de Estocolmo2, tratado internacional para proteção da saúde humana e o meio ambiente. Foi adotada em 2001 tendo entrado em vigor em 2004 e resultou, inicialmente, na proibição de 12 POPs (DDT, Aldrin, clordano, Dieldrin, Endrin, Heptacloro, Mirex, Toxafeno, Bifenilas Policloradas, Hexaclorobenzeno, Dioxinas e Furanos). Após a realização da conferência das partes (COP) número 9 este número subiu para 30. A convenção conta com 181 partes incluindo o Brasil, que a ratificou em 2005.
O que são POPs?
POPs são substâncias químicas orgânicas, ou seja, têm como base o carbono e apresentam uma combinação particular de propriedades físicas e químicas tais que, uma vez liberados no ambiente, lhes conferem a capacidade de causar danos ambientais mesmo em baixas concentrações:
- a sua estabilidade e, portanto, persistência, faz que seus efeitos perdurem por muitos anos, podendo ser largamente dispersos antes de se decomporem;
- a bioacumulação, que ocorre pela sua solubilidade em gorduras, favorece sua acumulação nos tecidos dos animais e assim entrar na cadeia alimentar;
- a biomagnificação, pois são encontrados em concentrações mais altas em níveis mais altos na cadeia alimentar;
- a sua capacidade de transporte a longas distâncias, consequência de sua estabilidade, decorre de processos naturais envolvendo solo, água e, mais notadamente ar pelo fenômeno da destilação global;
- são tóxicos para humanos e animais.
Os POPs até hoje identificados, pertencem a três categorias de substâncias:
- os inseticidas deliberadamente dispersos em terras agriculturáveis,
- produtos industriais cuja dispersão ambiental foi não intencional e,
- subprodutos de vários tipos de manufaturas ou processos de combustão.
Uma lista completa de POPs pode ser encontrada na página eletrônica do Stockholm Convention on Persistent Organic Pollutants (POPs)3
Como resultado de sua liberação no ambiente nas últimas décadas, devido especialmente a atividades humanas, os POPs agora estão amplamente distribuídos em grandes regiões, incluindo aquelas onde estes compostos nunca foram usados. Essa extensa contaminação de meios ambientais e organismos vivos inclui muitos alimentos e resultou na exposição sustentada de muitas espécies, incluindo humanos, por períodos que abrangem gerações, resultando em efeitos tóxicos agudos e crônicos.
Quando os POPs se concentram em organismos vivos por meio da bioacumulação, peixes, aves predadoras, mamíferos e humanos, que estão no topo da cadeia alimentar, absorvem as maiores concentrações.
Quando viajam, os POPs viajam com eles. Como resultado desses dois processos, os POPs podem ser encontrados em pessoas e animais que vivem em regiões como o Ártico, a milhares de quilômetros de qualquer fonte importante de POPs.
Os efeitos nocivos dos POPs podem incluir câncer, alergias e hipersensibilidade, danos aos sistemas nervosos central e periférico, distúrbios reprodutivos e interrupção do sistema imunológico. Alguns POPs também são considerados desreguladores endócrinos, que, ao alterar o sistema hormonal, podem danificar os sistemas reprodutivo e imunológico de indivíduos expostos, bem como seus descendentes; eles também podem ter efeitos cancerígenos.
Transporte a longas distâncias
A dispersão ambiental dos POPs é sem dúvida a sua propriedade mais impactante, transformando-os num problema de dimensões globais e, por tal, tendo requeridas ações intergovernamentais para regulamentar a sua produção e emprego.
A Convenção de Estocolmo, apoiada em duas décadas de esforços internacionais incluindo o PNUMA (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), mantém um consistente monitoramento global dos POPs com o objetivo de uma proteção de longo termo do ambiente e da saúde humana4.
A sua presença no Ártico, por exemplo, não pode ser creditada ao uso e ou produção local e pode ser explicada unicamente pelo seu transporte a longa distância das baixas latitudes.
A capacidade de transporte a longas distâncias, ou seja, a extraordinária mobilidade que caracteriza os POPs é decorrente de sua semivolatilidade. A grandeza físico-química que mede esta propriedade é a pressão de vapor. Os POPs apresentam valores de pressão de vapor tais que podem evaporar e condensar sucessivamente dependendo das condições em que se encontram. Se estes compostos possuíssem uma grande volatilidade, eles evaporariam do solo e ficariam na atmosfera onde não acarretariam grandes problemas ambientais. Ao contrário, por sua volatilidade relativa eles adquirem a capacidade, de acordo com as condições climáticas, de se repartirem ao longo dos meridianos terrestres, em direção aos polos, num processo chamado destilação global, proposto em 19935.
A pressão de vapor de um composto, responsável pelas suas propriedades evaporativas, é fortemente dependente da temperatura, sendo que as substâncias tendem a evaporar quanto mais alta a temperatura e, consequentemente, condensam-se a temperaturas mais baixas.
