O cenário é caótico: a cidade do Rio de Janeiro produz diariamente 10 mil toneladas de lixo. Menos de 3% são reciclados. A maior parte do lixo seco, como embalagens, e o úmido, como restos de comida – que se tornam chorume – vai para aterros sanitários. O preço médio de destinar uma tonelada de lixo aos aterros é de 60 a 100 reais, o que significa um gasto diário de 600 mil a um milhão de reais. Esse é um dos problemas ambientais da cidade, junto a valões e rios poluídos pela falta de coleta de lixo e saneamento em favelas, inundações, lagoas costeiras poluídas, Baía de Guanabara poluída, desmatamento, deslizamentos de terra, etc.
Na visão do engenheiro Adacto Ottoni, tudo isso poderia se resolver com outro modelo de gestão das cidades, mais especificamente lixo e esgoto. O sistema atual não é nem um pouco sustentável: nem ambientalmente, nem economicamente, num país em crise.
O especialista em engenharia sanitária e meio ambiente dá a solução: que a coleta seletiva aconteça a partir das casas dos cidadãos, com lixos úmido e seco devidamente separados e coletados por catadores, a partir de campanhas de educação ambiental e de mídia. O lixo seco pode ser reciclado de modo que possa voltar às indústrias, substituindo a compra de matéria-prima e economizando em dinheiro, água e energia. Com uma política sustentável de coleta seletiva, podendo chegar aos 30% de reciclagem para o lixo seco, atinge-se o efeito de escala e se torna interessante economicamente para o empresariado, incluindo o mercado secundário da reciclagem.
Em torno de 50% dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) são de lixo úmido, principal gerador do chorume. Segundo Ottoni, é um material orgânico potencialmente rico em nutrientes, que, com o correto aproveitamento, pode se tornar adubo, assim como o lodo dos esgotos orgânicos pode passar por um biodigestor para ser transformado em biogás e composto orgânico. Como adubo, além de outros usos, pode servir para o reflorestamento, evitando e revertendo processos de erosão, aumentando a produção de água doce nas bacias hidrográficas dos mananciais hídricos, e evitando deslizamentos de terra. O restante do lixo (em torno de 20% do total), inviável para algumas dessas soluções, iria para os aterros sanitários, aumentando sua vida útil e lançando nesses aterros resíduos menos poluentes. Haveria ainda a alternativa do aproveitamento energético desses resíduos, caso fosse viável.
No caso da gestão dos esgotos sanitários urbanos, recentemente, em visita à Estação de Tratamento de Esgotos de Alegria, no bairro do Caju, da Companhia Estadual de Águas e Esgotos (Cedae), Adacto Ottoni notou que, além dos esgotos sanitários, a estação recebe chorume para tratar, identificada como uma alternativa ruim: “Um problema pode ter várias alternativas de solução técnica, mas essa não é sustentável. Você, encaminhando chorume para uma estação de tratamento de esgoto, mesmo que seja menos de 3%, não está tratando, está diluindo chorume. Tem consequências negativas”. Segundo ele, o chorume contém nitrogênio amoniacal em alta concentração, que se agrega à massa do esgoto tratado sob a forma de nitrogênio mineralizado. Esse elemento, na água tratada jogada de volta aos corpos hídricos, se torna alimento de algas, que se multiplicam e geram um problema crítico de eutrofização, havendo a floração de fitoplanctons na água, e gerando desequilíbrios graves na biodiversidade do ecossistema hídrico. Além disso, a estação de Alegria ainda manda material orgânico, fruto do lodo decantado do esgoto, para aterro sanitário. Enquanto este manda chorume, entrando num círculo vicioso, onde todo o potencial de reaproveitamento do lodo dos esgotos como biogás e composto orgânico deixa de ocorrer.
A lei que não é cumprida
Adacto Ottoni toma como referência, para a correta destinação de lixo, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010), disponível há seis anos para a aplicação nas cidades brasileiras, sendo mais uma lei que não é seguida efetivamente, na prática, pelas prefeituras brasileiras. O artigo nono define as prioridades para a destinação de lixo: a primeira prioridade é a não geração de resíduos, com o estímulo do consumo consciente. A segunda é a redução do consumo (e descarte), que se torna possível com produtos de vida útil mais longa, uso de sacolas retornáveis, etc. A terceira é a reciclagem do material descartado e a quarta é a reutilização, ambas a partir da coleta seletiva.
No entanto, a maioria das cidades – o Rio de Janeiro por exemplo – opta pela quinta prioridade: descarte em aterro sanitário. Modelo seguido por mais de 90% das cidades do estado. O Plano Nacional dá base para a elaboração de planos estaduais e municipais, que são condições para o acesso a recursos da União para a implantação. A Lei, no entanto, não prevê punição para o seu não cumprimento. Há metas para reciclagem, incluindo a compostagem e reutilização, que estão previstas no artigo 15 da Lei 12.305.
