Mesmo sem irrigação, sistema permite produção na Caatinga. Crédito: Inácio Teixeira - Coperphoto
A Luta das Mulheres
Modelo concilia produção agrícola com a biodiversidade e proporciona ganhos econômicos e sociais, conforme mostrado em evento do Clube
Durante séculos, predominou no Brasil a visão de que o território precisava ser desmatado para que a terra fosse agriculturável. No entanto, uma nova experiência vem sendo implantada em algumas áreas com a proposta de conciliar os plantios com a presença das árvores. O chamado sistema agroflorestal ganha destaque por sua capacidade de solução de diversos problemas, por aliar benefícios sociais, ambientais e econômicos e por seu potencial para recuperar terrenos degradados. Para explicar o funcionamento desse modelo, o Clube de Engenharia do Brasil convidou a professora e engenheira florestal Eliane Maria Ribeiro da Silva e o economista e produtor rural Nelson Araújo Filho, que apresentaram exemplos de sucesso nessa atividade.
Eliane Ribeiro (UFRRJ)Nelson Araújo Filho
Eliane Maria é pesquisadora da Embrapa Agrobiologia e professora do Programa de Pós-graduação em Ciências Ambientais e Florestais (PPGCAF) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), em Seropédica (RJ). No local, há uma experiência de produção de alimentos através de um corredor agroecológico, cujos resultados têm chamado a atenção de pesquisadores de diversas instituições. No entanto, como ela mesma frisou, o desafio de integrar plantações com áreas florestais é imenso, devido ao alto grau de desmatamento do território abrangido originariamente pela Mata Atlântica. No Rio de Janeiro, restaram menos de 20% da cobertura florestal original, espalhada em fragmentos. Criar essas interligações das pequenas áreas de vegetação com as plantações é desafiador, mas não impossível.
Por isso, muitas vezes os sistemas agroflorestais, para serem implantados, necessitam de uma recuperação prévia da própria mata, o que traz muitos benefícios, como o combate às erosões. Mas tendo essa integração benéfica com as árvores, as plantações só têm a ganhar. Isso porque as folhas que caem auxiliam no processo de ciclagem de nutrientes para o solo. A ação de bactérias e fungos são fundamentais para a fixação de elementos químicos que ajudam no crescimento dos vegetais, principalmente do nitrogênio presente no ar. O uso desses compostos orgânicos naturais dispensa o emprego de fertilizantes, que podem causar impacto ambiental e consomem grande quantidade de energia em sua produção.
No Sistema Agroflorestal, tudo é aproveitado
São esses fatores que transformam os sistemas agroflorestais num modelo extremamente sustentável e capaz de proporcionar produção a longo prazo. Com o acompanhamento especializado e o emprego de técnicas corretas de manejo, podem gerar alimentos praticamente de forma infinita, o que não costuma ser o caso da exploração através de grandes propriedades de monocultura. Não é à toa que se encontram vastas áreas devastadas no Estado do Rio, onde no passado havia extensos cafezais. Contrastando com esse cenário de devastação, há a experiência da agrofloresta na comunidade quilombola do Campinho, em Paraty, onde mandioca, feijão, arroz, banana e milho, entre outros alimentos, são produzidos.
“Quanto mais agregados no solo, há mais retenção da umidade. A matéria orgânica se decompõe, dando origem a processo biogênico, através dos animais presentes. É um processo mais estável”, explica a pesquisadora.
Em Seropédica, modelo atrai a atenção de pesquisadores
Segundo a pesquisadora, a natureza põe em ação fenômenos físico-químicos que se complementam, mantendo a riqueza do solo. A luz do sol e água são fatores fundamentais, bem como pequenos animais que estão presentes na terra. Tudo no mais perfeito equilíbrio. Tanto que as técnicas agroflorestais já estão sendo requisitadas para a recuperação de locais afetados pelas temidas voçorocas, um tipo extremamente agressivo de erosão, que engole casas em diversos lugares do país.
“Temos que ter a humildade de ouvir aquela pessoa que está aí, a comunidade indígena, o quilombola, ouvir o que a ancestralidade os ensinou”, concluiu.
O evento organizado pela Divisão Técnica de Recursos Naturais Renováveis (DRNR) também contou com a participação do economista Nelson Araújo Filho, que deixou a indústria petrolífera para criar uma plantação no sistema agroflorestal no sertão da Bahia. Em plena Caatinga, região associada normalmente à miséria e ao clima seco, ele consegue cultivar 90 espécies de plantas, sem “uma gota de irrigação”. A umidade é levada, segundo ele, pelo vento que bate nas folhas dos arbustos e é fixada na terra pela presença de bichos, como as tão combatidas formigas, que na quantidade certa só ajudam a deixar o selo mais fofo.
“Escassez da concorrência não existe na natureza, que trabalha em cooperação e abundância. Todos os elementos da natureza trabalham em colaboração com o homem”, sintetiza o produtor.
Plantação de bananeiras em agrofloresta em Nazaré Paulista, São Paulo. Crédito: Lucas Ninno/Diálogo Chino
Nesse ponto, seu sítio contrasta com o modelo em que o trabalho de aragem do solo é um mandamento a que todos obedecem sem avaliar o resultado. Num país tropical, a técnica importada da Europa acaba empobrecendo a terra, mas é a que predomina nas grandes fazendas do agronegócio. Além de respeitar a biodiversidade, a produção em sistema de agrofloresta dele também surpreende por dispensar fertilizantes e pesticidas.
“Estamos numa contradição entre agricultura e meio ambiente. Ela abre um imenso e vasto campo de atuação da engenharia. Precisamos de uma engenharia que construa máquinas para fazermos florestas e não que construa coletoras como existe hoje de grãos”, avalia Nelson Araújo Filho.
Inscreva-se na nossa newsletter para receber atualizações exclusivas sobre o portal do Clube de Engenharia! Fique por dentro das últimas novidades, eventos e informações relevantes do setor.