Introdução
Recém-empossado como pró-reitor de Gestão e Governança, Fernando Peregrino defende que a UFRJ use seu maior patrimônio: a inteligência da comunidade acadêmica para gerar inovação interna. A proposta é lançar desafios em temas como resíduos sólidos, energias limpas, redução de filas no hospital universitário, por exemplo. Ele recebeu a equipe do Harpia para esta entrevista, em que ele resume sua trajetória na gestão pública, as ações prioritárias à frente da PR-6 e o que ele, pessoalmente, deseja para o futuro do Museu Nacional/UFRJ. Confira:
Harpia — Peregrino, como surgiu o convite para o senhor assumir a Pró-Reitoria de Gestão e Governança da UFRJ, a PR-6?
Fernando Peregrino — Foi uma surpresa, porque talvez eu seja o primeiro pró-reitor que não veio do quadro de servidores da UFRJ. Sou servidor público aposentado do Ministério da Ciência e Tecnologia, com passagens pelo CNPq e pelo CBPF, o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Fui presidente da Faperj em dois mandatos e secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Rio de Janeiro.
Minha trajetória como gestor público sempre esteve ligada à tecnologia, inovação, empresas nascentes e política científica, inclusive sendo temas também do meu mestrado e doutorado em Engenharia de Produção na Coppe/UFRJ. Pela Faperj, tive forte vínculo com a cultura, o que ampliou minha visão da integração entre ciência, tecnologia e cultura. Dirigi a Fundação Coppetec, que deixei reestruturada e superavitária, com centenas de projetos. Também fui diretor setorial da Coppe. Mais recentemente, fui convidado pelo Celso Pansera para ser chefe de gabinete da FINEP, quando o FNDCT foi recomposto e ampliado, garantindo bilhões para pesquisa. Esses recursos servem para financiar a infraestrutura de pesquisa das universidades. Há, por exemplo, dinheiro da FINEP na infraestrutura do Museu Nacional, e também em várias instituições espalhadas pelo Brasil inteiro. Além disso, a FINEP financia projetos de inovação tecnológica em áreas estratégicas, como inteligência artificial, transição energética e bioeconomia.
Dois anos e meio depois, houve a mudança na presidência da FINEP. O reitor Roberto Medronho, que já conhecia minha trajetória, me convidou, há cerca de dois meses, para assumir a Pró-Reitoria de Gestão e Governança da UFRJ. Vi um espaço enorme para atuar.
Harpia — Ao assumir a PR-6, quais desafios estruturais da UFRJ o senhor identificou como prioritários para iniciar sua gestão?
Peregrino — A UFRJ é a maior universidade federal do país e a segunda em produção científica depois da USP. Ainda assim, carece de apoio à chamada área-meio, que é justamente o que garante a infraestrutura necessária para ensino, pesquisa e extensão. Foi nesse ponto que concentrei meu foco. A atividade-meio das instituições de pesquisa costuma ser preterida, não recebe o apoio que deveria, mas é fundamental. O médico só pode exercer bem seu trabalho se a UTI funcionar, com material de consumo e estrutura adequados. Da mesma forma, o professor precisa ter uma sala de aula em condições para ensinar.
Harpia — Peregrino, quais estão sendo os projetos iniciais?
Peregrino — Tenho dois projetos iniciais principais. Para gerir mais de 120 contratos de serviços, que giram entre R$ 300 e R$ 320 milhões por ano, precisamos de informação. Com apoio do reitor, estou desenvolvendo um projeto para criar um sistema de informação de apoio à gestão, numa base de dados com todos os contratos. Preciso saber quais são os contratos, qual é o objeto, o fornecedor, o fiscal, onde estão. Tenho que fazer isso de forma automatizada, não pode ser no braço. Esse é o primeiro projeto.
O segundo projeto decorre da mudança da legislação. Temos o Marco Legal da Inovação, que aproxima a universidade da sociedade, cria mecanismos de ação conjunta da sociedade privada com a universidade. Junto com a Lei Complementar 182, a Lei das Startups, e a nova Lei de Licitações, podemos fazer compras inovadoras.