Assim, substâncias persistentes utilizadas nos trópicos evaporam, e por processos sucessivos de condensação/evaporação, dependentes da temperatura, se distribuem em direção aos polos com velocidades que são função de sua pressão de vapor. Este mecanismo explica a presença de POPs em regiões onde nunca foram utilizados.
A figura a seguir ilustra esquematicamente este processo.

Fonte: https://www.adecesg.com/resources/blog/health-risk-assessment-and-pop/
Além da destilação global outros fenômenos concorrem para a dispersão global destes compostos, como por exemplo a sua deposição sobre particulados que são transportados por correntes aéreas, em transporte a longa distância pelos oceanos.
A distribuição de POPs pelo planeta tem sido extensamente estudada e monitorada tanto pela comunidade científica quanto pelas instâncias da Convenção de Estocolmo, em colaboração com o PNUMA6.
É importante notar que na medida em que estes compostos são estáveis e com as características descritas acima, sobretudo a sua baixa solubilidade em água, estes sofrem um processo de partição na natureza, conforme mostrado esquematicamente na figura a seguir. Isto significa que a destilação global não é o único mecanismo através do qual os POPs podem se dispersar na natureza.
Ao se depositarem em solos, podem ser absorvidos pela vegetação ou transportados pelos ventos e ao se depositarem em sedimentos em suspensão, podem entrar na biota.

Fonte: https://www.researchgate.net/publication/221925647_Global_Distillation_in_an_Era_of_Climate_Change
Estima-se que as mudanças climáticas7 possam acarretar mudanças na dispersão dos POPs tais como adsorção em plâncton, elevar a sua concentração na atmosfera e serem lixiviados em enchentes e derretimento de gelo, a depender das características físico-químicas de cada composto.
Alguns POPs são componentes de plásticos de uso quotidiano, como os retardantes de chamas e os plastificantes, e o seu descarte pode acarretar a dispersão destes compostos. Por esta razão, a Convenção de Estocolmo regula a presença de POPs em plásticos8.
Ações intergovernamentais para regulamentar a emissão e o uso dos POPS
Em recente monitoramento do PNUMA9, constatou-se a diminuição de 12 POPs, como o DDT, regulamentado globalmente desde 2004, no entanto, neste monitoramento foram detectados, em altos níveis, outros compostos utilizados como substitutos para estes POPs.
É reconhecido pelo PNUMA que os POPs estão associados ao câncer, danos ao fígado, diminuição da fertilidade e aumento do risco de asma e doenças da tireoide devido às suas propriedades de desregulação endócrina. Um estudo global abrangente confirma que eles persistem no leite humano, ar, água, solo, alimentos e vários ecossistemas. O estudo implementado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e financiado pelo Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), enfatizou a importância do monitoramento de POPs, cautela na introdução de alternativas e abordagem de lacunas na conscientização e regulamentação.
O estudo, com amostras coletadas entre 2016 e 2019, foi conduzido em 42 países em regiões onde os dados sobre os POPs são limitados, incluindo África, Ásia, América Latina e Caribe, e as Ilhas do Pacífico, para monitorar 30 POPs listados na Convenção de Estocolmo até 2021.
A lista de 30 POPs monitorados no estudo incluiu pesticidas e produtos químicos industriais, bem como POPs liberados involuntariamente, que são subprodutos de processos industriais e de combustão incompleta (por exemplo, queima a céu aberto de resíduos). Estes foram encontrados em cada uma das mais de 900 amostras coletadas, com mais de 50.000 pontos de dados gerados em POPs no ar, água, leite humano, solo, carne bovina, leite, leite em pó, manteiga, carneiro, carne de porco, frango, ovos, peixe e marisco, óleo e outros itens.
O estudo mostrou que os POPs estão presentes em todos os lugares, inclusive em áreas distantes de qualquer fonte conhecida de contaminação. Produtos químicos há muito regulamentados, como o inseticida Dieldrin e o óleo isolante Ascarel que é composto por bifenilas policlorados (PCBs), foram detectados em níveis elevados no ar em todo o continente africano, no Caribe e na América Latina.
Alguns produtos químicos proibidos foram substituídos pela indústria por outros produtos, que mais tarde foram descobertos como tendo propriedades de POPs, como substâncias perfluoroalquil e polifluoroalquil (PFAS) utilizados entre outras aplicações como antiaderentes. Todos estes foram encontrados no leite humano. PFAS também foram encontrados na água potável em ilhas remotas, em níveis que excedem em muito os padrões da União Europeia e dos Estados Unidos.
E no Brasil?
O Brasil ratificou a Convenção de Estocolmo em 2004 sendo, portanto, parte deste compromisso global. A sua implementação está a cargo do Ministério do Meio Ambiente10 tendo o Estado brasileiro se comprometido com as seguintes ações:
- desenvolver um Plano Nacional de Implementação (NIP), indicando como atenderá às disposições estabelecidas na Convenção, definindo prioridades e estratégias para implementá-lo;
- revisar e atualizar periodicamente o NIP, a fim de auxiliar o governo a identificar as medidas necessárias para o controle dos POPs;
A atualização do NIP em 2023 teve como objetivo:
1) Acompanhar o progresso do primeiro NIP;
2) Incluir POPs listados após o desenvolvimento do primeiro NIP;
3) Identificar e aplicar ações sinérgicas com planos nacionais relacionados;
4) Aumentar a conscientização pública e educar o público sobre os POPs e tratados internacionais relacionados;
5) Contribuir para melhorar a gestão de substâncias químicas no Brasil;
6) Conscientizar a população sobre a problemática dos POPs;
7) Cumprir as obrigações decorrentes da Convenção de Estocolmo; e
8) Reduzir os riscos causados por POPs ao meio ambiente e à saúde humana.
