Noor Ouarzazate é considerada a maior geradora termossolar do mundo, mas sua eficiência ainda gera dúvidas
Um dos principais desafios da transição energética no mundo todo é o de contornar a intermitência das fontes renováveis. Um exemplo desse problema é a energia solar, produzida apenas durante o dia ou com tempo ensolarado, sem poder contribuir com o abastecimento no período noturno ou de céu nublado. Na vanguarda do esforço pela superação desse obstáculo está o Marrocos, país do Norte da África, que implementou a maior usina solar do mundo que usa o modelo termossolar ou de energia solar concentrada (em inglês, Concentrated Solar Power – CSP), de Noot Ouarzazate. Apesar do grande sucesso na redução de emissões de Gases do Efeito Estufa e de seu valor estratégico, o projeto é ainda assim polêmico devido aos questionamentos com relação à viabilidade econômica, do alto consumo de água e de sua segurança, principalmente após ser parcialmente paralisada após um acidente.
Diferentemente das usinas fotovoltaicas, as CSPs não convertem de imediato a irradiação do sol em energia elétrica para o grid de transmissão. Normalmente, elas usam espelhos e lentes para direcionar a luz de forma concentrada para um receptor. Então, é feita a conversão da luz em calor, que tanto pode acionar uma turbina a vapor conectada a um gerador ou armazená-la em baterias de sal fundido através de reações termoquímicas.
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Localizada no Deserto do Marrocos, a poucos quilômetros da cidade de Ouarzazate, que já foi cenário de filmes e séries, como a famosa Game of Thones, a usina forma uma paisagem também cinematográfica, que parece até ficção científica. Ao todo, cobre uma área de 3 mil hectares, o que equivale a 2,7 mil campos de futebol. Ela é composta por quatro módulos independentes, sendo que três deles no modelo CSP, com capacidade instalada de 510 MW. A quarta unidade funciona pelo sistema fotovoltaico e produz 72 MW. Ao todo, produz energia suficiente para abastecer uma cidade como Praga, na República Tcheca, ou duas vezes a demanda de Marrakesh.
A primeira unidade, que começou a ser construída em 2013 e finalizada em 2016, capta a luz solar através de calhas côncavas, cobertas de espelhos, que se locomovem de acordo com a posição do sol, como parabólicas. Sua capacidade de armazenamento permite o fornecimento de energia por até três horas depois do sol baixar. A segunda fase foi concluída em 2018 e segue o mesmo modelo. Ambas concentram os raios solares em um óleo sintético que corre por canos e é aquecido a 350 °C, gerando vapor de água que aciona um gerador movido a turbina. O processo é semelhante ao de uma usina termoelétrica a base de combustíveis fósseis como o diesel, com a diferença de que não emitem CO2. No entanto, o projeto usa resfriamento úmido e exige o uso de água para a limpeza dos painéis, o que encarece o custo do kWh. Por converter a luz em calor, antes da produção de eletricidade, há perdas no processo.
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Já a terceira unidade, que também começou a operar em 2018, tem uma arquitetura totalmente diferente. Ela consiste de uma torre gigante, cercada por painéis retos e horizontais, compostos por cerca de sete mil espelhos, suspensos por colunas. Os espelhos refletem a luz em direção ao alto da torre, onde estão armazenados sais fundidos, que guardam o calor. Por esse método, não é necessário o uso de óleo sintético e o resfriamento é feito por ar e não água.
Estima-se que todo o projeto tenha consumido cerca de US$ 9 bilhões. Apesar de o custo de produção e o investimento serem mais elevados do que o de uma usina fotovoltaica normal, e de consumir 3 milhões de metros cúbicos de água por ano, o complexo é capaz de reduzir as emissões de CO2 em quase 900 mil toneladas. Com capacidade de fornecer energia para cerca de 1 milhão de habitantes, também está reduzindo a dependência do Marrocos de importação de energia.
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O complexo foi construído em parceria com o consório espanhol TSK-Acciona-Sener e contou com diversas fontes de financiamento, incluindo o Banco Mundial e o Banco Europeu de Investimento. Um vazamento no tanque de sal, ocorrido em março do ano passado, lançou dúvidas com relação ao futuro da usina, pois além de gerar um prejuízo de US$ 47 milhões, paralisou o funcionamento da terceira unidade, que justamente tem a tecnologia com a proposta mais eficiente e moderna.
No entanto, a necessidade mundial de aumento da produção de energia por fontes renováveis, seguras e estáveis fazem de Ouarzazate um aprendizado inestimável. Segundo estimativas da Agência Internacional de Energia (em inglês, International Energy Agency – IEA), até 2050 11% da produção mundial de eletricidade gerada no mundo virá de usinas termossolares. Para países como o Brasil, que tem sol o ano inteiro em todo o território, mas com pico de consumo das 18h às 19h, a energia termossolar pode ser uma alternativa na medida em que os desafios tecnológicos sejam superados.