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Ato de desagravo reafirma resistência ao desmonte da universidade pública

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Roberto Leher, reitor da UFRJ, questiona as crescentes agressões às universidades. Foto: Fernando Alvim

“O Clube de Engenharia, neste momento, está afirmando uma convicção importante dos setores democráticos: nós temos que proteger nossas universidades, nós temos de proteger todos aquelas e aqueles que fazem da sua vida um gesto de dedicação e direcionamento radical na produção do conhecimento para a formação humana”.

Foi com essas emocionantes palavras que o professor Roberto Leher, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, agradeceu a presença de todos ao concorrido ato de desagravo realizado no Clube de Engenharia, dia 11 de março, em solidariedade aos servidores da UFRJ que foram recentemente condenados, acusados injustamente de desvio de dinheiro público.

O evento aconteceu como parte de uma mobilização nacional que questiona a sentença emitida no dia 28 de fevereiro pela juíza Caroline Vieira Figueiredo, da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal, que condenou por peculato o ex-reitor da UFRJ, professor Carlos Antonio Levi, o professor Raymundo de Oliveira, ex-presidente da Fundação Universitária José Bonifácio (FUJB) e ex-presidente do Clube de Engenharia, além de João Eduardo do Nascimento Fonseca, Luiz Martins de Melo e Geraldo Luiz dos Reis Nunes, todos servidores em cargos na reitoria entre 2011-2015. O processo investigou supostas irregularidades no recebimento de recursos da FUJB, que apoia as atividades da UFRJ ancorada na Lei das Fundações (Lei nº 8958, de 1994).

Ataque às universidades públicas
Pedro Celestino, presidente do Clube de Engenharia, destacou que os servidores têm uma trajetória honrada de serviços prestados à universidade e à sociedade. “Estamos diante de um movimento que se destina a desacreditar a universidade pública brasileira. Não é a primeira vez que isso ocorre. Esse movimento já levou ao suicídio do reitor da Universidade Federal de Santa Catarina. Já levou à prisão e desmoralização de dirigentes da Universidade Federal de Minas Gerais. Esse movimento, se não for detido pela reação organizada da nossa sociedade, implicará na destruição da universidade pública. É por isso que estamos aqui. Estamos a defender a integridade, a honra, de homens públicos que dedicaram sua vida à universidade pública, ensinando gerações e gerações de engenheiros”, clamou.

O reitor Roberto Leher questionou a abordagem da Justiça nessas investigações recentes. “São ações amparadas em decisões judiciais com uma estética muito característica. Em geral, às seis horas da manhã, 80 a 100 policiais encostam no prédio onde mora um reitor e sobem para fazer uma condução coercitiva de forma vexatória e humilhante, não apenas com os indivíduos que são atingidos, mas com as instituições”, lamentou.

“Claramente nós temos ações que produzem uma imagem pública sobre a universidade como se em nossas instituições prevalecesse a malversação de recursos públicos, e os reitores, dirigentes e representantes das fundações constituíssem um conjunto de pessoas cujo objetivo é apropriação indevida. Obviamente isso é um ato que atinge os indivíduos, mas seguramente é um ato que alcança a legitimidade das universidades. E, no contexto em que estamos vivendo, de difusão de fake news, as universidades tornam-se instituições incompatíveis com a existência dessa forma de fazer política, porque nelas prezam a verdade e a produção de um conhecimento ético”, afirmou o reitor.

Fundações apoiam o desenvolvimento científico
O professor Fernando Peregrino, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (CONFIES), explicou que “as fundações foram criadas como um movimento da comunidade científica, que reclamava da excessiva burocracia de gerir um projeto de pesquisa”. Os órgãos de controle, disse ele, viam a Ciência de forma programada e determinada, o que não era a realidade de grande parte dos cientistas, que trabalham com um planejamento flexível. A pesquisa científica, lembrou, segue o curso das descobertas, com variáveis e hipóteses determinando seu rumo.

