Introdução
Lucio Lambranho
Levantamento realizado pelo Observatório da Mineração revela um aumento exponencial nos pedidos para exploração de minerais no mar brasileiro. Cerca de metade dos 950 requerimentos registrados na Agência Nacional de Mineração (ANM) foram protocolados de 2020 até o fim de 2024, parte de uma série histórica que começa em 1967.
De 1967 a 1999 foram apenas 36 pedidos, que aumentaram para 201 na década posterior, de 2000 a 2010, pulou para 257 registros de 2011 a 2019 e explodiu mesmo desde 2020, explicado pela conjuntura econômica, a pandemia, a aceleração da transição energética e a busca por minerais críticos, incluindo expansão no governo Bolsonaro e questões geopolíticas globais. Foram 456 registros para mineração no fundo do mar na ANM apenas entre 2020 e 2024.
Os recursos minerais entre os de maior número de processos são os de fosfato (351) e sais de potássio (126) seguidos por 121 pedidos de três tipos de calcário e 58 de conchas calcárias, todos com potencial de uso para indústria de fertilizantes.
Parte dessa explosão no interesse por fertilizantes está na busca do Brasil em reduzir a dependência da importação e é explicada pelos movimentos feitos durante o governo de Jair Bolsonaro para aumentar a exploração de fertilizantes no país.
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Minerais críticos, alvo da cobiça internacional e de acordos vagos ou sem salvaguardas ambientais e sociais com Estados Unidos e China, como mostramos em duas reportagens sobre o tema, também estão na lista. Entre eles, a ilmenita tem mais pedidos, com 55 processos. Titânio aparece com 22 registros e lítio com 19 requerimentos.
Os dados da ANM ainda trazem 28 processos para extração de sal-gema no mar. Deste total, 14 deles ficam no Espírito Santo e três no Rio de Janeiro. O sal-gema é a substância por trás do desastre da Braskem em Maceió, na costa oceânica, um dos maiores desastres em curso da mineração mundial.
Entre os principais tipos de mineração no fundo oceânico, os chamados nódulos de manganês estão associados a essa corrida por extração de minerais estratégicos. Na segunda metade do século passado, esses nódulos não eram considerados para mineração devido ao manganês, principal elemento químico contido, ser uma commodity de valor baixo. Mas a busca pela transição energética acelerada mudou o cenário internacional e de procura destes metais no Brasil. É o que avalia Andre Klumb, professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
“No atual cenário, o fato de que cobalto, níquel e cobre são utilizados nas baterias de carros elétricos faz com que essa corrida para mineração do fundo oceânico ocorra. Estão localizados nas chamadas planícies abissais, profundidades de lâmina d’água em torno de 3 km, sendo uma das principais áreas mineralizadas situada no oceano Pacífico. No Brasil, esses nódulos ocorrem, principalmente, na região sul, e estão sendo estudados pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB)”, explica Klumb, geólogo com mais de 25 anos de experiência atuando na área da exploração mineral no Brasil e no exterior.
Em resposta a um pedido do Observatório da Mineração por meio da Lei de Acesso à Informação, o SGB afirma que o percentual do mapeamento do território submarino brasileiro é de 10.85%, incluindo o conhecimento de geologia marinha em águas rasas, médias e profundas na plataforma continental estendida e na área internacional que inclui a atuação do Serviço Geológico.
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Foto de destaque: Exemplo de equipamento usado para coletar nódulos em exploração em alto mar. Foto: Richard Baron/The Metals Company
Gráficos: Observatório da Mineração
Geopolítica internacional para transição energética acelera pedidos de extração no mar
Paulo Sumida, diretor do Instituto Oceanográfico da USP (Universidade de São Paulo), afirma que o aumento no número de requerimentos na ANM está relacionado pela busca no mar de minerais críticos e por uma corrida do mundo para tentar zerar as emissões de carbono em médio prazo.
“A situação geopolítica não ajuda, com frequentes embates entre China e EUA por supremacia na área. Isso faz com que o acesso a esses minerais represente vantagens econômicas enormes. Isso também está refletindo no nosso país, que possui uma extensa costa e grande potencial para exploração desses recursos”, afirma.
A preocupação ambiental de Sumida está concentrada na perda da biodiversidade marinha. Segundo o pesquisador, áreas profundas são extremamente biodiversas e com ritmos muito diferentes daqueles que encontramos em águas rasas e, por isso, há necessidade de um manejo especial nessas áreas.
“Acho que o alerta dos cientistas quanto ao perigo de tal exploração pode significar uma pressão para uma moratória na exploração. De fato, queremos explorar uma área enorme sem ao menos saber qual será o real impacto que isso terá globalmente. Hoje vivemos três principais crises planetárias: a crise climática, a crise de biodiversidade e a de poluição. Não podemos tratar uma sem endereçar as outras. A perda de biodiversidade é uma questão séria e que pode causar um colapso ecossistêmico sem precedentes na história da humanidade”, acredita.