Os governos são grandes compradores de bens e serviços. Portanto, têm um poder enorme de interferir no mercado. Se deixar, o mercado atua no interesse dele. Mas o governo tem interesses públicos que não podem ser resolvidos só pelo mercado. Agora, com essas três leis, podemos usar o poder de compra do governo para induzir inovação.
Aqui na UFRJ queremos lançar desafios à comunidade, que tem 60 mil estudantes e, somando técnicos e professores, são mais de 70 mil pessoas. É um enclave de inteligência condensada. Não é possível a UFRJ comprar bens que não servem a ela ou comprar bens de outro lugar ou ideias de outros lugares, sem que a gente explore essa nossa vantagem comparativa. Temos o maior tanque oceânico. Tivemos agora a divulgação do trabalho da cientista Tatiana Sampaio para pacientes com lesão medular. Uma universidade que faz isso, tem condições de fazer várias outras coisas.
Queremos que a comunidade proponha soluções: resíduos sólidos, gasto de energia, energias limpas, redução de filas no hospital e no restaurante, sustentabilidade, entre outras. Das 80 mil pessoas, se 200 participarem e algumas trouxerem ideias boas, já teremos usado nosso capital intelectual. É inovação para dentro. A ideia é: santo de casa faz milagre!
Vamos filtrar propostas, começar com muitas, selecionar algumas. Quem sabe isso não se transforma numa startup, numa empresa. A lei permite financiamento e scale-up dessas ideias para transformar em um bem. É algo disruptivo, porque nunca se fez assim.
Harpia — Além da inovação, há também pautas imediatas com concessionárias. Como foi a conversa com a Light e a Águas do Rio?
Peregrino — Chamei a Light para discutir a forma de nos tarifar. Expliquei que não somos qualquer organização. Somos aqueles que fornecem recursos humanos para eles operarem. Se não fossem nossos engenheiros e técnicos, eles não operariam o sistema elétrico. Questionei por que pagamos tarifa fixa mesmo sem uso, o que considero um absurdo. Na água, é parecido: falta medição adequada, há risco de vazamentos e consumo indevido. Precisamos de apoio para reduzir isso. Essas concessionárias são grandes consumidoras do nosso orçamento.
Harpia — E quanto aos grandes projetos patrimoniais?
Peregrino — Temos a concessão da Praia Vermelha, incluindo o Canecão. O consórcio vai reconstruí-lo e, como contrapartida, construir salas de aula e restaurante universitário.
Outro projeto é o leilão dos módulos do prédio Ventura, na Avenida Chile. São 11 módulos, e o leilão será em 7 de novembro na B3, com preço mínimo de R$ 251 milhões. Esse recurso não entra em caixa: será usado diretamente na execução de 10 obras já elencadas, como restaurante em Macaé e conclusão do prédio conhecido como “Paliteiro”. É uma venda casada: o investidor só recebe a propriedade quando quitar as obras.
Harpia — Esse recurso beneficiará também o Museu Nacional?
Peregrino — Não, porque esse recurso está direcionado a obras novas já determinadas. O Museu Nacional já tem dotação específica no orçamento da UFRJ. Estamos acompanhando suas obras, como o sistema elétrico.
O que temos na PR-6 em vista são R$ 28 milhões para licitar, voltados para a reforma do Prédio Anexo Alípio de Miranda Ribeiro, que fica na Quinta da Boa Vista ao lado do palácio em reconstrução. Mas só pode ser licitado quando chegar o projeto bem definido pela lei e documentações. Sem isso, a PR-6 não pode licitar.
Harpia — O senhor chegou a ter alguma ligação anterior com o Museu Nacional?
Peregrino — Há muitos anos, lembro que, por meio da FAPERJ, foi dado um auxílio a um projeto do Kellner. Ele não era diretor do Museu ainda, era sobre uma descoberta que ele fez de algum esqueleto em algum lugar do mundo e ele se tornou uma pessoa muito conhecida na área da paleontologia. Isso está no meu imaginário lá atrás, uns 20 ou 30 anos, aproximadamente.
Harpia — Vi que o senhor nasceu em Belém, no Pará. Já no Rio, o senhor chegou a visitar o Museu antes de 2018?