“É um absurdo a vida de um cientista no Brasil hoje. São heróis, cientistas homens e mulheres, que fazem pesquisa num país que tem 18 órgãos distintos de controle”. Segundo Fernando Peregrino, existem hoje no país 94 fundações como a FUJB, que apoiam 132 universidades e centros de pesquisa. “Eu duvido que essas universidades fizessem o que fazem de produção científica se não tivessem uma fundação ao seu lado. A USP, a Unicamp, a UFRJ, a Unirio, outras tantas pelo Brasil afora. Essas fundações são uma alavanca importante para vencer a burocracia”, defende, afirmando que atualmente essas organizações são responsáveis por 22 mil projetos de ensino e pesquisa em todo o país, mobilizando quase 5 bilhões de reais por ano e tendo suas contas prestadas a todos os órgãos de controle.

“A chamada Lava-Jato do MEC nada mais é que um eufemismo para dizer: ‘Nós vamos entrar e exemplificar’. E o medo se implanta. Quem mais vai fazer uma gestão livre, mais eficiente, baseada na Constituição, no artigo 37, que diz que Administração Pública tem de ser eficiente? Isso tem de nos deixar o contrário de amedrontados. Deve nos deixar revoltados”, criticou Peregrino.

Autonomia universitária
Enquanto autarquias do tipo especial, as universidades são amparadas pelo artigo 207 da Constituição Federal, que lhes garante a chamada autonomia universitária. Essa condição, segundo o reitor Roberto Leher, é essencial para que a universidade seja “livre, espaço de liberdade ilimitada, que possa enfrentar e interpelar os grandes problemas que os povos vivem, de maneira livre e sem pressões partidárias”.

“O que estamos constatando é que, claramente, o gozo da autonomia universitária requer como condição a autonomia de gestão financeira e patrimonial. Porque é com a liberdade de organizar suas contas que a universidade pode desenvolver projetos que são de uma complexidade ímpar”, explicou o reitor. “As fundações são um suporte para essa autonomia. A lei diz que elas podem ser ressarcidas de seus gastos. E é sobre isso que estamos tratando. As universidades precisam ter formas operativas que possibilitem maior celeridade e flexibilidade nos seus projetos e contratos vinculados a projetos, e a fundação, para manter sua infraestrutura, precisa ser ressarcida”.

Logo após a condenação dos servidores, o CONFIES emitiu nota explicando a relação entre fundações e universidades: “A acusação interpreta erroneamente o papel de uma fundação de apoio de direito privado, sem fins lucrativos, e de interesse público, confundindo-a com uma empresa privada que visa a distribuir lucros. Uma fundação de apoio tem de ser credenciada pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), e tem como papel dar agilidade à gestão de projetos de ensino, pesquisa, extensão e desenvolvimento institucional da universidade apoiada, visando a apenas o interesse público. E assim, confunde-se uma taxa de 5% (podendo ser de até 15%, segundo a norma em vigor) destinada a cobrir os custos operacionais de gestão da fundação, com qualquer repasse”, disse o documento. Os servidores foram condenados, justamente, por supostos repasses fraudulentos à FUJB.

Reverter a condenação
O amplo movimento formado para questionar a condenação dos servidores da UFRJ vai apelar contra a decisão judicial. “Conversamos com nossa Procuradoria, e entendemos que temos argumentos sólidos para refutar a pretensão de validade da sentença. Temos confiança de que todas as dúvidas serão dirimidas e nós teremos sentenças favoráveis, que vão, de forma justa, reafirmar a dignidade, a ética e, sobretudo, o espírito generoso desses nossos dirigentes que assumiram uma tarefa complexa e áspera, que é justamente o governo da universidade”, afirma Roberto Leher. “É muito importante que todos esses servidores sejam protegidos”, disse ele.

Estiveram presentes no ato de desagravo, entre outros, os também ex-reitores da UFRJ Nelson Maculan e Paulo Alcântara Gomes; os professores Luiz Pinguelli Rosa e Edson Watanabe (diretores da Coppe/UFRJ); o presidente do CREA-RJ, Luiz Antonio Cosenza; o ex-senador, ex-prefeito do Rio e conselheiro do Clube de Engenharia, Saturnino Braga; a presidente da Associação dos Docentes da UFRJ (Adufrj), Maria Lúcia Teixeira Werneck Vianna; a Pró-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa da Unirio, Evelyn Orrico; e o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Domingos Meirelles.

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