Engenheiro e professor Paulo Augusto Vivacqua defende em diversas palestras retomada de modelo de crescimento induzido pelo Estado
Há cerca de 40 anos, fazia sucesso nas rádios o samba “Vai Passar”, de Chico Buarque. Numa época de esperança com a redemocratização, todos cantavam a pátria “que era subtraída em tenebrosas transações”, como se essa realidade já fosse uma página virada do passado. Os anos seguintes mostraram que a democracia, apesar de seus avanços fundamentais, não foi capaz de eliminar de vez os negócios nefastos com a coisa pública, haja vista as privatizações que tantos prejuízos causaram. No entanto, muitos brasileiros, como o engenheiro e professor Paulo Augusto Vivacqua, não só botam fé nas liberdades políticas conquistadas, como apostam nelas para uma reviravolta no país, a fim de que as riquezas nacionais não sejam mais vilipendiadas e sejam revertidas para o desenvolvimento com justiça social.
Ferrovia de Carajás, construída pela Vale do Rio Doce, enquanto estatal. Crédito: Fernando Santos Cunha Filho/Creative Commons
Responsável por diversos projetos de infraestrutura do país, com destaque para a Estrada de Ferro Carajás, no Pará, com seus quase 900 quilômetros, Vivacqua compreende que é preciso antes de ludo formar uma nova mentalidade no país. Nas últimas décadas, prevaleceu a visão colonialista que depreciou o nacionalismo, amaldiçoou tudo que é de natureza estatal e desvalorizou a capacidade do brasileiro. Remando contra essa maré, ele vem dando palestras, expondo suas ideias e evidenciando o quanto o Brasil deve utilizar suas riquezas naturais, abundantes num país de dimensões continentais, em benefício de sua população. A retomada do papel do Estado no desenvolvimento é fundamental, segundo ele.
“As estatais, num país como o Brasil, são extremamente vitais e importantes. Os Estados Unidos sempre tiveram essa percepção e por essa razão tinham como proposta de ação para a América do Sul como um todo lutar contra as empresas estatais. Quando a Vale foi fundada por Getúlio Vargas junto com a Petrobras, esse presidente tinha um conceito de desenvolvimento que tinha entre suas facetas o fato de sermos um país gigante, que domina uma grande área da crosta terrestre, rica em recursos naturais. Ele sabia que a melhor forma de explorar essa riqueza em benefício do povo do Brasil, seria através de empresas estatais”, ressalta Vivacqua.
Sede da Petrobras, no Rio. Crédito: Creative Commons
Enquanto o Brasil se estruturava para se desenvolver explorando suas riquezas, os americanos implementavam uma política externa, que segundo Vivacqua minou os planos dos nacionalistas. O diplomata George F. Kennan foi um grande mentor desse processo, que culminou com o advento do chamado Consenso de Washington (1989), mas as divisões internas do próprio Brasil contribuíram para os retrocessos. Tanto que a Companhia Vale do Rio Doce (rebatizada de simplesmente Vale após a privatização), apesar de ter consolidado um grande complexo industrial e de transportes, com reservas monumentais de minério de ferro e outros minerais, acabou sendo entregue de mãos beijadas para a iniciativa privada em 1997.
Construção da Ferrovia Norte-Sul
Vivacqua entende que a campanha agressiva e ideológica contra a capacidade do brasileiro de realização e do Estado de gerir empresas, que grassa na mídia, acabou solapando o nacionalismo brasileiro e até o senso crítico da nação. Contribuiu para isso o fato da onda de privações ter ganho força num período de democracia quando o país era comandado por um presidente com formação intelectual, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso.
Isso não impede que os fatos sejam denunciados como atos de “lesa pátria” e que tenham suas contradições sempre expostas. Apesar da propalada intenção de reduzir o endividamento público com as privatizações, a venda a toque de caixa das estatais foi feita em troca em grande parte das chamadas “moedas podres”, a preços aviltados e com forte interferência de bancos públicos e fundos de pensão. Concretamente não liquidaram a dívida pública e nem geraram desenvolvimento. Ironicamente, os negócios de alumínio da Vale foram anos depois vendidos para uma companhia estatal da Noruega, sem que ninguém abrisse a boca para dizer que uma empresa controlada por um Estado seria incapaz de gerir um negócio.
Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) em protesto contra a Vale
“Houve sempre um grupo, associado aos americanos e aos estrangeiros, que luta contra as estatais. É um jogo de forças. O mundo não é um lugar de brincadeira. Não é por acharmos que temos essas riquezas e querermos mantê-las que isso nos seria dado de graça. Por isso, sempre houve luta contra a Vale, a Petrobras, a Embratel, a Embraer e a Eletrobras”, explica Vivacqua.
Como o jogo é pesado, ao longo do tempo o setor estatal não foi vítima só de campanha difamatória que o acusou de ineficiente. A associação da estrutura do Estado com a corrupção também ajuda a destruir as iniciativas dessa esfera, o que foi verificado em grande parte através da Operação Lava Jato, a partir de 2014. Por isso, Vivacqua, que é presidente emérito da Academia Nacional de Engenharia (ANE), defende a união de forças das diversas entidades da sociedade civil que prezam pelo desenvolvimento, com amplo uso das plataformas de comunicação, para convencer os brasileiros da importância do desenvolvimento tecnológico e industrial, com indução do Estado.
“Hoje em dia há um controle mais fácil e impessoal e transparente. Os meios de comunicação estão aí. É fazer o sistema de forma transparente, visível a todos. Se não estiver bem, as pessoas podem reclamar, corrigirmos o que está errado. Não é fazer na obscuridade porque assim a corrupção entra”, defende o engenheiro.
Os primeiros passos para a reviravolta do país no rumo do desenvolvimento já foram dados, através do programa Nova Indústria Brasil (NIB), do governo federal. Ainda muito precisa ser feito para que inovações cheguem à indústria brasileira, e o engajamento dos engenheiros é fundamental nesse processo. O Brasil deve procurar soluções tecnológicas que sejam competitivas dentro e fora do país e usar essa capacidade como vetor de crescimento, a exemplo do que fez a Coreia do Sul décadas atrás.
Esse crescimento também pode ser impulsionado a partir de investimentos em infraestrutura, sobretudo nos transportes. Enquanto praticamente todo seu transporte de cargas continuar concentrado no modal rodoviário, o Brasil permanecerá, segundo Vivacqua, andando para trás.
Vivacqua em palestra no Clube de Engenharia
“O Brasil optou forçado por imposição externa a ter um meio de transporte rodoviário. Aceitamos isso e é uma anomalia, uma mega nação onde se trafega de caminhão. Isso nos impede de crescer, pelo menos 2% do PIB ou até 4%. Imagine como nossa economia correria se tivesse um transporte por trilhos”, avalia ele.
Na sua avaliação, se a batalha pela conquista das mentalidades a favor do fortalecimento do Estado tivesse ocorrido décadas atrás, estaríamos num estágio mais avançado atualmente. Além do predomínio do modelo rodoviário, iniciativas voltadas para o transporte sobre trilhos, como a Ferrovia Norte-Sul, foram amplamente combatidas, sem contar o completo descaso com o transporte por cabotagem que já uniu o litoral brasileiro, onde se concentra a maioria da população.
“Há um saque contra o Estado e nisso tenho que concordar com o ministro Barroso (ministro do STF, Luís Roberto). Eu enfrentei o lobby contra as ferrovias, que é avassalador. Quando se fala de estaleiro, navegação, falam dos erros anteriores, mas se houve erros vamos corrigir. Se fizemos avião, que é muito mais complicado, e somos referência, por que não nas outras áreas?”, resume Vivacqua.
Inscreva-se na nossa newsletter para receber atualizações exclusivas sobre o portal do Clube de Engenharia! Fique por dentro das últimas novidades, eventos e informações relevantes do setor.
Warning: Undefined array key 0 in /home/u624081483/domains/portalclubedeengenharia.org.br/public_html/wp-content/plugins/elementor/core/kits/manager.php on line 323
Warning: Trying to access array offset on value of type null in /home/u624081483/domains/portalclubedeengenharia.org.br/public_html/wp-content/plugins/elementor/core/kits/manager.php on line 323
Warning: Undefined array key 0 in /home/u624081483/domains/portalclubedeengenharia.org.br/public_html/wp-content/plugins/elementor/core/kits/manager.php on line 323
Warning: Trying to access array offset on value of type null in /home/u624081483/domains/portalclubedeengenharia.org.br/public_html/wp-content/plugins/elementor/core/kits/manager.php on line 323