O CASO DAS GRANDES OBRAS NO RIO DE JANEIRO DOS “ANOS DOURADOS “
Cesar Drucker
No mês de outubro, festejou-se os 60 anos da inauguração do Parque do Flamengo, mas é pouco lembrado o conjunto de grandes obras públicas que a cidade ganhou naquela época, conhecida como a dos “Anos Dourados”.
A dimensão, o nível e a simultaneidade daqueles empreendimentos despertaram ampla atenção nacional e até mesmo internacional.
Durante os chamados Anos Dourados, a partir de 1955, o Brasil vivia um clima de otimismo nacional, modernização e crescimento acelerado. Conquistamos o primeiro campeonato mundial de futebol, surgiram a Bossa Nova e o Cinema Novo, ocorria um acelerado desenvolvimento industrial, e se executavam grandes obras de infraestrutura. O Rio de Janeiro era o centro decisório e político do país, concentrando ministérios, estatais e escritórios de engenharia.
Nesse cenário, o governo federal lançou o Plano de Metas, cujo objetivo central era acelerar o crescimento econômico do país. Entre os pilares desse plano, destacou-se a implantação da indústria automobilística, considerada estratégica para a modernização nacional. As montadoras Volkswagen, Ford, GM e Willys iniciaram a produção.
Uma das consequências diretas dessa política foi a necessidade de adaptar as cidades ao novo padrão de transporte, já visível na concepção da nova capital, Brasília. No concurso nacional para o Plano Piloto, o projeto vencedor de Lúcio Costa estruturava a cidade a partir de dois eixos principais: o eixo rodoviárioe o eixo monumental, em clara referência à centralidade do automóvel no desenho urbano
No caso do Rio de Janeiro — então capital federal — o crescimento do tráfego entre as zonas Sul, Centro e Norte exigiu obras de grande porte: a via expressa do Aterro do Flamengo, a construção dos túneis Santa Bárbara e Rebouças, além da duplicação da Avenida Atlântica. O Parque do Flamengo, por sua vez, compartilhou o aterro com as vias expressas, conciliando lazer e circulação viária.
Um aspecto relevante desse período diz respeito às instituições responsáveis pela execução das obras, como o Departamento de Estradas de Rodagem (DER)e a Superintendência de Urbanização e Saneamento (SURSAN). Criada em 1957, ela tinha um programa de obras definido, a duração prevista de dez anos, e uma receita própria assegurada. Desde sua criação, a SURSAN consolidou-se como uma das mais eficientes e influentes instituições públicas daquele período desenvolvimentista. Seu presidente mais lembrado é o engenheiro Enaldo Cravo Peixoto, cuja gestão se destacou pela escala e pela ambição dos projetos executados. Parte desse legado está atualmente em exposição itinerante promovida pelo Centro Cultural da SEAERJ, na Escola Politécnica da UFRJ, na Ilha do Fundão. A mostra apresenta as principais obras realizadas sob sua liderança, como as já citadas, mais a ampliação do sistema de abastecimento d’agua do Guandu, a construção da Elevatória do Lameirão e a elaboração do macrossistema de esgotos da capital, que incluiu os projetos pioneiros do emissário submarino da Zona Sul e do Interceptor Oceânico. Um conjunto de intervenções que marcou definitivamente a infraestrutura urbana do Rio de Janeiro. É importante registrar que todas estas obras foram concebidas e projetadas por engenheiros, urbanistas e arquitetos do serviço público, que também fiscalizaram sua execução.
Foi excepcional a continuidade administrativa da SURSAN ao longo da sua existência, durante três governos, e a despeito de mudanças históricas no Rio de Janeiro. Quando ela foi criada, a cidade era a capital do país, em Município Neutro, e seu prefeito era nomeado pelo Presidente da República. Três anos depois, a cidade deixou de ser a capital, o que foi durante 197 anos, e passou a constituir o Estado da Guanabara, elegendo seu primeiro governador. A SURSAN existiu até o meio do segundo governo da Guanabara, já no regime militar. Quando se extinguiu, tinha cumprido todos os seus objetivos iniciais.
Vale observar que o desenvolvimento urbanístico daquela época foi o de adaptação à nova forma de transporte urbano. O desenvolvimento urbanístico seguinte foi o de expansão da cidade, na direção da Barra da Tijuca, com a construção do túnel Dois Irmãos e do Elevado do Joá.
Agora, seis décadas depois, a política nacional de industrialização é o programa Nova Indústria Brasil. As questões relativas ao transporte urbano de passageiros tornaram-se mais complexas, refletindo novos desafios de mobilidade e sustentabilidade. Mas para as próximas transformações urbanas, ficou o exemplo, dado pela engenharia pública, de visão técnica consistente e qualidade de execução.



