PL 1024, que trata das engenharias e das geociências, sofre, no entanto, com interferências que buscam desvalorizar profissionais brasileiros
O Congresso Nacional tem como tarefa atualizar a Lei 5.194/1966, que regulamenta a profissão de engenheiro, engenheiro-agrônomo e arquiteto. A legislação precisa incluir as demais profissões abrangidas pelo sistema CONFEA/CREA, democratizar a representatividade desses órgãos, rever suas atribuições e sua relação com a academia e a sociedade. No entanto, o Projeto de Lei 1.024/2020, que trata justamente dessa atualização, apresenta desde o início vícios que violam o interesse público e uma tramitação conturbada com diversas alterações, sem o devido debate democrático.
Entre os pontos polêmicos do texto está a abertura do mercado de trabalho total e irrestritamente aos profissionais estrangeiros, sem sequer necessidade de validação do diploma. O PL, elaborado pelo então Ministério da Economia do governo anterior, também liberalizava o registro de empresas estrangeiras no país. A proposta, que nitidamente agredia o interesse nacional, provocou a reação de entidades de classe, entre elas o Clube de Engenharia do Brasil, a despeito de conter no texto alguns avanços, como a ampliação do Plenário do CONFEA. Além disso, o projeto também incluía as profissões das chamadas geociências (geógrafo, geólogo e meteorologista) e os tecnólogos no sistema.

Na própria Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP), ainda na Legislatura passada, alguns aprimoramentos já foram introduzidos, evitando-se uma enxurrada de profissionais estrangeiros no país. O Clube endereçou carta ao então relator, deputado Rogério Correia (PT-MG), alertando ainda em 2022 para a revogação proposta no texto da “obrigação das empresas que contratam profissionais estrangeiros de manter junto a eles assistente brasileiro no ramo profissional respectivo”. A reflexão feita pela entidade tinha em vista, além da valorização dos engenheiros e engenheiras brasileiras, a necessidade de transferência de conhecimento e tecnologia, algo bastante comum nos países que sabem defender seus interesses.
A proposta inicial de incluir um representante por estado para a ampliação do Plenário do Confea de 18 para 30 conselheiros acabou sendo mantida nas diferentes versões do projeto, apesar de não ser exatamente uma unanimidade, tendo em vista a diferença de porte das unidades da federação. O relator acabou acatando a eleição direta para a presidência do CONFEA e dos CREAS e instituiu o mandato de quatro anos para os ocupantes dos cargos.

O texto foi encaminhado como substitutivo para a Comissão de Finanças e Tributação (CFT), onde passou a ser relatado pelo deputado Hugo Motta (Republicanos-PB), que atualmente é presidente da Câmara dos Deputados. Seu parecer, que seria votado no fim do ano passado, acabou não sendo apreciado por causa das críticas que recebeu por retrocessos propostos. Houve verdadeira mobilização das entidades representativas para impedir a aprovação.

O presidente da Mútua, Joel Krüger, comemorou a retirada de pauta do substitutivo, que também retirava a contribuição obrigatória para as entidades profissionais. “Vamos fazer uma ampla discussão junto ao nosso sistema profissional, junto aos conselheiros federais, junto aos presidentes de CREAs, junto às entidades de classe, principalmente para que possamos recuperar o repasse de 10% para nossas entidades de classe e discutir a questão das atribuições profissionais do nosso sistema para garantir as atribuições em lei com um pouco mais de tempo”, declarou Krüger.
Em debate realizado no início do ano pelo programa Engenharia & Desenvolvimento, do canal Arte Agora, no Youtube, a conselheira do CONFEA Carmen Lúcia Petraglia também criticou a retirada da contribuição obrigatória para o sistema. Ela também defendeu que o projeto adote o princípio da reciprocidade, para que sejam adotados os mesmos critérios para a atuação de profissionais brasileiros no exterior.

“Há uma dificuldade de aprovar e levar adiante a revisão da lei. O PL não é suficiente para dar à profissão a qualidade necessária. Ele não foi feito por nós e nem para nós, mas é o que está aí na mesa”, avaliou a conselheira.
O conselheiro do Clube e geólogo Ricardo Latgé também participou do debate e defendeu um aprimoramento do projeto, com maior detalhamento para as profissões ligadas às geociências.
“O sistema não tem que servir a si mesmo. Tem que servir ao Brasil, aos engenheiros, às empresas nacionais, fundamentalmente, e ajudar a melhorar a qualidade de vida do nosso povo. Esse segundo projeto se mostrou mais ensimesmado e não se volta para ajudar o sistema a ajudar a sociedade”, afirmou Latgé.
Com o retorno da relatoria ao deputado Rogério Correia, há a expectativa da abertura de um novo diálogo com a sociedade civil. Tanto que o Clube, alinhado com outras entidades representativas, está propondo a entrega de uma nova carta à comissão com propostas para o aprimoramento do projeto.