Projeto, que é orgulho da engenharia nacional, foi exemplo de eficiência e elegância de traçados
Numa época em que o mais comum era o uso da tradicional régua de cálculo para análise estrutural no Brasil, a construção da Ponte Rio-Niterói trouxe uma inovação revolucionária nessa área. Na fase de projeto, entrou em ação um computador IBM 1130, o que facilitou em muito o trabalho dos engenheiros e ajudou na conclusão de todo o projeto em tempo recorde em 1974. A monumental obra de infraestrutura foi um marco da engenharia brasileira, que teve entre outros méritos o de ter recorrido à pré-fabricação de quase toda a estrutura e de ter contado com método moderno de fixação entre vigas e pilares.

O equipamento usado tinha uma memória RAM de apenas 64K, o que é uma capacidade extremamente limitada frente aos laptops mais populares de hoje, mas trouxe na época vantagens formidáveis. Com a capacidade de cálculo que deu aos projetistas, resultou numa estrutura com vigas de altura variável, com grandes vãos e curvas embaixo em formato de guirlandas, o que também deu notória elegância às suas linhas. Com seus 13,29 quilômetros, dos quais 8 quilômetros sobre o mar, a obra materializou sonho antigo de unir as duas cidades separadas pela Baía de Guanabara, em harmonia com a beleza do cenário de cartão-postal.
“O que facilitou muito a construção foi o fato de as vigas conterem cabos que percorrem a ponte toda de ponta a ponta, sem a necessidade de dentes entre elas. Resultou numa estrutura muito simples, com pilares de larguras variáveis mas no mesmo formato em toda a ponte até o vão central”, explica o engenheiro Benjamin Ernani Diaz, um dos responsáveis pelo projeto da ponte.
Com seus mais de 50 anos de existência, a Ponte Rio-Niterói é um orgulho para a engenharia nacional, portanto, não só por suas dimensões. Foi considerada na época a maior do Hemisfério Sul e até hoje tem o maior vão central do mundo, com seus 300 metros de comprimento e 72 metros de altura. Mas também pelo fato de recair sobre a belíssima paisagem natural sem grandes interferências visuais. Para isso, conforme conta Ernani Diaz, que na época trabalhou para a firma Noronha Engenharia, contribuiu uma gama imensa de engenheiros brasileiros e estrangeiros. O responsável pela empresa era o engenheiro Antonio Noronha Filho, já falecido.

Entre os fatores que levaram ao sucesso do empreendimento, estão os estudos feitos previamente para a localização da ponte. Havia três propostas, uma delas de um túnel sob o mar, que acabou se mostrando mais viável para a ligação metroviária, ideia que volta à tona agora com a proposta de retomada da Linha 3. Outro traçado cogitado uniria os centros das duas cidades, e apesar de a distância ser menor, as projeções apontavam para uma baixa fluidez do trânsito, com risco de deixar as vias ainda mais engarrafadas. O traçado definitivo consolidou o trecho da ponte como uma parte da BR-101, que já liga o Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte pelo litoral brasileiro.
Em 2022, um navio à deriva chegou a colidir com a estrutura da ponte, o que provocou enorme susto em quem passava por ela e causou a interrupção do trânsito. O acidente acabou servindo de teste para a solidez da obra, que resistiu ao abalo. Em grande parte devido ao minucioso processo de colocação de estacas sob os pilares, a estrutura da ponte é tão resistente e mantém-se firme diante de fortes ventos.

“Um dos problemas verificados na ponte depois de sua inauguração foi a questão da aero-estabilidade. Com ventos em torno de 60 km/h, havia um deslocamento no vão principal de cerca de 50 centímetros e o tráfego precisava ser interrompido. O problema foi resolvido pelo engenheiro Ronaldo Baptista, professor da Coppe/UFRJ, especializado em dinâmica, que elaborou um projeto de reforço do sistema interno de apoios. Com isso, esses deslocamentos agora chegam a 2 centímetros, mais ou menos, e ninguém nota”, conta Ernani Diaz.
Apesar de ter ocorrido um erro na construção das lajes de concreto que sustentam os pilares, tendo causado corrosão, o problema, noticiado na imprensa há mais de 20 anos, não chegou a afetar a segurança da ponte. Toda a engenharia de fundação dos pilares e estacas na parte marítima da ponte é de causar inveja e contou com a participação em seu projeto dos engenheiros Raymundo de Araujo Costa e Mario Vila Verde. O terreno submerso foi sendo perfurado para a instalação de tubulões, que atingiram uma profundidade de até 30 metros, em que eram fincadas e concretadas as estacas. O trabalho também foi bem-sucedido graças à decisão do diretor técnico, Bruno Contarini, pela compra de equipamentos de perfuração dos tubulões até a rocha fabricados pelas firmas Bade-Wirth.

Uma contribuição valiosa veio da empresa francesa Campenon Bernard, que também atuou no projeto. Os franceses contribuíram com o fornecimento de equipamentos de construção, fundamentais por exemplo para içar partes da ponte. Também trouxeram a técnica de concretagem das aduelas, contando com o auxílio de treliças para a movimentação e montagem das peças e uma colagem com epóxi.
Outra contribuição internacional veio das firmas inglesas Cleveland Bridge e Redpath Dorman & Long, responsáveis pela fabricação das vigas de aço do vão central. A montagem foi realizada no Caju, em consórcio com a Montreal Engenharia. O processo de montagem desse trecho, com içamento das peças em cerca de 200 metros, também foi um desafio. Apesar da leveza das vigas em aço ter sido fundamental para a sustentação da ponte nessa altura, com grande distância entre as vigas para permitir a passagem de navios, a durabilidade do asfalto ficou prejudicada. Anos depois, foi necessário concretar as pistas para facilitar a manutenção.


Ernani Diaz explica que outras soluções estruturais, como o de uma ponte pênsil ou estaiada, poderiam criar problemas para o funcionamento dos aeroportos do Galeão e Santos Dumont, em função do tráfego de aviões. A solução adotada se mostrou funcional, elegante e contribuiu com o desenvolvimento das duas cidades ligadas por ela. Atualmente, ela suporta um tráfego diário de 150 mil veículos, que poderia até ser atenuado, caso saia do papel o tão sonhado metrô.
Por ter sido construída num período de obscurantismo, sob um regime de exceção, a obra acabou também sendo influenciada por esses aspectos políticos. O governo militar tinha interesse na execução rápida, para que o projeto servisse de vitrine para as transformações que estavam sendo implementadas no país e contribuísse com uma imagem de modernidade e de crescimento econômico em curso. Isso fez com que não se poupassem recursos na obra e também para que alguns fatos fossem ocultados da opinião pública. O número de mortos, como operários e engenheiros, é até hoje um mistério, bem como as circunstâncias em que ocorreram. O número oficial é de 33 vítimas, mas há estimativas que alcançaram centenas de perdas.
Apesar de simbolizar uma união, a via causa até hoje muita discórdia pelo fato de ter sido batizada com o nome do ditador, em cujo governo suas obras foram iniciadas. O presidente Costa e Silva lhe dá nome, mas várias iniciativas procuram rebatizá-la. Devido ao seu simbolismo e sua importância socioeconômica e seu papel integrador para as duas cidades, uma nova denominação, feita com a participação da sociedade, deveria fazer referência às suas virtudes, o que só ressaltaria seu caráter de patrimônio brasileiro.