O Brasil tem seguido as disposições da Convenção de Estocolmo, produzindo e utilizando os POPs para as suas finalidades aceitáveis e exceções específicas, dentro do período em que estas foram concedidas.
Medidas a serem tomadas para fortalecer e ampliar o marco legal e a capacidade institucional nacional para gerenciar os POPs incluem:
- eliminar liberações de POPs para o meio ambiente a partir da sua produção e uso;
- reduzir liberações não intencionais de POPs para o meio ambiente;
- expandir a capacidade de monitoramento e gestão de POPs;
- estabelecer o gerenciamento ambientalmente adequado de resíduos POPs e de produtos que contenham POPs.
O que deve ainda ser feito?
Tem sido notável, desde o alerta de Primavera Silenciosa, culminando na Convenção de Estocolmo, o comprometimento mundial na identificação monitoramento e eliminação de poluentes orgânicos persistentes. Tem havido resultados importantíssimos na regulamentação destes compostos, e notáveis avanços científicos na sua detecção, em concentrações cada vez menores. O mesmo desenvolvimento tecnológico que possibilitou a síntese e produção em grandes volumes destes compostos também nos trouxe as ferramentas computacionais e analíticas que possibilitam o seu melhor gerenciamento.
Os métodos computacionais, por exemplo QSAR (Quantitative Structure Active Relationship), são amplamente aceitos para estimar dados inexistentes para muitos parâmetros, principalmente propriedades físico-químicas de novos compostos e efeitos ambientais11.
Por mais proativas que sejam as políticas das indústrias químicas, e por mais eficazes que sejam as pesquisas tecnológicas no sentido da produção de compostos de menor impacto ambiental, o objetivo do impacto zero é inatingível. Produtos de grau de risco variável sempre serão sintetizados e consumidos no nosso estágio civilizatório. Então é importantíssima a conscientização de todos os cidadãos sobre o uso seguro de produtos químicos, lembrando que revolução dos meios de comunicação possibilita a disseminação da informação em proporções inimaginadas há duas décadas.
Assim, ao par de ações necessárias da indústria química, tais como Química Verde, Produção Mais Limpa etc., campanhas educativas devem ser implementadas também para os consumidores de produtos químicos. A explosão demográfica transformou o uso doméstico de substâncias numa possibilidade de contaminação maciça. Consumidores lançam nos esgotos uma quantidade infinita de substâncias de efeitos desconhecidos que vão dos metabólitos dos remédios que ingerimos, muitas vezes sem indicação médica, a subprodutos da degradação de produtos domésticos.
A estratégia para que a tecnologia nos traga melhor qualidade de vida, com o menor impacto ambiental possível, baseia-se na democratização da informação, educação para utilização dos recursos naturais, respeito aos direitos do cidadão e justiça social, levando a sociedade a participar da produção para um desenvolvimento sustentável.
1 – https://www.unep.org/topics/chemicals-and-pollution-action/chemicals-management/global-chemicals-outlook
2 – https://chm.pops.int/TheConvention/ThePOPs/TheNewPOPs/tabid/2511/Default.aspx
3 – https://chm.pops.int/TheConvention/ThePOPs/AllPOPs/tabid/2509/Default.aspx
4 – https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/45681/Summary_Report_11-06-2024_Final.pdf?sequence=1&isAllowed=y
5 – D. Mackay, F. Wania, Global fractionation and cold condensation of low volatility organochlorine compounds in polar regions, AMBIO A J. Hum.Environ. 22 (1) (1993) 10e18.
6 – https://www.unep.org/resources/publication/brief-summary-monitoring-reports-prepared-under-pops-global-monitoring-plan
7 – Organic Pollutants Ten Years After the Stockholm Convention – Environmental and Analytical Update https://www.intechopen.com/chapters/29374
8 – https://www.basel.int/Portals/4/Basel%20Convention/docs/plastic%20waste/UNEP-FAO-CHW-RC-POPS-PUB-GlobalGovernancePlastics-2023.pdf
9 – https://www.unep.org/resources/publication/brief-summary-monitoring-reports-prepared-under-pops-global-monitoring-plan
10 – https://www.gov.br/mma/pt-br/brasil-atualiza-plano-de-implementacao-da-convencao-de-estocolmo-sobre-poluentes-organicos-persistentes/atualizacao-do-plano-nacional-de-implementacao-da-convencao-de-estocolmo-sobre-pops.pdf
11 – https://www.epa.gov/pesticide-registration/quantitative-structure-activity-relationship-qsar-guidance-document