O pesquisador da USP também acredita que a diplomata brasileira Letícia Carvalho, eleita em agosto secretária-executiva da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA), braço das Nações Unidas sobre o tema, pode melhorar o controle ambiental neste tipo de exploração.
“Com a entrada da nova secretária, a autoridade vai ter um olhar mais voltado à conservação e, pelo menos, em soluções mais sustentáveis no que diz respeito ao uso desses recursos. A gestão anterior era muito mais centrada na exploração dos recursos e havia mais pressão para que isso acontecesse o quanto antes”, completa Sumida.
Ameaça de impactos ambientais no oceano é grande e especialista avalia que Brasil não está preparado
Assim como a exploração em terra, a mineração no mar está cercada de perigos ambientais. Klumb explica que nos depósitos brasileiros, a extração se dá por meio de dragagem e raspagem do fundo oceânico.
“Os impactos ambientais relacionados a pesquisas e explotação de recursos no assoalho oceânico através de dragagem do fundo marinho geraria uma pluma de sedimentação capaz de percorrer distâncias muito longas a depender da densidade do material em suspensão. Com as correntes marinhas, isso eventualmente cobriria a superfície de algas e corais, situados a quilômetros dos sites minerados, além de afetar diretamente a existência de espécies que vivem nos sedimentos de fundo marinho”, alerta.
Para o geólogo, há um sentimento generalizado de que o mar tudo recicla, mas isso não faz parte da realidade brasileira, pois, “lutamos com problemas previsíveis como queimadas e enchentes. Os órgãos fiscalizadores, de forma geral, estão todos sucateados (principalmente no Brasil)”. Por esse motivo, o geólogo faz uma série de questionamentos.
“Devemos nos perguntar como seria fiscalizado esse tipo de empreendimento. Qual a distância que essas plumas de sedimento em suspensão serão capazes de percorrer e qual será a composição desse material; qual o impacto que quilômetros quadrados de área dragada diariamente gerará na fauna dos fundos marinhos; o que acontecerá com o passivo ambiental de determinadas empresas que não cumprirem com a legislação internacional ou doméstica em vigor? Se usarmos apenas o bom senso vamos perceber que para dar certo esse tipo de mineração precisamos, antes de tudo, melhorar o caráter de todos os envolvidos. Se ainda temos problemas com minerações e meio ambiente em superfície é porque não estamos preparados para minerar o assoalho oceânico”, argumenta.
Klumb também argumenta que a tese dos defensores das minerações de nódulos de manganês não se sustenta. “A justificativa utilizada é de que esse tipo de explotação veio para resolver os problemas ambientais relacionados ao aquecimento global. Na minha opinião, esse tipo de narrativa não ajuda e é feita, unicamente, com o intuito de sensibilizar a opinião pública e assim, desviar o foco dos impactos reais que serão causados pelo empreendimento. É preciso discutir essas questões de forma clara e sem demagogia para que se possa chegar a um entendimento que passe pela preservação dos oceanos. Não existe sociedade sem mineração e eu sou pró-mineração, mas acho que o momento para esse tipo de extração ainda não chegou”, afirma o pesquisador.
Para o professor da UFBA, antes de pensar em explorar minerais no fundo do mar, o Brasil deve repensar o reuso e aproveitamento de resíduos da mineração em áreas degradadas, tidos como passivos ambientais. “Com o avanço tecnológico espera-se avançar nesse sentido e, então, se for o caso, pensar sobre uma possível exploração (pesquisa) e explotação (extração) de ambientes sensíveis como o fundo oceânico”, diz.
Para Norberto Olmiro Horn Filho, professor do Departamento de Geologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a extração no fundo do mar (explotação) pode gerar “severos riscos ambientais”.
“Principalmente à biota animal e vegetal que vive na superfície do fundo dos oceanos e mares ou na própria lâmina d’água. No que tange à explotação mineral, deve se conhecer muito bem a fragilidade da área a ser minerada, sendo fundamental um licenciamento mineral adequado e de responsabilidade. Em qualquer explotação, quer seja continental ou oceânica, sempre existirão medidas mitigadoras para prováveis impactos ambientais, desde que, previamente estudadas e avaliadas no momento do licenciamento mineral”, avalia.
Segundo o professor da UFSC, além dos minerais críticos, outros materiais podem estar relacionados com o aumento dos processos na ANM. Uma delas, o engordamento de praias – representada pelo aumento dos pedidos de extração de areia – também é cercada de polêmicas ambientais e custo econômico, especialmente em Santa Catarina.
“O aumento exponencial dos requerimentos minerais de substâncias específicas oceânicas deve estar relacionado à escassez dos recursos minerais continentais, aliada à importância da Economia Azul como fonte mineral. Exemplo disso são as jazidas de sedimentos arenosos explotados da plataforma continental externa como alimentador artificial de praias arenosas sob erosão costeira. Outros recursos minerais mais profundos e distantes das linhas de costa são os nódulos polimetálicos, crostas cobaltíferas e sulfetos polimetálicos, todos eles inexplotados, estando sobre a égide da Autoridade Internacional dos Fundos Oceânicos”, explica o pesquisador.
Fonte: Observatório da Mineração