Maior universidade federal do país chegou a ter fornecimento de água e luz cortado e sofre com degradação de seus prédios
Apesar de ser a maior universidade federal do país e considerada uma das melhores da América Latina, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) vive uma crise sem precedentes em sua história centenária. Como se não bastasse a degradação de sua infraestrutura, com seus prédios em situação precária, a instituição teve recentemente o fornecimento de água e luz cortado em parte de suas unidades. Apesar do restabelecimento desses serviços essenciais por decisões judiciais, o quadro vivido pela instituição, que já tem uma dívida de aproximadamente R$ 200 milhões, aponta para uma situação de calamidade. Mesmo que haja uma reestruturação dos gastos, dificilmente o problema será solucionado sem o aumento do aporte financeiro por parte do Ministério da Educação (MEC), tendo em vista os sucessivos cortes arbitrários realizados ao longo dos anos.

A crise financeira da UFRJ vem sendo discutida não é de hoje, mas ganhou maior destaque depois que a concessionária de energia Light cortou o fornecimento no dia 12 de novembro em unidades como a Reitoria e o Museu Nacional, entre outras. No dia seguinte, foi a vez da Águas do Rio suspender o abastecimento de água em parte dos prédios da universidade. As dívidas com as companhias são respectivamente de cerca de R$ 30 milhões e de R$ 18 milhões. Apesar de os débitos serem reconhecidos, o corte radical afetou o funcionamento do Restaurante Universitário e da Residência Estudantil, por exemplo. Também foi afetada a segurança pública da Cidade Universitária, na Ilha do Fundão, com o corte de luz.
Mesmo com as decisões judiciais que restabeleceram o fornecimento de energia e água, o quadro continua dramático. Algumas unidades estão com instalações tão precárias, que as atividades ou estão suspensas ou sofrem limitações. Desde maio, as aulas na Escola de Educação Física foram interrompidas, depois de novo desabamento de beirais dentro da unidade. Em setembro, o teto de um setor do Centro de Ciências da Saúde desabou devido a um vazamento. No dia 21 de novembro, as aulas no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), no Centro, onde já funcionou a Escola Politécnica, foram suspensas em virtude das péssimas condições de manutenção.

O agravamento da crise financeira prejudica as atividades de ensino, pesquisa e extensão de uma universidade, que recentemente foi considerada a 5ª melhor da América Latina pelo QS Latin America & The Caribbean Ranking. É uma instituição, que além da tradição de peso e da excelência, congrega mais de 70 mil alunos, 20 mil funcionários, e oferece 172 cursos de graduação e mais de 300 de pós-graduação e especialização. Parte dos problemas se deve a essa grande dimensão, tendo em vista que atualmente a instituição possui 77 prédios, sendo que 9 deles são hospitais e institutos de atenção à saúde e 13 são museus. A estrutura conta com 1.456 laboratórios, 1.863 projetos de extensão, 14 prédios tombados, 45 bibliotecas e um Parque Tecnológico. Além de manter todo esse complexo, a UFRJ também exerce importantes funções sociais. Atualmente, 60% dos alunos de graduação são oriundos de ações afirmativas, através de cotas étnico-raciais e socioeconômicas.

Uma auditoria realizada pela universidade mostrou que 18 dos prédios estão em condições “muito ruins”, necessitando de obras urgentes. Entre os problemas apontados, há riscos de desabamento e de incêndio. Os problemas afetam a segurança de alunos, professores e funcionários e também colocam em risco o patrimônio cultural e científico da instituição, haja vista a destruição do Museu Nacional pelo fogo em 2018, um triste episódio da história da universidade.
Para recuperar toda a estrutura, seriam necessários quase R$ 800 milhões, mas a realidade é que o orçamento da UFRJ está sofrendo com repasses à míngua. Desde 2012, o chamado orçamento discricionário caiu ano a ano. Era de R$ 784 milhões e atingiu R$ 392 milhões em 2024, em valores corrigidos pelo IPCA.

Se a crise tem um lado positivo, é o de ter chamado a atenção da sociedade para o problema. Outra boa notícia é a unidade demonstrada pela comunidade universitária. Mesmo sem luz, representantes da Reitoria, do Sindicato dos Trabalhadores em Educação (Sintufrj), da Associação dos Docentes (Adufrj) e do Diretório Central dos Estudantes (DCE) participaram de uma aula aberta, com a presença do reitor Roberto Medronho. O Conselho Universitário (Consuni) também realizou um ato de desagravo à universidade, em que foi pedida a recomposição orçamentária.
“De forma arbitrária, eles (a Light) decidiram quais as edificações que serão cortadas. Inicialmente cortaram a luz do prédio do Palácio, onde está uma das edificações em que está o Museu Nacional, não é a única. E aí eles viram o que fizeram, que isso ia parar o projeto de reconstrução nacional, e religaram. Desceram para o Horto Botânico do Museu Nacional, onde está o manto tupinambá e iam desligar lá. Aquele manto, se não tiver com a temperatura e a umidade do ar perfeitas, ele se degrada. Um ancestral de 400 anos”, disse Medronho.
Por enquanto, o MEC garantiu apenas um repasse emergencial à UFRJ de R$ 1,5 milhão. A Reitoria tem informado que procura renegociar as dívidas com as concessionárias e fornecedores e que vem cobrando mais repasses da União. Estima-se que para pagar os valores de custeio e parcelas de dívidas da instituição, seriam necessários R$ 743,9 milhões anuais, contra os R$ 392 milhões previstos para o ano de 2024. Medronho, entretanto, já considera uma vitória a rápida reação da Justiça ao atender o pedido da universidade.
“Atribuo que a vitória que obtivemos foi fruto da luta unificada da Universidade Federal do Rio de Janeiro envolvendo as entidades representativas, a Reitoria e todos os nossos setores. Isso demonstra que teremos que continuar nessa linha, independente de quem estiver na Reitoria. Foi esse espírito unitário e a repercussão na mídia que ajudaram muito na decisão exarada pelo desembargador no TRF-2”, declarou o reitor.
O MEC afirma que tem feito esforços para recompor o orçamento das universidades federais. O cenário remete principalmente ao teto de gastos criado por emenda constitucional no governo Michel Temer e mantido na gestão Bolsonaro. É um passivo que vem à tona neste momento em que o governo Lula enfrenta dificuldades até para cumprir seu compromisso com o arcabouço fiscal (Regime Fiscal Sustentável), que deu maior margem para os gastos sociais mas que ainda está atado a um crescimento econômico aquém do desejado e a um endividamento público elevado, em grande parte em virtude dos juros altos. Quem paga a conta no final são principalmente os estudantes, que muitas vezes precisam se esgueirar para não sofrerem um acidente.
“Recentemente, eu estava andando com uma amiga minha no corredor do bloco B e a gente estava saindo do banheiro. Uma parte do cobogó da parede caiu quase na nossa frente”, declarou a estudante Tainá Santiago.
Indignação
O Clube de Engenharia lamenta profundamente a continuidade do processo de sucateamento da estrutura física da UFRJ, que vem comprometendo o ensino e a pesquisa da maior universidade federal do país, produzindo uma série de desastres sobre o seu patrimônio, como os incêndios no Museu Nacional e da antiga Reitoria, bem como o recente fechamento do IFCS por total insalubridade e vulnerabilidade de suas instalações. Em face das contribuições já realizadas pela instituição para a sociedade brasileira, o Clube de Engenharia defende o urgente aporte de recursos para a solução dos problemas mais prementes e a busca da recomposição orçamentária da universidade.