Falta vontade política
Para que tudo isso se torne realidade, é preciso mudança de atitude da população e também das prefeituras. De um lado, a população precisa se preocupar em consumir menos descartáveis e separar o lixo úmido do lixo seco reciclável. Mas é preciso que todos tenham acesso à coleta seletiva, com ecopontos na cidade, uma organização dos trabalhadores e dos espaços desse processo, e que haja campanhas de educação ambiental e de mídia junto à população. Desta forma, é necessário que sejam criadas políticas públicas efetivas de educação ambiental acopladas às políticas de não geração, redução, reciclagem e reutilização, a partir da coleta seletiva dos RSU, abrangendo toda a área municipal.
Quem sairia perdendo, segundo Ottoni, seriam as grandes empresas dos aterros sanitários, que recebem muito dinheiro para receber e descartar no solo grande parte do lixo das cidades. Essas empresas teriam que se readequar e investir mais no mercado da reciclagem. Os aterros, recebendo uma carga muito menor de lixo, teriam sua vida útil aumentada, dos atuais 20 anos para entre 50 e 80 anos.
Com a coleta seletiva e reciclagem dos RSU, quem vai se beneficiar é o meio ambiente e a população, e inclusive as prefeituras, que vão deixar de gastar tanto dinheiro com o transporte e descarte do lixo nos aterros sanitários da maior parte dos RSU. Ainda existem os grandes riscos de vazamentos de chorume nos períodos de chuva intensa, que são muito comuns na região sudeste do Brasil na época do verão, poluindo o solo e as águas superficiais e subterrâneas. “As políticas públicas sustentáveis priorizam soluções baratas, que fazem a preservação ambiental e beneficiam a população, gerando renda e melhorando as condições de vida”, afirma Ottoni.
É com essa perspectiva que o engenheiro acredita que o problema da poluição possa ser, dentro do conceito da sustentabilidade ambiental, efetivamente solucionado. Porque, segundo ele, poluição é desperdício, deixando-se de aproveitar o valor agregado do resíduo gerado, e impactando o ecossistema natural devido ao descarte inadequado. Com consumo consciente e uma gestão sustentável, o processo da poluição é reversível, acredita o professor, dando condições mais promissoras de vida para as atuais e futuras gerações.
“O momento é agora. Com essa crise que o país está passando, temos que repensar nosso modo de ação junto à natureza e privilegiar soluções de engenharia sustentável”. Para ele, é papel do Clube de Engenharia cobrar políticas públicas com sustentabilidade: engenharia com tecnologia limpa, com soluções de baixo custo, que gerem emprego, uso de equipamentos menos poluentes, com preservação ambiental. Soluções em que a população esteja envolvida.
Uma ideia de gestão para a cidade
Na perspectiva de Adacto Ottoni, o melhor para o Rio de Janeiro hoje seria organizar o sistema de coleta segundo a lei de resíduos sólidos e fazer um centro de reaproveitamento de resíduos. Nele, haveria usinas de compostagem que transformariam o lixo úmido da coleta seletiva em composto orgânico. Também o lodo das estações de tratamento de esgotos gerariam biogás e composto orgânico, após passar por um biodigestor. Haveria grandes usinas de triagem para receber resíduo seco da coleta seletiva. Poderia ser implantado, também, uma usina de reciclagem dos resíduos da construção civil, transformando-os, novamente, em matéria-prima para obra. E, por último, o aterro sanitário, somente para o que não é possível ser reaproveitado. Segundo ele, essa solução é capaz de gerar empregos, despoluir os rios e lagoas costeiras, e a Baía de Guanabara na cidade. “As soluções técnicas têm que ter viabilidade ambiental, ser baratas, gerar emprego e melhorar a vida das pessoas”, conclui.
A curto prazo, Ottoni defende soluções emergenciais de redes coletoras interceptoras dos valões de esgotos que desembocam diariamente nos rios da cidade, encaminhando-os para as estações de tratamento de esgotos já existentes, com soluções de tratamento que possam prever o reuso dos esgotos. A médio e longo prazos se implantaria a coleta de esgotos pelo sistema separador absoluto, além de se criarem políticas públicas para o controle das ocupações irregulares na cidade. Também, iniciar a coleta seletiva, reciclagem e pleno saneamento nessas moradias.
A visão não é utópica. A cidade de Tibagi, no Paraná, “aproveitou” a falta de verba para descarregar o lixo no aterro de Curitiba para se tornar mais sustentável. O lixo seco, que representava cerca de 28% do total da cidade, é reaproveitado pela coleta seletiva e vendido para o mercado secundário. O lixo úmido (56%), transformado em composto orgânico, se tornou adubo para reflorestamento e produção de rosas, tornando a cidade uma espécie de polo turístico de rosas. Ou seja, houve vontade política para a criação de políticas públicas sustentáveis para o saneamento, com preservação ambiental, soluções de baixo custo e viáveis socialmente junto à população local.