Peregrino — Sim, eu visitava. Inclusive levei meu neto Miguel, hoje com 13 para 14 anos, pouco antes do incêndio de 2018. Ele tem uma foto com o meteorito. Quando vimos o incêndio na TV, ele ficou pesaroso e isso ficou marcado, assim como o dia 11 de setembro com o ataque às Torres Gêmeas, que todo mundo acaba lembrando onde estava nesses dias. O Museu é a raiz da nossa nacionalidade, essencial para formar consciência social. Tudo o que aconteceu mostra a importância de investir em segurança e prevenção de incêndio.

Harpia — Peregrino, por favor, voltando ao que você comentou no início, poderia contar para nossos leitores mais sobre essa experiência à frente da Fundação Coppetec?
Peregrino — A Fundação Coppetec é responsável por manter o funcionamento da Coppe e atua como fundação de apoio para toda a UFRJ. Durante minha gestão, realizei uma reforma estrutural e deixei a instituição, em março de 2023, com superávit financeiro, mais de 600 projetos em andamento e boas perspectivas, resultado da intensa colaboração de seus funcionários. Consegui, ainda, que a Coppetec figurasse entre as três primeiras do ranking nacional das 90 fundações de apoio vinculadas ao CONFIES, que é o Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica.
O CONFIES, por sua vez, foi outro trabalho importante que conduzi como presidente em três mandatos. Atualmente, ele reúne cerca de 100 fundações espalhadas por todo o país, responsáveis por mais de 20 mil projetos de pesquisa, ensino e extensão. São entidades privadas, mas de interesse público, que atuam em universidades grandes e pequenas, sob a fiscalização do Ministério Público estadual e em estreita integração com as instituições às quais estão vinculadas.
Harpia — Que outros projetos de destaque o senhor já coordenou na UFRJ?
Peregrino — Eu trabalhei no Fórum de Ciência e Cultura com o professor Luiz Pinguelli Rosa, grande mestre e ex-diretor da Coppe. Sempre me chamava para projetos, e juntos realizamos obras marcantes, como o I-2000, que reformou o bloco I do Centro de Tecnologia, que era um prédio antigo, deteriorado, cheio de laboratórios improvisados. O maior desafio foi humano: convencer professores a deixar seus pequenos espaços para dar lugar a espaços modernos, com ar-condicionado, internet e infraestrutura de qualidade. Tive que conquistar a confiança. Para cada espaço demolido, entregamos rapidamente um ambiente muito melhor.
Aprendi que não basta ser engenheiro: é preciso ser capaz de envolver pessoas em um projeto coletivo. Sempre acreditei que ninguém faz nada sozinho. É preciso ter aliados. Eu dizia aos estudantes: Não perca aliados. Ele tem algum interesse na sua meta, então reduza a sua meta e traga ele para você, mesmo que ele tenha ideias diferentes, mas nesse ponto de interesse ele converge. Aí você traz ele. É importante encontrar o ponto de convergência. Mais tarde, o Pinguelli me chamou novamente, e coordenei o CT-2, às margens do canal do Cunha, hoje uma das entradas mais modernas da UFRJ. Essas duas obras, o I-2000 e o CT-2, foram transformadoras.

Harpia — Para concluirmos, Peregrino, o que o senhor espera para o futuro do Museu Nacional, pessoalmente?
Peregrino — Olha, este país ainda não tem plena noção da sua grandeza pela memória que possui. Sofremos com a falta de memória da população, da sociedade. O Museu é uma raiz fundamental da nossa nacionalidade e precisa ser vivido por todos. Não só ele, mas o Museu Nacional em especial, porque marca de forma clara a nossa história recente. Acredito que isso é essencial para formar a consciência social.
Ainda somos uma sociedade que não reconhece plenamente o seu valor, a riqueza da miscigenação, as vantagens naturais, a biodiversidade, a grandeza continental, a criatividade, a arte, a música. Tudo isso precisa estar incorporado à nossa identidade para resistir às pressões que sempre recebemos. Antes de forma mais velada, hoje de forma explícita. Eu trabalhei com o Darcy Ribeiro, um expoente da nossa cultura, pessoa muito querida. Ele falava muito disso e acreditava que isso faria do nosso povo uma nova civilização romana. Olha como ele pensava: dizia que seríamos ainda melhores do que Roma.
Fonte: Harpia